O excesso de alterações é motivado por uma discordância dentro da cadeia produtiva local. Hoje, o vazio sanitário é de 1º de maio até 15 de setembro.
Entenda o histórico e o que pensam os dois lados envolvidos neste imbróglio:
A Comissão de Defesa Vegetal de Mato Grosso, grupo coordenado pelo fiscal do Ministério da Agricultura Wanderlei Dias Guerra, defende o vazio sanitário de 15 de abril até 15 de setembro, mas, em acordo com o Instituto de Defesa Agropecuária do Estado de Mato Grosso (Indea-MT), aceitou o período de 1º de maior até 15 de setembro.
O órgão apresentou estudos técnicos que comprovam que o cultivo de soja sobre soja aumenta a pressão da ferrugem asiática e torna o fungo cada vez mais resistente aos fungicidas, sendo que apenas três princípios ativos são capazes de controlar a doença atualmente. Outro ponto defendido é que o produtor utilize 5% da área da safra de verão para o cultivo da própria semente.
A Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) entende que o período deveria ser de 1º de junho até 30 de setembro, somando 122 dias. Essa posição defende dois objetivos: a possibilidade de o produtor terminar a safra de verão e produzir a própria semente e, também, igualar a janela de plantio no Estado, já que o começo da semeadura em 15 de setembro privilegia os agricultores irrigantes, que podem colher antes e jogar pressão da ferrugem nas lavouras em desenvolvimento.
A Aprosoja-MT acionou o fitopatologista José Tadashi, considerado o “pai do vazio sanitário”, para defender a temporada de 122 dias. Segundo Tadashi, o principal entrave é o plantio desuniforme no Estado. Ele entende ser ideal o cultivo começar igualmente, em 30 de setembro.
As três mudanças em menos de seis meses, segundo o presidente da associação de produtores, Ricardo Tomczyk, é reflexo da falta de discussão sobre o assunto.
– Isso (três mudanças em menos de seis meses) mais complica do que ajuda – resume.
Primeira mudança
A primeira decisão sobre o vazio sanitário ocorreu no final de outubro de 2014, quando o Indea-MT ampliou o período sem plantas vivas de soja de 90 dias para 137 dias, começando em 1º de maio até 15 de setembro.
A medida foi baseada em estudo técnico enviado pela Comissão de Defesa Vegetal de Mato Grosso. No embasamento, o coordenador do grupo, Wanderlei Dias Guerra, apresentou estudo da Embrapa Soja que apontava os riscos da sucessão de soja sobre soja.
– Foi uma decisão técnica. Existem estudos que comprovam a perda de eficiência dos principais grupos de fungicidas, alguns de 80% de eficiência caíram para 20%. Fizemos uma reunião entre empresas e produtores, e as empresas não queriam vender fungicidas para a safinha. Nosso objetivo é restringir a soja safrinha comercial – explicou Guerra à época.
Após essa decisão, a Aprosoja-MT contestou o novo calendário, justificando que a medida prejudica um ponto estratégico para os produtores: a produção de sementes.
– A gente tem que preservar o direito de se produzir sementes. Há sobrepreços e, com isso, você deixa o produtor refém do mercado – afirmou Tomczyk.
Ricardo Tomczyk concorda com o fim da segunda safra de soja, mas pede um vazio sanitário que permita o cultivo de sementes de soja. Em novembro de 2014, o presidente da entidade defendia outro calendário. Para ele, o período de 1º de junho até 30 de setembro seria um meio-termo entre a necessidade do produtor e a preservação dos fungicidas.
Segunda mudança
No apagar das luzes de 2014, veio segunda mudança. Em publicação do dia 30 de dezembro, o Indea-MT diminuiu o vazio sanitário de 137 dias para 122 dias, começando em 1º de junho até 30 de setembro. A decisão tomou outro contorno. Os produtores apoiavam a alteração, mas a Defesa Vegetal do Estado estava contra.
Quando publicada a normativa, o presidente da Aprosoja-MT afirmava que as mudanças no vazio sanitário facilitariam o controle das plantas voluntárias e, consequentemente, diminuiriam a pressão do fungo causador da ferrugem asiática. Tomczyk salientou também que a medida igualava o período de plantio no Estado.
– Nossa avaliação é que a medida é além do que a gente havia solicitado (ao Indea-MT). O que a gente pedia é que fosse liberado até 1º de junho somente para fabricação de sementes. Nós pedimos a extensão nesse caso especifico e que o final fosse em 30 de setembro, para igualar o plantio no Estado. Isso fará não existir diferença entre as regiões – projetou o dirigente.
O coordenador da Comissão de Defesa Vegetal lamentou a mudança e ressaltava que o novo calendário favorecia a soja segunda safra, o que, segundo ele, aumentaria a pressão da ferrugem nas regiões em que o ciclo da soja sobre soja é feito.
– Nós, há muito tempo, discutimos para regulamentar a segunda safra, inclusive pedimos o aumento do vazio sanitário justamente para evitar a safrinha, que é muito prejudicial. Não queremos tirar o direito de o produtor produzir sua semente. Nos baseamos em pesquisas que mostram essa necessidade. Para essa decisão, não houve isso (embasamento técnico) – explicou Wanderlei Dias Guerra.
