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Agricultura

Geopolítica é prioridade para Brasil se manter na busca por produtividade e sustentabilidade, diz presidente da Abag

Para Caio Carvalho, a manutenção do protagonismo do agro nacional está ligada a investir nas relações internacionais e na promoção do país

O Canal Rural Entrevista desta semana traz como convidado o presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Caio Carvalho. No programa, ele conversa com o diretor de Conteúdo do Canal Rural, Giovani Ferreira, a respeito dos riscos e oportunidades apresentados com o conflito entre Rússia e Ucrânia, os resultados positivos do setor nas exportações, o impacto do câmbio, novas formas de financiamento e o protagonismo do agronegócio brasileiro no exterior.  “O lugar onde o país se encaixa na geopolítica mundial é justamente no agro”, diz Carvalho.

Acompanhe a entrevista na íntegra.

Canal Rural – São inúmeras as variáveis que impactam as cadeias produtivas do agronegócio. Recentemente, estamos convivendo com mais uma: o conflito no Leste Europeu, entre Rússia e Ucrânia, grandes produtores principalmente de milho e cereais de inverno, sem falar de gás e petróleo, que acabam tendo um efeito colateral na economia mundial. Como a Abag avalia esse momento em termos de riscos, desafios e também oportunidades para o agronegócio brasileiro?

Caio Carvalho – O primeiro impacto foi um impacto danado, porque nós estávamos terminando a primeira safra, no período de comercialização. Vínhamos acompanhando o nítido crescimento dos preços, tanto de soja quanto de milho, outros produtos em alta. Vem o conflito e nós sabíamos que o “rei petróleo” estava em alta sustentando as outras commodities, então a tendência era de preços altos. Nós ficamos em dúvida do que iria acontecer, todo mundo assustado com aquilo, e a primeira coisa que ficou é que estaríamos vendo a subida do preço das commodities, o que aconteceu de fato e as consequências em seguida vieram apontando em primeiro lugar para uma oportunidade de renda, face aos preços, e, em segundo lugar, de novo um desequilíbrio na logística global do ponto de vista de oferta e demanda e nas dificuldades de infraestrutura. Então, a gente imediatamente começou a perceber que teríamos maior volatilidade desses preços.

Por outro lado, percebemos uma ameaça dos países europeus e até dos Estados Unidos de que começassem a se esquecer do que foi falado antes, quer dizer, “Plantem em áreas de proteção ambienta, plantem porque o problema agora é segurança alimentar. Esqueçam da questão do carbono negativo, do carbono fóssil”. Ou seja, esse é o lado que nos deixa desconfortáveis, coisas importantes que tinham sido unânimes começam a ser descartadas por essa crise.

CR – Essa mesma crise acendeu de novo a luz de alerta sobre os fertilizantes, a dependência da agricultura brasileira do insumo importado. A Rússia é um dos principais fornecedores de fertilizantes ao Brasil. Aqui se vê um risco e também uma oportunidade para o país?

Carvalho – Tem dois pontos importantes que caracterizam o mundo tropical, onde o Brasil se insere. Primeiro, que toda tecnologia que nós fizemos aqui esteve baseada em ciência, em desenvolvimento próprio que nos levou a esse protagonismo que tem o Brasil na pecuária, na produção de grãos, de açúcar, de café, ou seja, produtos do agro de uma forma geral. E isso nos levou a uma evolução importante do lado da biotecnologia, da biomassa e do uso de produtos de origem biológica. Nós temos hoje, por exemplo, o desenvolvimento de uma série de produtos biológicos que, quando utilizados, permitem que alguns produtos como o fósforo, que ficam fixados no solo, possam ser liberados para a planta. Isso, certamente, com a escassez de produtos de base fósforo serão utilizados no nosso mundo tropical e nos darão a segurança de que a gente poderá ter produção. O resultado disso, e temor nosso, é que o mundo todo vai ter uma queda grande de produtividade, e isso levará a um desbalanço de oferta e demanda a preços maiores. Eu acredito que o que a [ex] ministra Tereza Cristina vinha fazendo o Brasil continuará fazendo, que é conseguir fazer com que o mundo entenda que a segurança alimentar deve fazer com sejam liberadas as sanções para que o mundo todo possa ter acesso aos fertilizantes da Rússia e da Ucrânia, para que agente não tenha essa diminuição de produtividade e o mundo volte a ser normal. Eu realmente acredito nisso, até porque a inflação é cavalar e o impacto sobre os mais pobres serão terríveis e todos nós pagaremos essa conta.

