Economia

Febraban pede mudanças no crédito rural

Febraban solicitou ao Mapa que altere a base de cálculo dos 25% de depósitos à vista que os bancos são obrigados a aplicar em crédito rural

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) solicitou ao Ministério da Agricultura que, na safra 2022/23, que se inicia em 1º de julho, a pasta altere a base de cálculo dos 25% de depósitos à vista que os bancos são obrigados a aplicar em crédito rural.

Hoje, esses 25% são calculados sobre o saldo médio dos depósitos à vista nos 12 meses anteriores ao novo ano-safra, que se inicia em 1º de julho de um ano e se estende até 30 de junho do ano seguinte. A entidade argumenta que, com o aumento dos depósitos à vista no último ano e a limitação de emprestar recursos de linhas do Plano Safra além do teto de financiamento estabelecido para cada perfil de produtor, as instituições financeiras “certamente” não conseguirão cumprir a meta pelas normas atuais.

Por isso, a Febraban pede que o governo tome por base os desembolsos feitos nos 12 meses anteriores à safra 2022/23, a fim de emprestar na temporada que começa em 1º de julho aproximadamente o mesmo valor proveniente de depósitos à vista aplicado no ciclo 2021/22, ou seja, R$ 68,40 bilhões, explicou o diretor adjunto de Produtos da Febraban, Rafael Baldi da Silva. Caso a regra não seja alterada, a Febraban calcula que instituições com depósitos à vista terão de destinar ao crédito rural em 2022/23 um montante 24,9% maior, de R$ 85,45 bilhões – diretamente ou repassando o recurso a outras instituições financeiras para que façam a aplicação.

A maior dificuldade dos bancos no cumprimento das exigibilidades é conseguir liberar os recursos para agricultores familiares atendidos pelo programa Pronaf e médios produtores do Pronamp, ambas linhas do Plano Safra. Isso porque o número de beneficiários é muito maior do que o grupo de grandes produtores, têm cultivos mais diversificados do que as tradicionais commodities agrícolas (soja, milho, algodão, trigo, cana) e estão mais pulverizados pelas regiões do País, o que demanda tempo e investimentos em equipe, especialização para atender a esses grupos e para cumprir as regras do Manual do Crédito Rural (MCR) estabelecidas para cada programa.

Se a regra dos 25% do saldo médio dos depósitos à vista for mantida, dificilmente bancos conseguiriam ampliar na proporção e velocidade necessárias o número de clientes com tais perfis. Além disso, apesar de produtores precisarem de mais recursos para a próxima temporada de plantio, em virtude do aumento dos custos de produção, os bancos não podem emprestar além do limite de cada tomador, lembra Silva. “A quantidade de produtores atendidos não sobe nem desce de forma significativa nos bancos. Subir o valor de contratação por faixa de renda depende de política pública, o banco não pode emprestar dinheiro a mais (além do limite)”, argumenta.

Atualmente, dos recursos de depósitos alocados para crédito rural, 22% devem se destinar ao Pronaf (programa de apoio à agricultura familiar), 28% para o Pronamp (voltado a médios produtores) e 50% para os demais produtores. Tais porcentuais são conhecidos no mercado como “subexigibilidades”. Na safra 2021/22, o montante de depósitos à vista dirigido ao crédito rural aumentou 20,8%, de R$ 56,6 bilhões em 2020/21 para R$ 68,4 bilhões em 2021/22. Para o Pronaf, o saiu de R$ 12,45 bilhões em 2020/21 para R$ 15,1 bilhões em 2021/22. No caso do Pronamp, o montante foi de R$ 15,85 bilhões para R$ 19,2 bilhões. Para os demais produtores, de maior porte, o total aumentou de R$ 28,3 bilhões para R$ 34,2 bilhões. “Na última safra (2021/22), os bancos já tiveram muita dificuldade em cumprir as subexigibilidades”, disse Silva.

Para a safra 2022/23, com a projeção de que R$ 85,5 bilhões provenientes de depósitos à vista sejam dirigidos a linhas de crédito rural, os bancos terão, naturalmente, mais recursos para obrigatoriamente desembolsar em cada programa: para Pronaf, serão R$ 18,8 bilhões (R$ 3,7 bilhões a mais); Pronamp, R$ 23,92 bilhões (acréscimo de R$ 4,7 bilhões); na categoria “demais produtores”, R$ 42,73 bilhões (mais R$ 8,53 bilhões).

