A morte de sete integrantes de uma mesma família durante ação policial no município de Pau D’Arco, no Pará, na última quarta-feira levou o presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Darci Frigo, a questionar a versão dos policiais, que disseram ter sido recebidos a tiros ao chegar à fazenda, ocupada pelo grupo de trabalhadores rurais sem terra. No total, dez pessoas foram mortas no local.
Entre as vítimas estão a presidente da Associação dos Trabalhadores Rurais de Pau D’Arco, Jane Júlia de Oliveira e seu marido, Antonio Pereira Milhomem. Pertencem à família do casal Nelson Souza Milhomem; Regivaldo Pereira da Silva; Ronaldo Pereira de Souza, Weclebson Pereira Milhomem e Weldson Pereira da Silva. Os outros três mortos são Bruno Henrique Pereira Gomes, Hércules Santos de Oliveira e Ozeir Rodrigues da Silva.
Segundo Frigo, há indícios de que os parentes tenham sido mortos em um mesmo local, após tentar fugir dos policiais. Para o presidente do CNHD, o fato enfraquece a versão dos policiais militares e civis que foram ao local para cumprir 16 mandados judiciais expedidos pela Vara Agrária de Justiça de Redenção (PA).
“Quando eles viram que a polícia estava se aproximando, deixaram o local onde estavam acampados e entraram na mata. As sete pessoas permaneceram juntas, embaixo de uma árvore, onde foram executadas”, disse Frigo à Agência Brasil. O presidente do conselho integra comitiva que foi ao Pará, formada pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e representantes da Defensoria Pública da União, do Ministério Público e da Procuradoria-Geral de Justiça do Pará.
Para o presidente do conselho, chama a atenção o fato de que nenhum policial tenha sido ferido durante a ação policial.
“As pessoas estavam acampadas no meio do mato, em local de muito difícil acesso. Chovia torrencialmente, o que pode explicar que o grupo não tenha percebido a aproximação da polícia. A tese de que os policiais foram recebidos à bala cai por terra à medida em que não houve sequer um policial ferido.”
Ainda sem acesso aos laudos preliminares da necrópsia e sem ter visto os corpos periciados no Centro de Perícias Científicas Renato Chaves, em Marabá, e no Núcleo Avançado de Perícias, de Parauapebas, Frigo disse que “está claro que houve sem-terra baleado pelas costas, tentando escapar da ação policial”. Segundo ele, ao menos um sobrevivente foi alvejado por trás.
“Houve, sim, tiros pelas costas. É o caso da testemunha que encontramos em um hospital, sob proteção policial. A vítima (um homem cuja identidade não foi divulgada) disse ter sido baleada quando tentava fugir. Permaneceu ferida, no local, até que fosse encontrada ontem por outra pessoa”, informou o presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos. Ele disse que as forças policiais estaduais estão “agindo fortemente” para amedrontar testemunhas.
“Só descobrimos a testemunha porque, em nosso trajeto, nos deparamos com uma ambulância atolada e alguém disse que a testemunha tinha ido buscar uma das vítimas do massacre, levada por outro veículo para o Hospital de Redenção, onde foi submetida a uma cirurgia”, afirmou Frigo.
O conselheiro disse ter recebido informação de que ao menos outras duas testemunhas foram abordadas “indevidamente” por policiais, como a esposa do sobrevivente internado em Redenção. “No hospital, fomos informados de que policiais orientaram funcionários a não revelar a ninguém sobre a internação do paciente. Os integrantes da comitiva federal buscam a esposa dessa testemunha levada do hospital para prestar depoimento”, disse.
De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), no ano passado foram registrados 61 assassinatos em conflitos no campo, o pior resultado desde 2003. Neste ano, o total de mortes no campo chega a 36 – incluídos as 10 vítimas no Pará. “A não-solução dos conflitos agrários, a extinção da Ouvidoria Agrária Nacional (no fim do ano passado) e o desmonte da estrutura do Estado têm uma certa responsabilidade por tudo que está acontecendo”, disse o presidente do CHDH.
A Agência Brasil informou que entrou em contato com a Secretaria Estadual de Segurança Pública e Defesa Social, e ainda não obteve resposta sobre as acusações.
Em nota divulgada nesta quinta-feira (26), a secretaria informou que o objetivo do governo estadual é garantir a imparcialidade e o rigor nas investigações. Apesar dos questionamentos de grupos de defesa dos direitos humanos à versão policial, a secretaria mantém, na nota, a tese de que “dez pessoas acabaram mortas durante o tiroteio”, resultado da “resistência e reação do grupo” sem terra.
O Ministério Público do Pará instaurou inquérito para apurar se houve excesso por parte dos policiais, o que também está sendo apurado pelas polícias Militar e Civil.
Segundo a secretaria estadual, peritos encontraram, no local onde ocorreu a chacina, cápsulas deflagradas de projéteis calibre 380, que coincidem com o calibre de algumas das onze armas apreendidas, que serão periciadas em Belém (PA). Para os peritos, marcas de bala na vegetação também indicam que pode ter ocorrido um tiroteio na área.