CR – Em 2021, o Brasil do agronegócio obteve em receita cambial US$ 120 bilhões, um aumento em relação a 2020 de 20%, em plena pandemia. A balança comercial brasileira é sustentada pelo resultado do agro e terminou aí pela casa dos US$ 60 bilhões. Uma fortaleza, por um lado, que é a participação do agronegócio na sustentação do superavit na balança, e de outro uma dependência muito forte da economia brasileira no agronegócio. Daria para equilibrar um pouco mais essa conta, olhando para a economia brasileira como um todo?

Carvalho – Eu acho que tem dois olhares importantes sobre isso. Eu tenho acompanhado a nova forma de olhar essa questão que é a que a Fiesp [Federação das Indústrias de São Paulo] tem dado, por exemplo. Um olhar é que, se nós analisarmos o que aconteceu em 2021, nós vamos ver que o PIB do agro chegou a quase 30% do PIB nacional. Aquilo que vinha em 23%/24% chegou a 28,5%, o que mostra um vigor muito grande do agro. Mas, por outro lado, indica que o lado industrial, vem de alguma forma derretendo no Brasil, o que é extremamente negativo. Isso não se deve à força do agro, mas à fragilidade da indústria. Eu acredito que o Brasil tem como prioridade – e é um tema que precisa ser debatido nas eleições deste ano – a questão da indústria brasileira.

CR – Essa receita do agro tem a ver com o câmbio, uma variável cada vez mais ativa quando se fala de componentes políticos ou econômicos. Como o agro tem lidado com a intensidade da variação do câmbio, que em alguns momentos parece ser benéfica, quando se fala em exportações, mas muito nociva quando se olha o aumento dos custos produtivos também dolarizados?

Carvalho – No momento, se analisarmos a conjuntura atual e a tendência de 2022 e 2023, o câmbio deve girar em torno de R$ 4,50 a R$ 4,70. O que isso significa? Para o agro, é muito importante porque é uma pressão positiva de segurar subida de custos muito forte para aquilo que são insumos para o agro. Isso é importante porque, se eu sou produtivo, se sou competitivo e se meus custos estão seguros, significa que minha capacidade competitiva depende de eu ser produtivo. Se eu consigo ter fertilizantes e seu consigo responder a essa questão que estou vivendo agora e se eu sou produtivo, significa que eu vou ter margens melhores. Portanto, eu sou otimista em relação a isso, porque acredito que o câmbio vai ficar equilibrado neste ano e no ano que vem, e percebo que essa é a visão do mundo financeiro.

CR – A COP26 realizada em Glasgow, na Escócia, revelou um protagonismo do agronegócio brasileiro na questão da sustentabilidade. O Brasil ampliou e antecipou metas de emissão de gases, por exemplo. Mas o nosso produtor é sustentável?

Carvalho – Essa é talvez a questão mais importante que nós estamos debatendo. O agro brasileiro é, antes de mais nada, extremamente competitivo. E a pergunta é: “O que é ser competitivo?” No desenho das cadeias produtivas, é ele poder ser produtivo e sustentável e poder trazer de uma maneira muito clara margens ao produtor, porque o sistema brasileiro do agro não é um sistema subsidiado, que é a base dos países que competem conosco. Portanto, as narrativas normalmente são muito contra o Brasil porque o país vem deslocando muitos dos países que competem conosco.

CR – Qual o maior desafio do agro brasileiro quando o assunto é sustentabilidade? É cultural, político, geopolítico, tem a ver com diplomacia, saber contar uma narrativa no mercado internacional?

Carvalho – Acho que você tocou num ponto central da visão da Abag. Tive a oportunidade de conversar com os principais ministros sobre esse isso, dizendo que a essência é saber como conduzir esse tema a quatro mãos, [dos setores] público e privado. Nós temos uma questão geopolítica. O Brasil é protagonista no agro e, se nós debatemos onde o país se encaixa na geopolítica mundial, é justamente no agro. Portanto, essa força, esse protagonismo, esse deslocamento que o Brasil tem feito nos últimos anos – imaginem vocês que em 30 anos nós saímos de total importador de tudo a exportador de praticamente tudo -, tem trazido a nós uma série de aborrecimentos, através de narrativas e de pressões que de algum forma trazem dificuldades para o Brasil, que nem sempre sabe se defender delas. As reações nem sempre têm sido as melhores aos avanços que fazem sobre nós ou às narrativas que fazem sobre nós.

