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Entidades recorrem à ONU contra decreto sobre trabalho escravo

Apelo enviado nesta terça diz que a medida contraria a Constituição, o Código Penal e acordos internacionais dos quais o Brasil faz parte

Fonte: Repórter Brasil/Divulgação

Entidades recorreram à Organização das Nações Unidas (ONU) contra a decisão do governo brasileiro de modificar a definição de trabalho escravo e de deixar nas mãos do Ministério do Trabalho a inclusão de empresas na chamada “lista suja”, que engloba aqueles que desrespeitam os direitos trabalhistas.

Num apelo urgente enviado nesta terça-feira, 17, a alguns dos principais relatores da ONU, as entidades Conectas e Comissão Pastoral da Terra solicitam que que a organização peça a revogação imediata da medida. Para as entidades, a medida “contraria a Constituição, o Código Penal e instrumentos internacionais dos quais o Brasil é parte”.

Num documento de mais de 20 páginas, as duas organizações condenam veementemente a portaria e argumentam que a decisão do governo representa o “ataque mais violento contra o sistema de combate ao trabalho escravo no Brasil”.

De acordo com um comunicado, o documento também “alerta para o dano irreparável que a medida pode trazer aos direitos dos trabalhadores e pede a revogação imediata da portaria, a garantia de destinação de recursos para o combate ao trabalho escravo e que o Estado brasileiro se comprometa a não promover mais retrocessos nessa área”.

O apelo foi encaminhado à Relatoria Especial para Formas Contemporâneas de Escravidão, além dos relatores para a Pobreza Extrema e Direitos Humanos, e para o Grupo de Trabalho da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos.

O jornal O Estado de S. Paulo apurou que a entidade está avaliando a documentação e que poderá se pronunciar nos próximos dias, exigindo uma explicação por parte do governo brasileiro.

“Tendo enfrentado resistência para parar a Lista Suja, o governo agora tenta esvaziá-la de maneira autoritária. Além disso, o governo promove uma completa desvirtuação do conceito de trabalho escravo para atender a interesses das bancadas parlamentares mais conservadoras e contrárias aos direitos fundamentais”, afirma Caio Borges, coordenador de Empresas e Direitos Humanos da Conectas.

“A nova portaria é uma aberração em todos os sentidos. Ela destrói décadas de avanços atingidos no combate às formas contemporâneas de escravidão no país”, disse Borges. “Pela nova regra, apenas casos extremos de violação da dignidade dos trabalhadores e trabalhadoras serão considerados trabalho análogo ao de escravo. Além disso, os acordos para o ajustamento da conduta poderão ser firmados sem qualquer transparência ou penalização efetiva”, alertou.

Na manhã desta terça-feira, a área técnica do Ministério do Trabalho informou que vai pedir a revogação da portaria. Em memorando circular enviado na segunda-feira a todos os auditores do trabalho e obtido pelo jornal O Estado de S. Paulo, o secretário de Inspeção do Trabalho Substituto, João Paulo Ferreira Machado, diz que a portaria contém “vícios técnicos e jurídicos” e “aspectos que atentam contra normativos superiores à portaria”, como a própria Constituição. “De grandeza tal o conjunto de dificuldades que surgem da mencionada portaria que SIT pleiteará, inclusive, a sua revogação apontando, tecnicamente motivos para tal”, diz o documento.

No memorando, o secretário orienta seus auditores a manter, por ora, os procedimentos que já estavam em vigor antes da edição da portaria.

MPF também pede revogação

O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) recomendaram nesta terça-feira, ao ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, a revogação imediata da portaria sobre trabalho escravo.

Para as entidades, a portaria é ilegal por contrariar o artigo 149 do Código Penal, que define como caracterização de condição análoga à de escravo a submissão a trabalhos forçados, jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho e restrição da liberdade do trabalhador. A nova regra reduz os elementos que indicam o trabalho escravo, de forma que a jornada excessiva ou a condição degradante só poderão ser comprovadas quando for constatada a restrição de liberdade do trabalhador, eliminando os outros elementos dispostos na legislação.

Outro ponto preocupante previsto na norma, segundo o MPF, é a eliminação da servidão por dívida, também prevista no Código Penal. A partir da publicação, a empresa só poderá ser autuada pelo crime quando houver uso de coação, cerceamento do uso de meios de transporte, isolamento geográfico, segurança armada para reter o trabalhador e confisco de documentos pessoais.

Segundo os procuradores que assinam a recomendação conjunta, a nova portaria dificulta a persecução penal de empresas que cometem o crime e representa um grave retrocesso no combate ao trabalho escravo.

Lista suja e burocratização

As mudanças na confecção do relatório de fiscalização do MTE, bem como a responsabilidade de inclusão de empresas no cadastro de empregadores flagrados utilizando mão de obra análoga à escravidão – mais conhecido como lista suja do trabalho escravo – também são alvo de preocupação dos Ministérios Públicos federal e do trabalho.

Segundo a entidade, a inclusão e divulgação da lista de empresas flagradas infringindo a lei, antes feita por técnicos do MTE, passa a ser atribuição exclusiva do ministro do Trabalho. A inclusão da empresa na lista suja implicava a permanência de um ano no cadastro, bem como o pagamento de débitos trabalhistas e indenizações ao trabalhador. Com a Portaria MTB Nº 1129/2017, no entanto, as obrigações do empregador são extintas.

A recomendação também critica a burocratização do relatório para autuação da empresa. Antes, o documento consistia em um relato das condições irregulares encontradas durante as fiscalizações. Pelas novas regras, o documento deve conter um boletim de ocorrência lavrado por policial que tenha participado do flagrante. A equipe técnica do MTE também deverá enviar ofício à Polícia Federal com fotos de todas as irregularidades.

A recomendação é assinada pela procuradora da República Ana Carolina Roman, representante do MPF na Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), pelo procurador do Trabalho Thiago Muniz Cavalcanti, representante do MPT na Conatrae, pela coordenadora da Câmara Criminal do Ministério Público Federal (2CCR/MPF), subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, e pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat.

Ruralistas defendem a mudança

Em nota oficial publicada nesta segunda-feira, dia 16, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) comunicou que a portaria vai de encontro com algumas pautas do grupo e “diminui a subjetividade da análise”. A entidade, no entanto, informou que não participou de nenhuma tratativa com o Poder Executivo sobre o assunto.

“A FPA defende a conceituação em Lei das definições específicas da caracterização de trabalho análogo à de escravo a fim de aperfeiçoar as relações de trabalho e garantir segurança jurídica para todos”, comentou a entidade, que acredita que um dos problemas no atual modelo “é a falta de conceituação específica para trabalhos forçados, jornada exaustiva e condições degradantes de trabalho”.

De acordo com os ruralistas, a mudança deixaria a lei mais clara e “sem brecha para a interpretação de terceiros”.

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