Gravado do Congresso Brasileiro de Soja e o Mercosoja 2022, realizado na semana passada em Foz do Iguaçu, o Canal Rural Entrevista recebeu o chefe-geral da Embrapa Soja, Alexandre Nepomuceno.
Na entrevista, conduzida pelo diretor de conteúdo do Canal Rural, Giovani Ferreira, Nepomuceno falou sobre ciência, biotecnologia e sustentabilidade.
Canal Rural – Vamos falar da essência do agronegócio, que é a pesquisa, onde tudo começa. Estamos vivendo um cenário de aumento nos custos de produção, que tem comprometido a rentabilidade e até tirado muitos produtores da atividade. Como que a pesquisa se encaixa nesse quebra-cabeça?
Alexandre Nepomuceno – Com certeza, Giovani. Um dos papéis da ciência é reduzir custos. É aumentar a sustentabilidade dos sistemas produtivos em três eixos: o ambiental, o social e o econômico. Nós da ciência, da Embrapa estamos olhando a cadeia produtiva em vários eixos. Nós estamos vivendo uma grande crise internacional de fertilizantes. A questão do trigo também, nós temos dois países em guerra que produzem 30% do trigo e são justamente os países que produzem boa parte dos fertilizantes. Como estamos vendo isso? Já estávamos trabalhando nisso. A gente alertava há um bom tempo sobre a questão da dependência do Brasil, no caso dos fertilizantes. Uma grande linha de pesquisa é usar essa grande biodiversidade que o Brasil tem. No nosso caso da Embrapa Soja, temos quatro grandes bancos de microrganismos, que são microrganismos que ajudam na absorção de nutrientes do solo, bactérias, fungos, a própria fixação biológica de nitrogênio, que é usada há décadas, é um grande bioinsumo, biofertilizante. Só que a gente precisa explorar outros, que facilitem, que ajudem por exemplo a solubilização de fósforo, a absorção de potássio. Então olhar essa biodiversidade, como esses microrganismos interagem com as plantas, o nosso específico da soja, é um objetivo de trazer novas opções para o mercado e com isso diminuir os custos. Isso vale também para o controle de insetos e doenças, existe uma grande tendência de nós. Já tem vários exemplos positivos de sucesso que são utilizados. Existe uma grande linha de pesquisa nos nossos laboratórios para trazer opções para o produtor.
Canal Rural – Nas últimas décadas, temos falado muito de biotecnologia aplicadas à agricultura, na verdade a biotecnologia que revolucionou a produção agrícola no país. O que vem em termos de fronteira do conhecimento, quando o assunto é pesquisa básica e aplicada à agricultura?
Alexandre Nepomuceno – Nós vivemos várias revoluções tecnológicas, duas afetam diretamente o agronegócio. Uma é a digital, mas essa todo mundo conhece, como drone, imagem por satélite e sensores. A outra é a revolução na genética, nós tivemos ali em meados da década de 90, os transgênicos que foi uma grande tecnologia. Hoje, o Brasil consegue produzir 70% da soja usando o plantio direto, graças às plantas resistentes a herbicidas transgênicos. Só que a tecnologia não parou, ela continuou evoluindo. Atualmente nós estamos com dois painéis no Congresso Nacional discutindo essas tecnologias. É da edição genômica, onde você manipula o DNA da espécie, você não tem mais o transgênico, você manipula o DNA da própria espécie, imitando muitas vezes o que a natureza já faz. Com a revolução tecnológica, você conhecendo o DNA da soja, do milho e das diferentes variedades, sabendo como cada gene funciona, você consegue induzir mutações, usando a técnica CRISPR, que ganhou o Prêmio Nobel no ano passado e fazer alterações que possam resolver problemas da agricultura como aumentar uma resistência a uma doença, fazer uma planta mais produtiva, então tem várias estratégias que estão sendo trabalhadas com essa tecnologia. O que a gente tá vendo no mundo, no Brasil mesmo, na Argentina, nos Estados Unidos é uma democratização do uso da biotecnologia na agricultura. A distância entre a academia, a ciência básica e a ciência aplicada no campo está cada vez menor.
Canal Rural – Estamos na era dos biológicos, na verdade eles sempre estiveram aí, o que ocorre agora, é um apelo econômico e ambiental quando a gente fala de sustentabilidade também que joga mais luz sobre esse tema. Os bioinsumos e os biofertilizantes já são uma realidade, o que é preciso para avançar nesse tema?
Alexandre Nepomuceno – São uma realidade, essas próprias tecnologias que eu te comentei, dessa revolução da genética, conhecer melhor esses microrganismos, sequenciar o genoma deles, identificar que genes, que substâncias esses fungos, bactérias, leveduras estão produzindo. Eles ajudam você chegar a um produto final de prateleira, que você pode aplicar na lavoura. Nós da Embrapa Soja temos vários exemplos de tecnologias.
Canal Rural – Cresce muito a produção de bioinsumos on farm, a princípio uma oportunidade, mas também uma preocupação, de qualidade e até efeitos sanitários, desdobramentos sanitários, os efeitos colaterais sanitários que podem impactar negativamente, sem os protocolos e a governança adequada. Como conduzir, como enfrentar esse tema?