E aí eu posso dizer várias [narrativas], que todos conhecem, mas a principal é a questão da Amazônia, de alguma forma tentar deslocar o Brasil, os europeus, por exemplo, dizendo que vão avaliar a questão da Amazônia e como o Brasil exporta os seus produtos com base na realidade do desmatamento. Houve um aumento real do desmatamento, mas é mínimo em relação à realidade da Amazônia e do que todos já fizeram com relação a suas matas. Esse é o número 1. O número 2 é a narrativa que tem que ser encarada de uma forma factual, quais são os fatos reais. Se nós olharmos para o que o Brasil fez na COP26, o governo levou dados reais junto com o setor privado e foi muito bem. Caracterizou o que o Brasil faz no campo da integração lavoura-pecuária, na redução das emissões com os biocombustíveis, o Plano ABC, e foi dando aula do que é o mundo tropical. Isso tudo é o grande tema que o Brasil tem que mostrar daqui para frente, o setor público junto com o setor privado. Acho que essa é a grande missão.

CR – Evoluímos em produção na última década, praticamente dobramos a produção de proteína animal e vegetal, praticamente triplicamos as nossas exportações, mas a gente tem aí uma grande preocupação. Muito tem-se falado sobre novas alternativas de financiamento da atividade do agronegócio no Brasil. Recentemente, institui-se o Fiagro, um fundo de investimento que permite o aporte nacional e principalmente estrangeiro em diversos elos da cadeia produtiva. Qual a opinião da Abag sobre esse tema?

Carvalho – Nós temos discutido isso em praticamente em todos os congressos. A questão do financiamento é sempre o calcanhar-de-aquiles em todos os países emergentes, a questão dos recursos disponíveis para que você possa expandir. Se nós olharmos para a realidade do mundo e da segurança alimentar, a ONU diz que o Brasil tem que ter 40% de expansão de área para poder atender nos próximos 10-20 anos a necessidade alimentar do mundo. Como o Brasil vai fazer isso? Se nós olharmos os últimos 30 anos, vamos ver que saímos do crédito tradicional, do Banco do Brasil, daquela coisa de Plano Safra, e de repente hoje a gente vê as grandes trading companies exportadoras sendo financiadoras, bancos comerciais sendo financiadores, os grandes fundos, etc. Então a gente mudou esse espectro.

Mas nós ainda temos um calcanhar-de-aquiles importante e é isso que a gente vem discutindo muito: o que a gente vai fazer com as médias propriedades? Porque as pequenas, de alguma forma, têm os programas [oficiais] de financiamento. Mas as médias propriedades é uma dor-de-cabeça que tanto o governo quanto nós temos, como que a gente cria um mecanismo de financiamento. Provavelmente via integração lavoura-pecuária-floresta, e provavelmente com programas vinculados à espetacular redução de emissões que eles fazem. Esse é um caminho novo que a gente tem que trilhar.

CR – Para produzir e entregar, precisamos de infraestrutura. A gente sabe que o Brasil vem sofrendo há décadas principalmente no caminho do multimodal para tentar resolver essa situação, mas o fato é que, para atender as regiões tradicionais do agronegócio e as novas fronteiras agrícolas, parece que a logística avançou e está tirando o atraso. É isso mesmo?

Carvalho – O que nós fizemos nos últimos três anos em logística e infraestrutura é algo inacreditável para mim, digo isso com todas as letras. A gente começa a sonhar com plantas industriais de milho, de soja aqui em São Paulo [com matéria-prima] vindo por trem de Mato Grosso, com plantas no Paraná… Esse é o Brasil que a gente quer no futuro. O Matopiba com alta tecnologia de integração lavoura-pecuária, com plantas saindo pela Bahia, saindo pelo Norte… Esse é o Brasil que todo mundo quer ver. Portanto, não dá para pensar em agricultura sem imaginar a continuidade do que foi feito nos últimos três anos para os próximos 20 anos.

CR – Neste período pré-eleição presidencial, queria saber sua opinião sobre a polarização e também saber quais temas do agro não podem ficar fora da pauta do Executivo federal e estaduais.

Carvalho – Há algumas pessoas que eu respeito muito que dizem que a prioridade deveria ser singular, não deveria ser plural. Então que deveria ser qual é “a” prioridade. Eu diria que é geopolítica. O Brasil tem como prioridade uma atuação numa linha forte, constante, firme, público-privada, com a questão da geopolítica, que está nos afligindo, que está nos pressionando. Através da geopolítica, vêm as narrativas, vem a confiança, virá o capital e, através disso, virá a possibilidade de nós continuarmos a ter toda essa lógica de produtividade, de sustentabilidade, de logística, de infraestrutura, de crescimento, de investimento, de tal forma que o Brasil continue como grande protagonista. Número 2: fundamentalmente, [precisamos de] reformas, essenciais para custos. O agricultor é muito competitivo, mas o custo Brasil nos maltrata de uma forma terrível. Reforma administrativa e reforma tributária; sem falar em reforma política, que também é muito importante. Mas essas duas serão fundamentais nos próximos anos.

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