A população mundial deve chegar a quase 10 bilhões de pessoas em 2050. Consequentemente, é esperado também um aumento na demanda por alimentos. Países como a China e a Índia estão atentos a tecnologias de produção que possam complementar o cultivo a campo. Entre as muitas apostas estão as estufas urbanas.
Entre setembro de 2019 e setembro de 2020, um time formado por estudantes de engenharia agronômica da Universidade de São Paulo (USP) e uma arquiteta participaram do desafio Urban Greenhouse Challenge, organizado pela Wageningen University & Research (WUR), na Holanda. Aos estudantes, foram apresentadas informações reais de um terreno na província de Guangdong, no sul da China.
“Fizemos toda uma análise de contexto, levando em consideração também os aspectos culturais, para chegar na ideia do projeto final. Diversos aspectos culminaram na escolha da estufa urbana, como aumentar a oferta de alimentos e reduzir as distâncias da cadeia produtiva”, conta o estudante Gabriel Barbosa, que está no último ano de Engenharia Agronômica, na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP).
A partir da problemática, o time da USP desenvolveu o projeto Cora. Do ponto de vista logístico e de custos, a iniciativa faz todo sentido. Ao estabelecer um polo de produção no meio de uma cidade, reduz-se os deslocamentos e a emissão de gases causadores do efeito estufa, como o CO2. A decisão também evita o desperdício de alimentos, já que parte da produção às vezes fica no meio do caminho por causa de intempéries.
Além disso, a questão social também pesou bastante na escolha do projeto, segundo Barbosa. “Acreditamos que as pessoas estão perdendo contato com a produção de alimentos. Então, além de todo o aspecto de produção de alimentos, buscamos a questão social. Trazer as pessoas para perto, para entenderem todo o ciclo que existe até o alimento chegar à mesa”, relata.
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Veja como o prédio deve se parecer quando construído
Muito mais que uma estufa urbana
Se fosse um projeto de estufa urbana pensado apenas do ponto de vista de produção, Barbosa conta que o Cora seria bem diferente. Porém, o júri do concurso pediu uma solução multidisciplinar, pois o projeto vencedor seria adaptado e realmente construído na China, então ele precisava ser rentável.
“O prédio contempla várias atividades remuneradas que vão favorecer o investidor desta proposta. Há um mercado, que vai abranger a maior parte do lucro, vendendo a produção no mesmo local”, conta.
O design do prédio também foi criado para atrair a população, sendo um novo ponto turístico. “A ideia é que passasse uma mensagem como ‘onde o convencional encontra a inovação’. Foi uma tentativa de criar um lugar aconchegante para atrair pessoas e motivá-las”, diz.
Fora os ambientes de produção e o mercado, o projeto contempla também áreas de café, coworking, mirante, pátio, restaurante, salas para palestras e conferências.
A produção de alimentos
Pelo menos cinco dos dez andares do projeto Cora têm produção de alimentos, de acordo com o projeto. Na parte interna da estufa, as palavras “tecnologia” e “inovação” ditam o trabalho. São produzidas hortaliças, principalmente folhosas, por meio de hidroponia, aeroponia e dryponics, um sistema recente que consiste no cultivo dos alimentos dentro de uma película de hidrogel. “Você consegue suplementar esse hidrogel com a quantidade específica de nutrientes que cada planta precisa”, conta Barbosa.
As tecnologias foram distribuídas em diversas hortaliças de acordo com a rentabilidade. Desta forma, o dryponics, que é mais caro, ficou reservado para o cultivo de microverdes (microgreens). “São plântulas de algumas culturas no estágio inicial, com cerca de 14 a 20 dias. Elas têm um valor nutricional muito alto e um ciclo muito rápido”, diz.
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Na parte externa do Cora, há um espaço de produção mais convencional, mas não menos sustentável. Essa área também envolveu bastante planejamento do time USP no começo do projeto.
“Quando recebemos as primeiras informações, dizia-se que o terreno tinha resquícios de metal pesado, um solo com toxicidade leve que poderia acabar influenciando na produção final. A nossa primeira ideia foi implementar, antes de começar a produção de verdade, a fitorremediação. Usar a biomassa de algumas espécies, como girassol e milho, para remover esses metais pesados”, conta o estudante.
Mas, depois, chegaram novas informações ao grupo dizendo que os níveis de metais pesados eram baixos a ponto de não causarem nenhum problema. Mesmo assim, o grupo decidiu apostar em técnicas de permacultura e agrofloresta, com plantas rasteiras (soja, trigo, sorgo e aveia) sendo produzidas com conjunto com culturas arbóreas (Café e banana, por exemplo).
Conforme o estudante, o Cora tem potencial para produzir mensalmente cerca de três toneladas de frutas e legumes.
Concursos internacionais
O Cora terminou o Urban Greenhouse Challenge 2019 em sexto lugar. “O concurso teve participantes de muitos países, das melhores universidades de Agricultura. Chegar em sexto lugar e estar lá, na Holanda, foi incrível”, conta Barbosa.
Mas o grupo não deixou o Cora para lá. Eles resolveram participar de novos concursos, fazendo adaptações de acordo com os editais. O mais recente foi o Brics Solution Award, no fim do ano passado. O desafio envolve iniciativas do bloco de países emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O projeto concorreu na categoria Health & Lifestyle, chegando à grande final.
Estufas urbanas são tendência?
Barbosa lembra que, na Holanda, essa era a pergunta de ouro dos investidores. O estudante esclarece que as estufas urbanas não vieram para substituir a produção a campo.
“Acredito que seja tendência, pela aproximação dos sistemas de produção, do ponto de oferta com o ponto de demanda. Mas também existem muitos pontos que são contrapartidas. Verticalizar é bastante caro e controlar as condições climáticas também requer muito investimento. E a gente tem que estudar cada espaço. É bem diferente projetar estufas para países e cidades diferentes. Vejo como parte do sistema de produção. As estufas verticais não serão 100% da oferta, mas há um espaço para elas”, argumenta.
O Cora
Além de Gabriel Barbosa, o projeto também é integrado por Integrantes: Camilla Degaspari, Natalia Jacomino, Ana Victoria Gonçalves, Beatriz Alcantara, Guilherme Baldessin, Matheus Vaz, Ingridth Sarah Hopp e Juliana da Mata Santos.
Os professores tutores do projeto são Brunno Cerozi, Jorge Munaiar Neto e Luciana Schenk.
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