Pioneira na criação de nelore no sudoeste paulista, a família do produtor rural Tiago Jacintho mudou o rumo de uma história de quatro gerações na pecuária. Os campos da fazenda em Sandovalina (SP), perto de Presidente Prudente, eram ocupados por seis mil cabeças de gado. Depois, veio a soja. Até que a cana tomou conta de tudo.
A explicação para a mudança radical está ao lado da fazenda: uma usina construída por um dos maiores grupos privados da Noruega.
É um investimento que tem justificativa, já que áreas deste tipo estão na lista das mais procuradas por investidores estrangeiros na região centro-sul do país. São áreas grandes, atualmente usadas para a pecuária. Aos olhos do investidor, lugar ideal para instalar uma usina e ainda utilizar todo o entorno para plantar cana-de-açúcar.
O grupo tem experiência em setores como petróleo, navios e até restaurantes. A unidade entrou em operação em 2008. Superados contratempos como atraso na obra e perda de produção com a chuva, a usina hoje vem moendo quase dois milhões de toneladas de cana.
Os vizinhos são importantes fornecedores. Toda a cana colhida nos 4,5 mil hectares vai para a usina norueguesa.
Tiago Jacintho traduz essa virada de página na história da família com uma palavra: rentabilidade.
? A rentabilidade da cana hoje está bem melhor do que da pecuária de corte, que era a nossa atividade e, com tudo, a dinâmica da fazenda mudou, investiu-se em preparo de solo, investiu-se em todo um manejo de terra na fazenda, então nós não temos nem um pingo de arrependimento porque além da rentabilidade, a fazenda se modernizou ? avaliou o administrador rural.
Da Noruega ao pontal do Paranapanema. O que trouxe os investidores estrangeiros pra o local?. O CEO da corporação, o norueguês Jens Ulltveit-Moe, é membro da Comissão Europeia de Mudanças Climáticas e viu no Brasil um alvo estratégico. Quem conta essa história é o presidente da Umoe Bioenergia, Rubens Approbato.
? Ele decidiu que, como um grupo, ele gostaria de investir em energias renováveis e mudar uma parte dos ativos dele para essas atividades. Analisou diferentes oportunidades e concluiu que o etanol no Brasil era uma excelente alternativa futura não só do ponto de vista econômico, mas também do ponto de vista de sustentabilidade ? disse Rubens Approbato.
Além da unidade de Sandovalina, o grupo estrangeiro tem outra perto dali, em Narandiba. Juntas, devem moer 2,7 milhões de toneladas de cana e produzir mais de 220 milhões de litros de etanol na safra 2010/2011. O investimento total já chegou a R$ 800 milhões.
O foco dos investimentos estrangeiros no centro-sul, principalmente em São Paulo, é a indústria de açúcar e álcool. Um motivo: já não há mais terra disponível para produção de grãos, por exemplo. Outro: a própria vocação sucroalcoleira adquirida pelo Estado nos últimos anos.
Os investidores adquirem usinas antigas, constroem novas ou fazem parcerias com grupos que já tem história no setor. Comprar ou arrendar terras, nesse caso, é consequência.
A dinâmica é diferente, mas, como nos grãos e fibras, no setor de açúcar e álcool a participação estrangeira também vem crescendo. Apesar de a terra não ser o foco, São Paulo é campeão em imóveis rurais em nome de estrangeiro. São 12.291 registros, que somam uma área superior a 491 mil hectares.
A especialista de mercado Jacqueline Bierhals acompanha essa movimentação há quase 10 anos e observa uma nova tendência. Empresas já consolidadas do local usam o que ela chama de “ativo terra” para atrair investimentos.
? O que agente tem percebido, principalmente em São Paulo, onde as maiores negociações envolvem o setor sucroalcoleiro, é justamente na transferência da gestão do ativo terra para grupos especializados, aliviando assim um pouco do peso do ativo das próprias usinas. Então, são realmente tipos de negócio bastante diferentes ? diz Jacqueline.
O maior grupo sucroalcoleiro do país viu aí uma oportunidade. A Cosan criou a Radar. A empresa é voltada só para compra e venda de terras. E 80% do capital é de um fundo americano.
Investimentos de fora, aquisições, olho nas terras. O que isso vai causar no mercado sucroalcoleiro nos próximos anos? Para o analista de mercado Júlio Maria Borges, da Job Economia, os novos donos do negócio de açúcar e álcool no Brasil vão ser grandes grupos estrangeiros.
? Os grandes grupos nacionais hoje estão tendo uma oportunidade impensável há 10 anos atrás de se associar com grandes grupos estrangeiros. Por que essa associação? É o chamado ganha-ganha. O grupo estrangeiro que está vindo para cá, é associado a petróleo, é associado a trading. Associado a produção de produtos agropecuários, e mesmo a indústria química, que vai vir. Esse pessoal entende pouco ou quase nada de cana e de produzir açúcar e álcool. Então o produtor brasileiro hoje, o usineiro entende muito disso. Então essa união de quem produz bem e quem usa bem o produto, seja uso direto, seja na comercialização da safra é uma união de ganha-ganha ? explica Borges.
Lá no sudoeste paulista, o ganha-ganha é realidade. O presidente do Sindicato Rural de Presidente Prudente, Jacob Tosello Jr, conta que o investimento estrangeiro veio salvar usinas da região. Jacob alerta que antigos pecuaristas devem continuar recebendo novas propostas, o que pode mudar a historia de muita gente.
? Vai organizar o setor, inclusive regularizar algumas empresas que estão passando por dificuldades financeiras e, nós temos algumas usinas aqui na região que ainda passa por dificuldades financeira, e essa associação é bem vinda. A gente acha que vindo mais investidores, diversificando as usinas, há uma maior concorrência e deve aumentar pelo menos o preço do valor do arrendamento no caso ? avalia Tosello Jr.
É bom que a região e o setor se preparem, pois vem mais investimento por aí.
? Hoje a bioenergia representa algo em torno de 25% do grupo. nós próximos anos a idéia do grupo é que isso passe a representar 50% dos ativos do grupo. Então é um direcionamento estratégico que foi feito e que com certeza nos próximos anos vão trazer novos investimentos interessantes ? diz Rubens Approbato.