Se as tendências atuais de produção de soja seguirem como estão, o Brasil converterá cerca de 5,7 milhões de hectares de florestas e Cerrado em lavoura nos próximos 15 anos. Tal atividade poderia levar ao incremento de 1,955 milhões de toneladas de CO2 lançados na atmosfera.
Essa é a conclusão do estudo Protecting the Amazon forest and reducing global warming via agricultural intensification (Protegendo a floresta amazônica e reduzindo o aquecimento global por meio da intensificação agrícola, em tradução livre), publicado na revista Nature nesta segunda-feira (10).
A pesquisa visa mostrar como é necessário produzir mais soja para garantir a segurança alimentar mundial sem, no entanto, comprometer o futuro dos principais biomas brasileiros. Desta forma, o documento indica que a intensificação do cultivo da oleaginosa poderia ajudar os agricultores a melhorar a produtividade sem ter que reverter mais áreas verdes em terras agrícolas.
Para intensificar a produção nos hectares existentes, os pesquisadores indicam que o país poderia aumentar a sua produção anual de soja em 36% até 2035, reduzindo simultaneamente as emissões de gases do efeito estufa em 58% em comparação com os índices de hoje. Para que isso ocorra, a pesquisa sugere três iniciativas fundamentais:
- Cultivar uma segunda safra de milho em campos de soja em determinadas áreas
- Criar mais gado em pastagens menores para liberar mais terra para a soja
- Aumentar significativamente os rendimentos das culturas de soja
Impactos da Covid-19 e da guerra
O estudo reforça que a pandemia de Covid-19, junto com a guerra na Ucrânia, trouxe duas consequências que podem ter impactos expressivos nos países em desenvolvimento, que dependem de culturas de produtos de base como principal fonte de rendimento.
“Uma é o aumento acentuado dos preços dos produtos agrícolas, que quase duplicaram em comparação com os níveis pré pandêmicos. O segundo é um forte desejo dos governos nacionais de recuperarem rapidamente sua economia”, diz trecho da obra.
Estes eventos são extremamente importantes para os países em desenvolvimento com vastas extensões de terra adequadas para a agricultura que são atualmente cobertas com ecossistemas frágeis, tais como florestas tropicais e cerrados, porque podem desencadear uma conversão maciça da terra em um período relativamente curto, levando a perda de biodiversidade e aquecimento global.
O Brasil contempla toda a complexidade do aumento de demanda por alimentos e da obrigação em proteger seus biomas. “O país acolhe uma das maiores reservas de biodiversidade do mundo, com 516 milhões de hectares de florestas e cerrado. De especial relevância são os vastas áreas de florestas tropicais localizadas na Amazonia, somando 330 mi/ha. Ao mesmo tempo, o Brasil é o principal país exportador de soja, contabilizando 40% das exportações globais em 2017-2019”.
Progressos na redução do desmatamento
Durante o final dos anos 1990 e início da década de 2000, a produção de soja provocou um desmatamento maciço, mas durante os anos seguintes (2005-2015), o Brasil fez progressos tangíveis na redução das taxas de desmatamento por meio de moratórias e programas de incentivo financiados por países estrangeiros.
A questão a ser respondida é se estas medidas serão por si só suficientes para impedir a conversão de ecossistemas frágeis num contexto de preços elevados dos cereais e governos que procuram o crescimento econômico a partir do incremento da produção agrícola.
O que fazer?
Como ações que poderão garantir o diálogo sustentável entre produtividade e sustentabilidade, o estudo propõe aumentar significativamente o rendimento da cultura da soja, com milho na sequência, além de aumentar o número de cabeças de gado em pastagens com intenção de liberar mais terra para os grãos.
Os cálculos realizados pela equipe de pesquisadores mostram que a estratégia de intensificação permitiria ao Brasil realizar 85% do rendimento bruto projetado de soja e milho de segunda safra, em comparação com as tendências atuais. Ao mesmo tempo, reduziria a emissão de gases em 58%.
O estudo tem como autor primeiro autor o professor Fabio Ricardo Marin, do departamento de Engenharia de Biossistemas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) e foi escrito em parceria com pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria, da University of Nebraska–Lincoln, do National Scientific and Technical Research Council (Conicet), Argentina, da Universidade de Buenos Aires, da Universidade Federal de Goiás e Embrapa Arroz e Feijão. O projeto foi desenvolvido nos últimos quatro anos e recebeu apoio da Fapesp, do CNPq e da Fullbrigth.