O agronegócio pode ser uma das principais vítimas do aumento da temperatura global causada pelas mudanças climáticas. A questão já é motivo de grande apreensão por parte dos produtores rurais. Segundo a Pesquisa sobre Cultura da Soja, realizada pela plataforma Climate Fieldview, esta é, inclusive, a maior preocupação de 72% dos sojicultores do país.
Pelos dados do Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o mundo já está 1,59º C mais quente do que no período pré-industrial. Tal fenômeno, motivado pela ação humana, tende a provocar alterações nos regimes de chuvas, gerando estiagens mais prolongadas em determinadas regiões e também precipitações em volumes excessivos que prejudicam diversas culturas em outras áreas.
Dois casos opostos exemplificam a questão:
- Prejuízo de mais de R$ 100 bilhões na safra 2021/22 de soja dos estados da Região Sul por conta da estiagem
- Perdas de até 100% em diversas lavouras em Mato Grosso pelo excesso de chuva
E o fenômeno não se limita ao Brasil: a Europa enfrenta a pior seca dos últimos 500 anos e viu mais de 270 mil hectares de terra serem atingidos por incêndios florestais.
Problema persiste em 2022
A expectativa para 2022 não é muito diferente. Apenas no início deste ano, a seca provocou um prejuízo recorde para os produtores de soja do Rio Grande do Sul. Os produtores do município de Giruá (RS), por exemplo, registraram a redução de 60 para cerca de 5 sacas de soja colhidas por hectare.
Segundo a Federação das Cooperativas Agropecuárias do estado (Fecoagro-RS), quase metade da safra esperada foi perdida, gerando um prejuízo estimado em R$ 36,14 bilhões.
Esses números mostram que a elevação da temperatura média global coloca em risco toda a cadeia agrícola de produção. A baixa produtividade causada por esse problema climático não só provoca o desabastecimento, mas também aumento do preço dos alimentos, que eleva a inflação e torna o custo de vida mais caro.
Como resultado, as mudanças climáticas podem gerar graves prejuízos econômicos para produtores e consumidores, colocando em risco a segurança alimentar e o bem-estar de uma população que não para de crescer.
Por isso, o ideal é que esse momento histórico seja considerado uma oportunidade para o agronegócio investir em tecnologias sustentáveis e implementar boas práticas para maximizar a produção agrícola de modo eficiente e inteligente.
Sustentabilidade e desenvolvimento agrícola andam juntos
O conceito de sustentabilidade geralmente é associado apenas à preservação do meio ambiente. Porém, especialistas concordam que é impossível falar em preservação ambiental sem considerar que aspectos sociais e econômicos também afetam o meio ambiente.
E a agricultura deve ser parte da solução. Além das estimativas de aumento da temperatura média global e suas consequências para o setor agrícola, o produtor ainda precisa lidar com outro desafio: o aumento da demanda por produtos agrícolas.
Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), a produção agrícola precisa crescer quase 70% até 2050 para atender as necessidades de uma população mundial estimada em 9,8 bilhões de pessoas.
Digitalização do campo
Diante desse cenário, a Embrapa aponta a convergência tecnológica e a adoção de sistemas de produção agrícolas mais sustentáveis como algumas das megatendências que devem guiar os agricultores brasileiros até 2030.
Na prática, além de adotar práticas de cultivo mais sustentáveis, como sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), rotação de cultura e Sistema Plantio Direto (SPD), o produtor também precisa investir na digitalização do campo, ou seja, na convergência tecnológica da fazenda.
Isso significa que o agricultor precisa adotar sistemas integrados, ciência de dados, softwares de gestão, inteligência artificial, entre outros recursos da agricultura de precisão e da agricultura digital para otimizar a gestão e o manejo da lavoura.
Como resultado, é possível criar estratégias mais assertivas para aumentar a produtividade por hectare, usar os recursos ambientais de forma mais eficiente, melhorar a rentabilidade da safra e se planejar para proteger a lavoura das adversidades climáticas.
Impactos do déficit hídrico na soja
A agricultura é responsável pelo consumo de 70% de toda água utilizada no mundo. E o Brasil está entre os 10 países com maior área equipada para irrigação, atividade essa que utiliza cerca de 72% do total deste recurso gasto na agricultura.
A engenheira agrônoma da Climate Fieldview, Letícia Nelma Soares, lembra que as oscilações do clima, cada vez mais constantes, têm provocado déficit hídrico acentuado ao longo de algumas safras de soja, impedindo que a cultura expresse todo o seu potencial produtivo e reduzindo a produtividade.
“Vale destacar que é na germinação/emergência da planta e na floração/enchimento de grãos em que a disponibilidade de água é mais crítica na soja”, destaca.
Desta forma, buscar ferramentas que melhorem o manejo da água é essencial. “Temos no mercado algumas tecnologias que utilizam de inteligência artificial – a partir de sensores e imagens de satélite – para determinar o melhor momento para iniciar a irrigação. Temos dados de economia em até 60% no consumo hídrico das propriedades que já investiram”.
Diferenças no desenvolvimento da lavoura
Letícia conta que a ferramenta Fieldview permite observar o desenvolvimento da lavoura de soja, analisar a variabilidade do crescimento vegetativo das áreas e, consequentemente, identificar todas as possibilidades que podem estar causando essas diferencias em áreas tão aparentemente homogêneas.
“Temos exemplos de agricultores que conseguiram identificar falha na utilização da irrigação por gotejamento analisando uma simples imagem de NDVI (mapa de índice de vegetação, gerado a partir de imagens de satélite), o que repercutiu em uma correção imediata no uso indevido do recurso hídrico”, afirma.
Assim, frente ao cenário desafiador imposto pelo déficit hídrico nas regiões produtoras de soja, plataformas de agricultura digital apoiam os produtores a capturarem o maior número de dados possível dentro da sua atividade, permitindo analisar, de forma crítica, a realidade da lavoura.