Estudo conduzido pela Embrapa Pantanal, Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e mais 21 instituições brasileiras monitorou a pesca profissional artesanal em toda a Bacia do Alto Paraguai (BAP) nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, entre 2016 e 2020.
Atualmente, mais de 30 mil pessoas são diretamente dependentes dessa atividade. Gerando movimentação de cerca de 70 milhões de reais por ano no bioma.
De acordo com a Embrapa, os resultados têm subsidiado a ANA e órgãos ambientais estaduais na tomada de decisão sobre a concessão de outorga e licenciamento para a instalação de EHs (Empreendimentos Hidrelétricos) na BAP.
Contudo, o objetivo é garantir a manutenção dos peixes que sustentam a pesca artesanal e o turismo pesqueiro, gerando emprego e renda na região e segurança alimentar para as populações ribeirinhas, sem prejuízos ambientais ao bioma.
Segundo o pesquisador Agostinho Catella, da Embrapa Pantanal, a pesquisa, que reuniu 253 pessoas, sendo 83 pesquisadores, 75 estudantes e 95 técnicos, resultou em uma base de dados sobre as espécies endêmicas, as rotas e as áreas de desova dos peixes de importância econômica em trechos de rios com EHs previstos.
“Estimamos a produção pesqueira artesanal, incluindo estimativas de produtividade, número de pescadores, renda bruta e população vinculada por área de pesca. Foram levantados também os recursos econômicos gerados pela pesca profissional e pelo turismo de pesca, e avaliadas as alterações potenciais da atividade pesqueira resultante dos EHs previstos”, diz.
Catella explica que os rios conectam as áreas de planalto com as de planície na Região Hidrográfica do Paraguai, transferindo organismos, sedimentos, nutrientes e energia entre essas áreas.
“O peixe tem uma grande importância socioeconômica nessa região, que inclui o Pantanal, pois garante a segurança alimentar das famílias ribeirinhas, a pesca profissional artesanal e é o atrativo que torna os estados de MS e MT destinos atraentes para os pescadores amadores do país. Até março de 2017, havia 47 empreendimentos hidrelétricos em operação ou em construção na bacia e 133 estavam propostos em diferentes estágios de licenciamento”, observa o pesquisador.
De acordo com Catella, as barragens reduzem drasticamente as populações das espécies migradoras, regionalmente conhecidas como “peixes de piracema”, podendo levá-los à extinção, pois impedem as migrações anuais das áreas de alimentação nas planícies até as de desova, nas cabeceiras dos rios.
Dessa forma, as espécies mais carismáticas, tais como pacu, pintado, dourado, cachara, jaú, piavuçu, curimbatá, piraputanga, jurupoca, jurupensém, entre outras, são peixes de piracema e suas subpopulações serão extremamente reduzidas ou correm o risco de desaparecer, como ocorreu com os peixes migradores nas bacias dos rios São Francisco e na maior parte do rio Paraná e seus afluentes.
“O estudo mostra que as estratégias de mitigação, como os mecanismos de transposição de peixes (conhecidos como “escadas de peixes”), não resolvem os problemas decorrentes da perda de conexão entre os ambientes críticos ao ciclo de vida desses peixes causados pelos barramentos. Eles são ineficientes com relação à quantidade de peixes e seletivos quanto às espécies e tamanhos dos peixes transpostos. Além disso, a transformação do rio em represa a montante da barragem, atrasa o deslocamento ou mesmo impede que ovos e larvas de peixes que desovam acima consigam transpor o lago e a barragem e completar o ciclo de vida”, acrescenta.
O pesquisador alerta, ainda, que a perda dos peixes migradores pode desestruturar a cadeia produtiva do turismo de pesca do Pantanal e causar prejuízos econômicos e sociais para os 8 mil pescadores profissionais artesanais que atuam na região, atividade que sustenta diretamente cerca de 30 mil pessoas. Esse pescado apresenta também importante papel na segurança alimentar e renda indireta para um grande contingente de pessoas em situação de vulnerabilidade, bem como para pescadores de subsistência residentes nas áreas urbanas e rurais da BAP.
Além disso, a redução ou perda dos peixes de piracema implicaria, também, sérios danos para as funções ecológicas que eles desempenham no ambiente, tais como fonte alimentar para várias espécies de aves, répteis e mamíferos, dispersão de sementes ao longo da bacia e agentes fundamentais na ciclagem de nutrientes e no fluxo energético na cadeia alimentar pantaneira, afetando os serviços ambientais desse ecossistema.
Mapeamento de rotas migratórias de peixes
Conforme Catella, o estudo abrangeu também a hidrologia e dinâmica de inundação, qualidade da água, transporte e retenção de sedimentos, transporte de nutrientes, modelagem dos possíveis cenários produzidos pelas alterações dos EHs e avaliações socioeconômicas e de produção de energia.
Entre os principais resultados obtidos, está a nota técnica da ANA, de 31 de maio de 2020, que traz duas resoluções relevantes. Com isso, uma define que 30% dos empreendimentos propostos que estão localizados sobre as principais rotas migratórias dos peixes devem ser mantidos livres de barramentos.
Já a outra afirma que as áreas de manutenção de estoques pesqueiros devem estar sujeitas ao licenciamento ambiental, uma vez que podem ser estratégicas para conservação da biodiversidade, abrigando espécies endêmicas e para manutenção de processos ecológicos relevantes.
Forte relação entre a população pantaneira e a pesca
Os resultados mostraram ainda que o turismo pesqueiro movimenta 120 milhões de reais por ano, atraindo 223 mil pescadores amadores para 12 dos mais de 90 municípios que compõem a BAP.
Além disso, apontaram um forte vínculo da população residente na bacia em MS e MT com os peixes e a pesca. O equivalente a 1,6 milhão de pessoas, 91% da população local, gostam de comer peixe e 73% preferem os peixes da região. Cerca de 1 milhão de pessoas, 58% da população, praticam uma “pesca difusa”, que junta a pesca para lazer e para subsistência.
Entre esses, 23 mil pessoas pescam diariamente ou quase todos os dias e 183 mil, semanalmente. A maioria são pessoas de baixa renda, que pescam para garantir a sua segurança alimentar e obter renda indireta. O valor socioeconômico total da pesca difusa foi estimado em, pelo menos, 453 milhões de reais por ano, com base no preço do pescado e no número de pescarias.
“Esses números mostram resultados econômicos e sociais altamente positivos, obtidos a partir do uso sustentável de recursos hídricos e pesqueiros”, destaca o pesquisador.
“Trata-se de dados que constituem um grande avanço do conhecimento científico sobre as condições físicas, biológicas e socioeconômicas da bacia e devem ser utilizados no suporte à melhoria, formulação e implantação de políticas públicas relacionadas ao uso múltiplo e conservação de recursos naturais da Bacia do Alto Paraguai, servindo de base para a realização de estudos similares em outras regiões do país” complementa.