Lama, buraco, fila e cansaço na Estrada da Soja

Reportagem percorre a BR-163, ida e volta, de Sinop (MT) até Itaituba (PA), e encontra pontos intransitáveis, caminhoneiros cansados, reboques do Exército e borracheiros que lucram com a situação

Fonte: Pedro Silvestre/Canal Rural

No acostamento da BR-163, em Novo Progresso (PA), o tema de um grupo de caminhoneiros nem é mais sobre a situação da rodovia. Eles tentam mudar de assunto. Todos carregam soja e quase se conformam em perder pelo menos um dia parados. Passam horas em uma fila que, recentemente, chegou a 20 quilômetros. São vítimas do gargalo logístico que anualmente ocorre na principal rota de escoamento de grãos no norte do país.

No início do comboio, soldados do Exército controlam o fluxo e liberam entre 100 e 250 caminhões por vez. Não há uma frequência para que caminhões com soja sigam viagem. Carros, ônibus, caminhões com animais vivos e outros alimentos passam direto. “É uma vergonha. Um dia parado para passar esse trecho. Muita gente passa mal”, diz Aparecido Nunes.

Caminhoneiro há quase 40 anos, Nunes deixou Três Lagoas (MS) dia 5 de janeiro para “puxar” soja pela BR-163 no trecho crítico da rodovia, entre Sinop (MT) e o terminal de transbordo de grãos de Miritituba (PA). Nessa viagem, ele tem a companhia de dois filhos. Por causa dos desafios do percurso, o custo do frete é o dobro em relação a trajetos semelhantes em outras regiões.

Na semana passada, a reportagem do Estadão percorreu a BR-163, ida e volta, de Sinop (MT) até Itaituba (PA), num total de 2.000 km. Um trajeto de contrastes. Trechos de asfalto bem conservado logo são substituídos por outros de terra. As filas e os gargalos mudam de lugar na rodovia, de acordo com um planejamento informal feito diariamente pelo Exército e tradings exportadoras para controlar o fluxo de descarregamento dos grãos em seus terminais.

Liberados do bloqueio em Novo Progresso, os caminhões percorrem mais 65 km até a serra de Moraes Almeida. No trecho de terra, outra parada, onde o Exército realiza obras de rebaixamento do morro, controla o fluxo de veículos e reboca os que não conseguem ultrapassar a terra, as pedras e, quando chove, o barro.

Na quarta-feira, a fila de dois dias antes se deslocou de Novo Progresso para lá. Havia 15 km de caminhões parados nos dois sentidos da BR-163.

Fila

Poderia ser pior. No ano passado, próximo a Bela Vista do Caracol (PA), um atoleiro parou a BR-163, nas proximidades de Bela Vista. O congestionamento superou 100 km, e veículos ficaram até 20 dias parados.

Cerca de 650 caminhões, a maioria com 40 toneladas de soja, trafegam diariamente pela BR-163 na rota entre Mato Grosso e o terminal de Miritituba. Como uma viagem demora, em média, cinco dias, a estimativa é de que mais de 3.000 veículos rodem pela rodovia o ano inteiro. Em junho, a carga de soja é trocada pela de milho.

Enquanto caminhoneiros sofrem, outros lucram com esses buracos. Borracheiro no povoado de Santa Júlia, João Melo e seu funcionário Zineu da Rocha estão sempre ocupados com serviços de reparos em pneus e rodas de caminhões. Na borracharia, uma placa de isopor está cravada com parafusos perdidos por caminhões, colhidos por pneus de outros veículos e retirados por Melo e Rocha.

Os gargalos logísticos da BR-163 levaram a soja e a infraestrutura de armazenamento cada vez mais para perto de Miritituba. A Tapajós Agro iniciou a operação, neste ano, de um primeiro silo de armazenagem do grão, às margens da rodovia, em uma fazenda no município de Trairão (PA), a apenas 150 km do terminal.

Em 2019, a agropecuária deve cultivar mil hectares com soja. “Estamos muito perto de Miritituba, e a soja vai ser a prioridade”, diz Rodrigo Dotto, gerente de operações da Tapajós.

No terminal paraense, estão cinco operações de transbordo, onde os grãos são colocados em barcaças para uma viagem de mais mil quilômetros até o porto de Barcarena, de onde é feita a exportação.

Projeto adiado

O Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) informou que a pavimentação de 96 quilômetros da BR-163, no Pará, será finalizada até 2019. A previsão inicial era que a obra ficasse pronta em 2017. Mas, em virtude de atrasos na atualização do projeto de um segmento da rodovia e das chuvas constantes, a estrada só deverá estar totalmente asfaltada no ano que vem.

“O Dnit está intensificando os investimentos em manutenção, tendo realizado várias licitações ao longo de 2017 para retomar os serviços após o período de chuvas”, informou o órgão do Ministério dos Transportes.

Segundo o Dnit, desses 96 quilômetros, a meta instituída no ano passado era asfaltar 60 quilômetros. Em 2017, foram pavimentados 41 quilômetros nas proximidades de Miritituba. Do trecho em Bela Vista do Caracol, onde houve o caos logístico no ano passado, 10 quilômetros receberam asfalto.

Os 36 quilômetros restantes seguem em terra, porém foi feita a terraplenagem e a aplicação das primeiras camadas do pavimento. “Esse segmento será concluído em 2018”, disse o Dnit.

Com isso, foram executados 51 quilômetros de asfalto na BR-163, em 2017. “A meta de 60 quilômetros não foi atingida em decorrência da antecipação do início do período chuvoso em 2017 e atrasos no fornecimento de matéria prima asfáltica registrados em diversas obras rodoviárias do País”, disse o órgão.

Ministro e produtor

Produtor em Mato Grosso, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, admite que a situação da BR-163 é lamentável e que problemas logísticos na rodovia só mudaram de lugar entre 2017 e 2018. “A situação em que se encontra [a BR-163] é lamentável. São 11 milhões de toneladas de grãos que andam por esse caminho e não temos estrada”, disse o ministro.

Maggi, no entanto, avalia que gargalos logísticos na estrada são enfrentados há vários governos. “Por incrível que pareça, nunca faltou dinheiro para a BR-163. O que aconteceu é que na primeira licitação algumas empresas que ganharam os contratos não tinham condições de levar adiante essa obra em um lugar tão distante e mais caro que outros lugares do Brasil”, explicou.

Com isso, segundo ele, empresas deixaram os contratos, algumas entraram na Justiça, e a manutenção da rodovia passou para o Exército, com o apoio do Dnit.

“O Exército entrou no ano passado, já deveria ter feito uma boa parte desse serviço, não conseguiu realizar e espero que agora, na próxima seca, possa cumprir”, diz Maggi.

O ministro lembrou que parte do trecho final da BR-163, visitado pela reportagem na semana passada, precisa ser reconstruído, como o trajeto que liga Castelo dos Sonhos e Novo Progresso, no Pará, onde o asfalto é precário.