Se isso ocorresse, os agricultores ficariam impossibilitados de reutilizar sementes da colheita anterior e dependentes das grandes empresas do setor. Para a engenheira agrônoma Maria José Guazelli, da organização não governamental (ONG) Centro Ecológico, o Projeto de Lei 268/2007 – que não é o único sobre o assunto, mas tem a tramitação mais adiantada no Congresso Nacional – busca contornar a moratória internacional, ao propor a autorização do mecanismo apenas para um tipo de semente.
– A moratória deixa de ser total. Primeiro é [o uso da tecnologia] não alimentar e depois vai debilitando a moratória – avalia a agrônoma. Para ela, o argumento da assessoria do deputado Eduardo Sciarra (PSD-PR), autor do projeto de lei, de que a própria moratória recomenda que sejam realizados estudos sobre a tecnologia, não se sustenta.
– Isso [que a proposta de lei autoriza] não é estudar, e sim pôr em prática. Já tentaram derrubar a moratória em 2006 e agora estão tentando novamente – diz Maria José, referindo-se à 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre a Biodiversidade, em que um grupo de países pediu a discussão do uso da tecnologia com avaliação caso a caso.
A nutricionista Daniela Frozi, membro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) e da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), também acredita que a aprovação do projeto no Brasil abriria um precedente.
– Avançamos [ao ter uma lei que proíbe] e agora estamos retrocedendo. [A tecnologia] já foi rejeitada em várias partes do mundo, tem uma moratória, documentação em diferentes fóruns – enumera.
Daniela ressalta que faltam estudos que atestem a segurança dessa e de outras técnicas de manipulação genética de alimentos e plantas, inclusive para a saúde humana.
– Não há estudos conclusivos, nem para o bem, nem para o mal.
No caso específico das sementes terminator, a nutricionista acredita que há uma questão ética envolvida.
– A semente é um bem comum. É como se estivéssemos falando do ar. Não procede do ponto de vista de qualquer tipo de senso criar uma semente que não é capaz de se reproduzir – defende.
O próprio Consea, colegiado composto de membros do governo e da sociedade civil, que assessora a Presidência da República e tem papel apenas consultivo, já emitiu mais de um documento com posicionamento contrário à tecnologia de restrição de uso. No mais recente, de 2013, o Consea pede o arquivamento do Projeto de Lei 5.575/2009, do deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), que também permite o uso do procedimento de manipulação genética, argumentando que “a tecnologia visa a reforçar a privatização das sementes, fortalecendo a capacidade de cobrança de royalties”.
O pesquisador Francisco Aragão, responsável pelo laboratório do Centro Nacional de Pesquisa de Recursos Genéticos e Biotecnologia , da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), afirma que a construção de uma semente terminator, para ser usada na agricultura, não seria viável.
– Da maneira como ainda existe, ela pode ser feita, mas não é um mecanismo muito prático. Exige que se produzam as sementes, que são mergulhadas em solução de tetraciclina, e isso reduz a germinação, dificulta o uso no plantio. Está no papel, é possível ser feita, mas não é viável para a agricultura – destaca Aragão. Por esse motivo, ele acredita que a produção seria improvável.
Além da suposta dificuldade, buscando acalmar os ânimos, a Monsanto, uma das multinacionais que detêm patente da tecnologia, mantém um comunicado em seu site no qual garante que não comercializará sementes estéreis de culturas alimentícias. Segundo a empresa, o compromisso foi assumido em 1999.
– Permanecemos firmes em nosso compromisso. Não temos nenhum plano ou pesquisa que o viole – diz o texto, ressaltando que a restrição de uso tem aspectos “positivos e negativos”.
Para Maria José Guazelli, no entanto, esse posicionamento não traz tranquilidade.
– A Monsanto reafirma que não vai usar [a tecnologia] para alimentos, mas não afirma que não vai usá-la – pondera a agrônoma.