Carlos Alfredo Joly, coordenador do Biota-Fapesp e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), abriu o encontro lamentando a falta de participação da comunidade científica nas discussões sobre as alterações no atual Código Florestal ? que prevêem, por exemplo, reduções significativas nas áreas de preservação permanentes (APP) e anistia a desmatamentos feitos até 2008.
? Essa nossa crítica foi destacada em uma carta assinada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), as duas maiores representantes da comunidade científica ? disse Joly.
As duas entidades deverão ampliar as discussões sobre o assunto por meio de um grupo de trabalho.
Ricardo Ribeiro Rodrigues, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), que coordenou o encontro junto com Joly, ressaltou que a proposta de revisão do código ensina importantes lições à comunidade científica, entre elas a importância de tomar iniciativas de mudanças antes que outros o façam.
? O Código Florestal atual vigora desde 1965 e nós (pesquisadores) não tínhamos nos preocupado em atualizá-lo até hoje ? disse Rodrigues, ressaltando a importância da pesquisa científica para sustentar políticas públicas.
Na parte da manhã, cientistas apresentaram os impactos que grupos taxonômicos específicos poderiam sofrer no caso de ser aprovada a proposta do novo código aprovada pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados.
Os palestrantes foram convidados a usar suas apresentações como ponto de partida para artigos científicos, que serão submetidos para publicação na próxima edição da revista Biota Neotropica.
Lilian Casatti, professora do campus de São José do Rio Preto da Universidade Estadual Paulista (Unesp), falou sobre possíveis impactos aos peixes. Um dos principais problemas da proposta de revisão do código, segundo ela, seria a redução na largura das matas ripárias ? que acompanham os cursos d’água ? de 30 metros para 15 metros em riachos e ribeirões com menos de 5 metros de largura.
De acordo com a pesquisadora, isso afetaria a ictiofauna em vários aspectos. Sem a cobertura vegetal ciliar os peixes estariam mais expostos à luz solar. Espécies que possuem larvas sensíveis à radiação ultravioleta seriam reduzidas. Peixes que utilizam a identificação visual para selecionar parceiros também seriam prejudicados e várias cadeias tróficas seriam irremediavelmente alteradas.
? Muitos peixes se alimentam de determinados insetos que, por sua vez, alimentam-se de certas folhas dessas matas. Há estudos apontando que, com menos matas, os peixes perdem biomassa. causando perdas genéticas e até de espécies ? disse.
A perda da cobertura vegetal ripária também causaria o aumento na turbidez dos rios devido ao assoreamento, o qual também provocaria a entrada de poluentes no curso d’água.
Um dos maiores prejuízos seria a extinção de diversas espécies de peixes. Estudos realizados no Estado de São Paulo mostram que o maior número de espécies está concentrado em pequenos córregos. No Estado, foram encontradas 344 espécies ? do total de 2.587 peixes brasileiros de água doce ? e 66 estão ameaçadas, sendo que 45 vivem em pequenos ambientes.
? Essas espécies vivem em apenas 10 metros quadrados, em média, durante toda a vida ? disse Lilian, para ilustrar que até perdas de pequenas porções de vegetação natural podem resultar no desaparecimento de diversos táxons.
Segundo a professora da Unesp, os pequenos cursos d’água guardam uma grande diversidade genética que estaria ameaçada após as mudanças no Código Florestal. A região de São José dos Dourados (SP), estudada por Lilian, possui 4 mil quilômetros de pequenos rios enquanto que o rio principal tem apenas 220 quilômetros.
? Nessa região, entre 61% a 78% dos córregos já estão cercados pela plantação de cana-de-açúcar, eles não podem se dar ao luxo de ter mais áreas reduzidas ? afirmou.