Terceira mudança
No início de fevereiro de 2015, o Indea-MT publicou a terceira e – ao que parece – última mudança no calendário do Estado. Para a safra 2015/2016, está proibida a presença de plantas vivas de soja entre 1º de maio até 15 de setembro, totalizando 137 dias, mesmo período publicado em outubro de 2014. Além disso, a normativa proíbe o cultivo de soja sobre soja.
– Consideramos os diversos estudos agronômicos que apontam para a insustentabilidade do plantio em sucessão da cultura de soja sobre a cultura de soja, por isso tomamos essa medida enérgica. Faremos uma série de ações junto com as entidades do setor produtivo para manter nosso poder competitivo em relação a outros Estados produtores – disse o Instituto de Defesa, em nota.
O coordenador da Comissão de Defesa Vegetal comemorou a decisão e elogiou a postura do secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Seneri Paludo. Segundo ele, Paludo foi corajoso em fazer a nova mudança, especialmente por se basear em parecer técnico.
– O secretário nos procurou e disse que ia ouvir a posição da pesquisa sobre o tema. Nosso objetivo era de 15 de abril até 15 de setembro, mas consideramos o calendário atual um meio termo entre a posição da pesquisa e dos produtores – explicou Wanderlei Dias Guerra.
O presidente da Aprosoja-MT, Ricardo Tomczyk, se posicionou contra a nova mudança no vazio sanitário. O dirigente aponta a falta de diálogo na cadeia produtiva. Além disso, ele cita que a medida restringe a produção de sementes, considerada estratégica pela associação.
– Esse é um assunto que não vem sendo discutido adequadamente. Ficou complicado porque impossibilita os produtores a produzirem a própria semente, algo que é considerado estratégico para nós. Consideramos uma medida exagerada – critica Tomczyk.
Início do cultivo
Outro ponto da normativa que foi alvo de reclamação é o término do vazio sanitário, programado para 15 de setembro. A associação de produtores entende que isso permite um plantio sem uniformidade no Estado, o que pode aumentar inóculos da ferrugem.
– Somos contra, o dia 30 de setembro permitiria um plantio mais alinhado, sem produtores jogarem inóculos para outras lavouras. Poderia haver exceções, mas desse jeito somos contra. Falta uma discussão aprofundada – aponta.
Segundo o Indea-MT, um grupo de trabalho será criado para elaborar um plano de controle a ser executado nas lavouras plantadas entre os dias 15 e 30 de setembro, visando um controle mais eficaz dos primeiros plantios para não afetar os agricultores que começarão a plantar a partir de outubro.
– O grupo de trabalho vai acompanhar o controle de quem plantou antecipado. Não seria justo encerrar o vazio sanitário em 30 de setembro, sendo que, nesta safra, quem plantou antecipado fez bom controle. Então esse grupo vai monitorar os produtores que podem plantar antes – comenta Wanderlei Dias Guerra.
Produzir semente durante a safra de verão
O coordenador da Comissão de Defesa Vegetal reforça que a produção de sementes não foi o alvo da decisão técnica. Wanderlei Dias Guerra defende que o produtor possa plantar sua semente. Ele orienta que o sojicultor separe 4% da lavoura para produzir sementes na época da safra principal. Outra possibilidade apontada é cultivar até 15 de janeiro, para conseguir colher a tempo.
Vazio sanitário
O objetivo do vazio sanitário é proibir a presença de plantas vivas de soja em lavouras comerciais durante um período de, no mínimo, 90 dias, considerado o suficiente para eliminar a pressão do fungo causador da ferrugem asiática A doença é capaz de causar perdas de até 90% da produção. A medida foi adotada em 2006 pelos Estados de Mato Grosso, Goiás e Tocantins.
Apesar de o calendário de 90 dias ser avaliado como ideal, a medida em Mato Grosso busca inviabilizar a soja de segunda safra, que precisa de mais aplicações de fungicidas do que a safra de verão, que começa após o vazio sanitário.
O fungo
A ferrugem asiática da soja é uma doença causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi (Sydow & P. Sydow), que precisa do hospedeiro vivo para obter seu alimento. A ferrugem asiática se constitui em um dos principais problemas fitossanitários da cultura.
Fungicidas
Segundo a Embrapa Soja, os fungicidas utilizados no controle da ferrugem pertencem a três grupos: DMI (inibidores de desmetilação); Qol (inibidores da Quinona Oxidase) e o SDHI (Succinato Desidrogenase). Quando a ferrugem asiática foi identificada no Brasil, a praga foi controlada com a aplicação de fungicidas do grupo DMI, tanto isoladamente quanto misturados. Produtos desse grupo tinham alta eficiência.
A partir da safra 2007/2008, os resultados de ensaios cooperativos, realizados pelo grupo de pesquisadores do Consórcio Antiferrugem mostraram uma redução de eficiência em alguns produtos DMI.
Os fungicidas Qol nunca foram recomendados para serem usados isolados, porque os estudos mostravam que eles não tinham a mesma eficiência do DMI. Em 2013/2014, foram registrados os primeiros fungicidas do grupo do SDHI para cultura da soja em mistura com QoI, que apresenta eficiência maior.
– Agora toda a cadeia produtiva precisa realizar um esforço para prolongar a vida útil desse terceiro grupo – alerta a pesquisadora da Embrapa Soja Claudia Godoy.
Isso (três mudanças em menos de seis meses) mais complica do que ajuda
Ricardo Tomczyk, presidente da Aprosoja-MT