• Série do Plano de Governo aborda mecanismos de comercialização para o agronegócio
Há exatos 20 anos, o governo sancionou a Lei 8.929/94, que criava a Cédula do Produtor Rural (CPR), muito conhecida nos dias de hoje por investidores e produtores. O instrumento se tornou a base de todo o financiamento privado, o que permitiu aos produtores conseguirem acesso a recursos fora do Sistema Nacional de Crédito Rural. O mecanismo ganhou reforço com a criação, 10 anos depois, dos novos títulos do agronegócio, que posicionariam os produtores rurais e a produção brasileira diretamente no mercado financeiro de capitais.
– Temos a Letra de Crédito do Agronegócio (LCT), que pode ser emitida pelo banco, possuindo como lastro as dívidas dos produtores. As empresas podem emitir um CDCA (Certificado de Diretores Creditórios do Agronegócio). Empresas especializadas podem emitir o CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio), assim como nós temos o CRI (Certificado de Recebíveis Imobiliários), que é o financiamento para a área imobiliária, que permite construir casas e shoppings por aí afora – explica Ivan Wedekin, diretor-geral da Bolsa Brasileira de Mercadorias (BBM).
O executivo financeiro David Telio foi quem estruturou, em 2012, a primeira operação de CRA do mercado brasileiro. Com isso, grandes empresas tiveram a oportunidade de emitir títulos sob a forma de CRA para serem oferecidos ao mercado. Segundo Telio, a operação é relativamente simples e com muitos benefícios para os envolvidos.
– Funciona assim: o produtor emite uma CPR financeira, ele põe o valor do compromisso que ele está assumindo, com toda a necessidade de insumos, fertilizantes, defensivos, óleo diesel, sementes e o que mais ele quiser. Ele procura uma empresa autorizada a emitir esses papéis. Dentro disso, surge a oportunidade de uma pessoa física comprar um papel originado da agricultura no campo e não precisa envolver banco, que pode tomar o limite de crédito do produtor – comenta o executivo financeiro.
A eficiência do CRA é garantida pela CPR, da qual o consultor financeiro Bob Machado ajudou a criar, em 1994. Bob já foi diretor de Crédito Rural do Banco do Brasil, e hoje trabalha na Bolsa Brasileira de Mercadorias. Ele admite que esse mecanismo de captação de recursos deve passar por algumas mudanças.
– A Cédula do Produtor Rural pode ser chamada de confessionário. “Eu pagarei tantas sacas de soja etc.” Cada empresa tem um modelo de cédula. Por quê? A área jurídica de cada um deles diz que tem que existir um tipo de proteção diferente. Você não vê um modelo padrão, que fosse possível acrescentar as particularidades do negócio. Deveria existir, talvez, esse modelo padrão, porque cada empresa tem um tipo de minuta, só que, na realidade, o produtor acaba escolhendo a empresa de confiança dele. Com isso, o produtor acaba aceitando alguns termos sem saber – ressalta Machado.
Atualmente, um grupo de especialistas, com a participação de entidades ligadas ao agronegócio, defendem melhorias nas leis que criaram a CPR e os títulos do agronegócio. Um documento chamado “Plano de Ação do Agronegócio” está sendo elaborado e pode fazer parte dos programas de governo dos candidatos à Presidência da República este ano. Quem coordena as propostas sobre a comercialização agrícola é Ivan Wedekin.
– Precisamos ter o aperfeiçoamento na legislação dos títulos, para que eles cumpram seu objetivo de financiar cada vez mais o produtor rural. O objetivo é facilitar a comercialização do produtor dentro de um ambiente de segurança ao investidor – reforça Wedekin.
A proposta do Plano de Ação do Agronegócio prevê a revisão na lei que regulamenta a CPR, aumentando a qualidade e a segurança do mecanismo; mudanças na legislação que criou os títulos do agronegócio, protegendo os investidores e estimulando a captação de mais recursos; e a criação dos Fundos de Investimento do Agronegócio, a exemplo dos Fundos de Investimento Imobiliário, o que atrairia mais investidores e recursos para o setor.
– Nós vamos percebendo que existem pontos para serem melhorados. Principalmente o quê? Diminuir o risco para os investidores do mercado financeiro, principalmente os que não conhecem muito como funciona a realidade da agricultura brasileira – comenta Ivan Wedekin.
Para o produtor, a grande vantagem de usar os mecanismos de crédito, que tem base na CPR, é a possibilidade de transformar o produto que vai ser colhido no futuro como uma moeda de troca agora. Ele pode financiar a produção e, ao mesmo tempo, facilitar a comercialização, porque a CPR permite que os títulos do agronegócio façam uma ligação direta do dinheiro do investidor até o produtor. Mesmo que um não conheça o outro. É a chamada liquidez, que o agricultor tanto precisa para não empatar receita e custo no final da safra.
O produtor de soja e milho Antonio Marcos Padoveze buscou outro mecanismo para facilitar a venda da sua produção. Há mais de três anos ele resolveu apostar no mercado futuro. Desde então, ele trava 40% da safra, pelo menos, e cobre os seus custos com insumos. É uma maneira de ter dinheiro na mão antes de colher.
– Nós temos que fazer o quê? Intempéries nós sofremos, oscilação de preço e toda esta pressão de pragas e doenças na cultura. Quanto mais amparo nós conseguirmos, melhor. Alivia o nosso risco. Estamos trabalhando a favor de ter uma renda mais estável. Esse mecanismo nos permite fazer uma média mais favorável para pagar os custos e manter a rentabilidade, porque nós precisamos de renda – lembra Padoveze.