Durante o 22º Congresso Internacional do Trigo, em Atibaia (SP), o presidente da Associação Brasileira das Indústrias do Trigo (Abitrigo), Sérgio Amaral, prometeu elaborar ao final do evento uma série de necessidades do setor para fomentar uma produção maior, mas com uma ressalva. “A indústria tem interesse na expansão do trigo, desde que seja de boa qualidade e com um preço acessível”, afirma.
A triticultura brasileira precisa desse empurrão. A crise econômica que o país atravessa trouxe uma retração em diversos setores, inclusive no da alimentação. Dados da MB Associados mostram que a retração no setor foi de 1,7% em 2015. No caso do trigo, o estrago foi maior: 22%. O cereal é cotado em dólar, o que impacta diretamente nos preços de produtos básicos, como o pão francês, biscoito e macarrão.
A disparada da moeda norte-americana evidencia um ponto fraco do Brasil na produção de alimentos. O país deve produzir pouco mais de 5,5 milhões de toneladas, enquanto a demanda da indústria é de 11 milhões de toneladas. O trigo para a panificação responde por quase 60% desse montante.
Para abastecer os moinhos brasileiros, o cereal precisa vir de outros países: Argentina, Paraguai, Uruguai, Estados Unidos e, mais recentemente, a Rússia são alguns dos mercados procurados. Esse cenário desmotiva os produtores brasileiros a investir na cultura. Dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) mostram que a área plantada no país caiu 9,8% na safra de inverno 2015.
Mas será possível o país investir no aumento de produção do cereal para evitar a dependência externa? O Canal Rural ouviu especialistas do setor para traçar um panorama das possibilidades e dificuldades em apostar no trigo brasileiro.
Possibilidades
1. Expansão: Segundo o chefe-geral da Embrapa Trigo, Sérgio Dotto, o Centro-Oeste brasileiro pode ser uma nova fronteira para a produção do cereal. Ele elenca quatro motivos que favorecem essa expansão: região com grande tecnologia; possibilidade de cultivar na entressafra da soja e do milho; é uma região próxima aos centros consumidores; e permite duas safras, em março e em maio.
“Em março, há condições de plantar em 2 a 3 milhões de hectares no sequeiro, em maio são mais 500 mil hectares irrigados. Com melhoramento genético é possível chegar ao Cerrado e ao Matopiba [Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia]”, projeta.
2. Qualidade melhor: A qualidade do trigo também pode ser melhorada. Dotto explica que é tradicional no Rio Grande do Sul o produtor misturar vários tipos de trigo na hora da armazenagem, prejudicando a qualidade do produto final e, consequentemente, diminuindo o preço da comercialização. O chefe-geral da Embrapa afirma que essa cultura está mudando. O Paraná é um exemplo. Cerca de 90% da produção do estado é de trigo com qualidade para a panificação.
3. Políticas públicas: O pesquisador da Esalq-USP Lucilio Aparecido Alves elenca algumas atitudes do governo que poderiam beneficiar um crescimento da cultura do trigo no país. Ele afirma que o principal entrave é oferecer liquidez ao cereal: demanda constante; logística para escoar; e um seguro rural que proteja a renda do agricultor. “Quando o governo fez leilão de Pepro [Prêmio Equalizador Pago ao Produtor] para comercializar uma safra grande de trigo, em 2013, a demanda aumentou em 30%. Isso prova que com incentivo a indústria tem interesse”, destaca.
Dificuldades
1. Logística: Esse entrave tem muito a ver com a falta de uma política pública para vender o trigo brasileiro. Mais de 90% da produção vem de Rio Grande do Sul e Paraná. Dependendo da distância, o custo com frete sai mais caro do que importar o cereal. A falta de crédito para a construção de silos, tanto por parte de moinhos quanto para cooperativas, é outro problema. Segundo a indústria, eles conseguem absorver dois meses de produção em seis meses. Com isso, as empresas vão comprando aos poucos, para não lotar o estoque. O produtor não tem também onde estocar e acaba se desfazendo do trigo.
2. Acordo internacional: Desde a década de 1980 o Brasil mantém um acordo com o Mercosul de facilitar a entrada do trigo de países vizinhos. Os produtores argentinos, paraguaios e uruguaios conseguem competir em condições iguais com o agricultor do Brasil, já que o cereal não é taxado nessa importação. Segundo fontes do setor produtivo, esse acordo é “danoso” ao triticultor brasileiro.
3. Sem reserva de mercado: Um movimento que tem possibilitado melhor rentabilidade ao trigo é a adaptação da oferta à demanda da indústria. Cooperativas no Paraná e moinhos de São Paulo adotam um modelo de listar para os produtores quais são os tipos de trigo necessários. Se o produtor opta por essas variedades, a comercialização é garantida.
Questionado sobre a possibilidade de criar uma reserva de mercado para fomentar a produção brasileira de trigo, o presidente da Abtirigo, Sérgio Amaral, foi enfático. “A reserva de mercado era um retrocesso para o país, nós acreditamos na livre concorrência de mercado. Nós achamos o modelo de a oferta se adaptar à demanda mais viável”, completa Amaral.