“A situação exigirá das instituições financeiras um volume de contratações muito superior ao praticado (na safra 2021/22). Apesar de todos os esforços pretendidos para se buscar o pleno atendimento da regra, certamente o mercado não vai conseguir atingir a meta determinada se as condições atuais forem mantidas”, afirma a Febraban no ofício enviado à Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura.

Silva pondera que, se o governo elevar os limites de empréstimo por programa, a demanda da Febraban poderia ser flexibilizada, a depender da dimensão do aumento do teto. A elevação permitiria aos bancos desembolsar mais para um mesmo produtor, o que ajudaria no cumprimento das regras. No documento, a entidade propõe que os limites de financiamento de beneficiários do Pronaf, Pronamp e da categoria “demais” sejam elevados em torno de 30%.

Além de mudanças no que se refere aos depósitos à vista, a Febraban também solicitou ao Ministério da Agricultura alterações relacionadas a outra fonte de crédito para o agronegócio, os Fundos Constitucionais, cujos recursos são destinados a investimentos de pequenos, médios e grandes produtores. O pedido é que agentes financeiros privados possam distribuir recursos dos fundos, a exemplo do que já ocorre com dinheiro do Funcafé e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Atualmente, a distribuição do Fundo Constitucional do Centro-Oeste é feita majoritariamente pelo Banco do Brasil e, o do Nordeste, pelo Banco Nacional do Nordeste.

Outra demanda é ampliar o porcentual (hoje de 5%) do dinheiro de poupança que precisa ir para crédito rural e que pode ser aplicado em Cédulas de Produto Rural (CPR). A entidade não estabeleceu o novo porcentual. “Quisemos abrir um debate sobre esta questão, achamos que há espaço para crescer”, disse Silva.

Novo processo de contratação

Uma das pautas estratégicas da Febraban para a safra 2022/23, de acordo com Silva, é avançar nas conversas com Agricultura, Economia e Banco Central para mudar o processo de contratação de crédito de linhas do Plano Safra regidas pelo Manual de Crédito Rural (MCR). Hoje, cabe às instituições financeiras coletar, junto aos produtores rurais, informações que vão além das exigidas de clientes em linhas comerciais, a fim de atender ao MCR, o que torna o processo mais caro e moroso.

Nas solicitações de crédito de linhas regidas pelo MCR, apresentadas por produtores aos bancos, devem constar dados agronômicos, como coordenadas geodésicas da propriedade e compras de insumos feitas para a safra seguinte, histórico de produtividade, informações sobre reserva legal, áreas de proteção permanente, destino dos recursos solicitados e muitos outros. De acordo com Silva, atualmente são cerca de 80 itens. Todos esses dados e documentos comprobatórios são coletados pelas instituições financeiras e encaminhados ao governo, para que a operação possa ser validada e os recursos, liberados.

A Febraban quer que o Ministério da Agricultura centralize a coleta desses dados em uma plataforma integrada e disponível às instituições financeiras para consulta, gerida pela pasta. Neste modelo, produtores alimentariam o bureau com informações exigidas pelo governo, para serem elegíveis ao crédito. O sistema também integraria dados das bases da Receita Federal, Incra e outros órgãos. Na época da contratação de financiamentos, os produtores solicitariam os recursos aos bancos, que então consultariam a plataforma (desde que com autorização dos clientes) e receberiam informações sobre o perfil do produtor, como porte, programas elegíveis conforme a atividade e se está regularizado.

A federação também solicitou a abertura de dados do Sistema de Operações do Crédito Rural e do Proagro (Sicor), gerido pelo Banco Central (BC). Hoje os bancos alimentam o Sicor, mas não têm acesso a todas as informações do sistema. No novo modelo, as instituições financeiras solicitariam diretamente dos clientes somente dados estritamente relacionados à sua capacidade de pagar pelo empréstimo, referentes a endividamento, garantias e nível de comercialização da safra.

“Queremos passar para a Agricultura o trabalho agronômico que hoje os bancos fazem. Tenho certeza de que, se adotado, esse novo modelo transformará o crédito rural. Vai diminuir o tempo que o produtor leva para obter o crédito, aumentar oferta e reduzir o custo”, afirmou Silva.

Segundo o executivo, o fato de hoje os bancos precisarem ter uma equipe maior para levantar dados e documentos não relacionados à operação financeira e enviá-los para o governo, além dos custos com sistemas e procedimentos internos, inibe a entrada de mais instituições financeiras no crédito rural. “Pelo menos metade das que têm exigibilidade (têm depósitos à vista e a obrigação de destinar 25% deles para linhas do agro) e hoje não operam crédito rural teriam interesse (em entrar no segmento). Umas dez instituições, pensando conservadoramente”, disse.