Após seis horas de busca intensiva, “Jesus” finalmente aponta sua espingarda calibre 12 semiautomática para o mato. O silêncio absoluto só é cortado quando meia dúzia de vultos rasga a estrada de terra em direção ao matagal. Três tiros estouram o ar ecoando no céu de Itápolis, no interior de São Paulo. Todos os disparos foram errados, e a frustração é imediata. Os alvos cruzaram o rio e escaparam mais uma vez. O jeito é voltar para casa e esperar por uma nova chance.
Jesus é parte de um grupo recém-formado para realizar o manejo na região de Itápolis. Pela primeira vez após muitos anos, os caçadores se reuniram para lidar com o problema. Antes, era cada um por si. A união não impede que os demais membros se irritem e façam piadas com o homem que desperdiçou a chance de ouro do dia.
“Só Jesus salva”, ironiza um dos companheiros.
As brincadeiras são um preço até barato se comparado todo o empenho realizado e tempo investido para que alguém tivesse a chance de atirar.
A caçada teve início às 7 horas da manhã (de Brasília). A convite dos controladores, a reportagem do Canal Rural acompanhou de perto todos os movimentos do grupo, que contou com sete pessoas e quatro cachorros.
Guiados por “Alemão”, profundo conhecedor das redondezas, o grupo estaciona em um campo aberto para uma preparação minuciosa. Coletes, cintos com munições calibre 12 knockdown hex (capazes de derrubar um javali em apenas um tiro certeiro) e roupas camufladas. Juntos, formam um esquadrão respeitável.
Já Alemão destoa do estilo dos demais. Aos 46 anos de idade, o senhor investe em uma calça jeans surrada, botas de borracha, uma camisa polo velha e um boné de churrascaria. Enquanto todos estão com armas de fogo, ele conta apenas com uma zagaia (espécie de lança) de fabricação caseira, um rádio para se comunicar e os inseparáveis cachorros, que buscam os javalis pelo faro e conseguem rastrear o animal.
Com todos os preparativos feitos, o passo seguinte é achar os rastros dos porcos. As primeiras pegadas frescas são encontradas nos primeiros 30 minutos de procura. Assim, Alemão põe coleiras com GPS nos cachorros (para que todos saibam em que local eles estão) e parte para dentro da mata fechada munido apenas da zagaia e com os cães.
“Já vi cobras lá dentro, onça. Tem de tudo, a mata é muito fechada e sem trilha”, conta Alemão.
Enquanto isso, os demais participantes se dividem para cobrir a região. O plano é surpreender o javali por todos os lados das mata quando os cachorros começarem a latir.
Pouco mais de 10 minutos depois, Alemão sai do local frustrado. Os animais foram para outra região. E lá vai o grupo, em busca de rastros mais frescos.
O javali tem o nível de aprendizado de um cachorro. “Eles são espertos e sabem que estão sendo procurados”, conta Rafael Augusto Salerno, que presta de consultoria para controladores e excepcionalmente parte do grupo.
Os alarmes falsos se repetiram por pelo menos cinco horas e meia. Sempre com os cachorros farejando perto das matas mais fechadas.
O fim da caçada só aconteceu por volta das 13 horas. Em um último esforço, Alemão pegou a zagaia e se enfiou em um terreno completamente fechado.
Minutos depois, os latidos dos cachorros se intensificam. É a senha para Alemão avisar pelo rádio: “Vão estourar”, querendo dizer que os javalis estão a caminho do campo aberto.
O nível de tensão aumenta a ponto de deixar todos os presentes em total silêncio. Nem dois minutos depois, uma meia dúzia, cinco leitões e uma fêmea grande, saem do mato em alta velocidade. De todos os controladores, apenas Jesus está na linha de tiro, mas não tem êxito na tentativa de abate.
Todos correm para os carros na tentativa de perseguição, mas a agilidade dos javalis, que entram em uma plantação de cana, impedindo qualquer aproximação.
Os animais cruzam um córrego localizado na região e somem morro acima. A única saída é esperar que eles retornem. O rastro indicará o retorno. E lá estará o grupo para uma nova investida.