Alexandre Nepomuceno – Você está trabalhando com microrganismos, você precisa saber o que você tem na sua cultura de crescimento desse microrganismo. Então tem que ter esse efeito, com controle de qualidade, existe legislação para isso, ela tem que ser cumprida, não pode qualquer produtor agora pegar algumas caixas d`água e quer multiplicar. E a nossa experiência na Embrapa e esses dados foram mostrados aqui que muitas situações, onde nós coletamos amostras de pessoas, que faziam sem controle nenhum, você tinha tudo ali, menos o organismo, o alvo que você quer multiplicar para usar como um bioinsumo, então tem que ter um controle de qualidade, isso está sendo fiscalizado, eu tenho certeza que vão aumentar as fiscalizações, em cima de que faz isso sem os controles de qualidade devidos. Agora é importante sim, grandes produtores, se tiverem a estrutura correta, se tiverem os profissionais corretos, para ter um controle de qualidade, ele fazendo na sua própria fazenda e reduzir seus custos porque não.
Canal Rural – Não há como falar de agricultura brasileira, dentro e fora do Brasil, sem ser questionado sobre as questões ambientais e de sustentabilidade. Podemos dizer e convencer a comunidade, principalmente internacional, que nós já temos uma agricultura sustentável, que o produtor brasileiro é sustentável?
Alexandre Nepomuceno – Eu tenho participado de vários eventos representando o Brasil, onde esse tema é sempre levantado. A gente fica até surpreso. O desconhecimento que várias instituições e países têm da agricultura brasileira. A começar pela nossa legislação ambiental, muitas pessoas não sabem que ela é uma das mais rigorosas do mundo. Se você pegar os dados da Embrapa, que foram confirmados pelo satélites da Nasa, nós usamos em torno de 8% do território nacional para a produção de grãos, enquanto países europeus usam mais de 50% a 60% da área. O Brasil é líder mundial em plantio direto, que sequestra carbono no solo, a planta faz a fotossíntese, a gente produz o alimento, o que da planta, folha, caule, vira carbono no solo, tira da atmosfera, preserva nutrientes, preserva água. As pessoas não sabem disso. Quem mais usa fixação biológica no mundo é o Brasil, em larga escala. Então não adianta mais a gente ficar mostrando foto lá fora, de plantio direto, a gente tem que mostrar isso em números e nós temos vários cientistas renomados da Embrapa, publicações internacionais, validando esses números e o que a gente faz hoje na Embrapa. A questão do ESG veio para ficar, tem que provar que nós trabalhamos de uma maneira sustentável, então a Embrapa, junto com nossos parceiros, tanto do setor público, como privado, tem desenvolvido metodologias para colocar em números a sustentabilidade.
Canal Rural – Como fazer com que a pesquisa e a tecnologia também chegue a agricultura familiar?
Alexandre Nepomuceno – É um problema que envolve decisões governamentais, nós temos estados mais fortes, nessa transferência de tecnologia e hoje nós temos várias estratégias para ampliar isso. A educação à distância é uma coisa que veio para ficar. Nós da Embrapa estamos estamos começando a desenvolver vários treinamentos. Se bem que nada substitui presencial, então tem que ter uma parceria muito grande, no nosso caso da Embrapa especificamente da Embrapa Soja, nós temos uma parceria muito grande com as cooperativas na Organização das Cooperativas do Brasil (OCB), dando treinamento para os técnicos. Com a Emater, no estado do Paraná; e em outros estados, nós passamos bastante treinamento, porque você tem esse cientista que passa informação para o técnico e o difunde entre os produtores e aí os produtores de vários níveis, desde da agricultura familiar até o agricultor de larga escala. E temos as mídias sociais que ajudam muito, desde o Whatsapp, Facebook, Instagram, mídias que ajudam a passar conhecimento sobre as tecnologias e os materiais desenvolvidos por nós.
Canal Rural – Como a Embrapa Soja enfrenta a limitação de recursos?
Alexandre Nepomuceno – Países desenvolvidos usam até 4% do PIB em ciência e tecnologia. O Brasil usa em torno de 1%, o que é muito pouco para um país como o nosso. Mas quando você separa o setor público do privado, o investimento do segundo chega a ser maior. As parcerias público-privadas têm que aumentar no Brasil. A Embrapa está com um macro processo de inovação, a gente tem um número meio mágico, a gente pensa que 40% do nosso financiamento tem que vir de parcerias público-privadas, é importante o empresário brasileiro entender que, às vezes, ele vai ter que ajudar, a investir em 10 tecnologias para gerar uma ou duas, que essa uma ou duas paga mil vezes o que ele investiu. Mas o investimento público também é importante e necessário. É preciso ter esse equilíbrio, porque tem coisas que só o setor público faz. Se você fosse um empresário da década de 1970 e eu chegasse para ti, Giovani, e pedisse dinheiro emprestado para plantar soja no Cerrado, você iria me chamar de louco. E a Embrapa, com essa visão de futuro, adaptou e tropicalizou a soja. Outros exemplos estão acontecendo agora, como a tropicalização do trigo. O Brasil vai ser autosuficiente na produção de trigo, com a ajuda do cerrado.