O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi denunciado à Justiça pela primeira vez no âmbito da Operação Lava Jato. O anúncio foi feito nesta quarta, dia 14, pela força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) responsável pela operação. A denúncia também inclui a esposa de Lula, Marisa Letícia da Silva, e outras seis pessoas.
Os procuradores afirmam que o ex-presidente recebeu vantagens indevidas referentes à reforma de um triplex em Guarujá (SP) feita pela empreiteira OAS. Segundo o MPF, a reforma foi oferecida a ele como compensação por ações do ex-presidente no esquema de corrupção da Petrobras.
A denúncia também inclui os nomes do presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, e do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro. Os outros quatro denunciados são pessoas ligadas à empreiteira Agenor Franklin Magalhães Medeiros, Paulo Roberto Valente Gordilho, Fábio Hori Yonamine e Roberto Moreira Ferreira.
O MPF investiga ainda se as obras realizadas pela Odebrecht em um sítio frequentado pela família de Lula em Atibaia (SP) também consistem em vantagens indevidas recebidas pelo petista. No entanto, nenhum representante dessa empreiteira foi incluído na denúncia apresentada nesta quarta-feira.
“Lula comandava esquema”
O procurador da República Deltan Dallagnol afirmou que Lula era o “comandante máximo do esquema de corrupção identificado na (Operação) Lava Jato”. Dallagnol fez a declaração durante entrevista coletiva em que a força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) responsável pela operação detalhou a denúncia contra o ex-presidente.
O ex-presidente foi denunciado à Justiça Federal por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, crimes cujas penas, somadas, podem chegar a 32 anos e seis meses de prisão.
Segundo os procuradores, Lula recebeu vantagens indevidas das empresas envolvidas no esquema de corrupção da Petrobras, como a compra de um apartamento tríplex em Guarujá, no litoral paulista, a reforma e decoração do imóvel, além de contratos milionários para armazenamento de bens pessoais. Essas vantagens, somadas, totalizariam mais de R$ 3,7 milhões.
Dallagnol ressaltou que a corrupção identificada nas investigações é sistêmica e envolve diversos governos e partidos. De acordo com o procurador, existe uma “propinocracia” em curso no Brasil, no qual os poderes Executivo e Legislativo trocam favores, nomeações políticas e cargos, para obter “governabilidade corrompida, perpetuação criminosa no poder e enriquecimento ilícito”.
Para Dallagnhol, o sistema é bancado por cartéis de empresas que se aproveitam do esquema para garantir a assinatura de contratos milionários com o Poder Público.
Segundo a denúncia do MPF, existem 14 evidências de que Lula é o chefe do esquema de corrupção. O trabalho da força-tarefa remete a outros escândalos de corrupção, como o do mensalão, esquema de pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo, no primeiro mandato de Lula na Presidência da República.
“Mesmo depois da saída de José Dirceu (ministro-chefe da Casa Civil na época, 2005) e com a troca de tesoureiros no Partido dos Trabalhadores, o esquema prosseguiu através do petrolão. Isso demonstra que havia um vértice em comum, e esse vértice é o Lula”, afirmou Dallagnol.
Denúncia não pede prisão de petista
A denúncia feita pelo Ministério Público Federal, no entanto, não está acompanhada de pedido de prisão. “Não nos manifestamos sobre medidas cautelares. Esse é um padrão que nós seguimos para não antecipar juízos ou avaliações”, explicou Dallagnol.
Assim, qualquer iniciativa neste sentido está condicionada à avaliação do juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelos processos da operação, acrescentou Dallagnol. Segundo o procurador, Moro vai receber a denúncia e decidir se acata o trabalho do MPF. Em caso positivo, os denunciados tornam-se réus na Justiça Federal.
Lula nega ser dono de tríplex
Logo após tomar conhecimento da denúncia, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a negar que seja dono do imóvel localizado no Guarujá. Em sua conta no Facebook, Lula disse que, desde 30 de janeiro, tornou públicos os documentos que provariam que ele não é o dono do tríplex, alvo das investigações da Operação Lava Jato.
“Lula esteve apenas uma vez no edifício, quando sua família avaliava comprar o imóvel. Jamais foi proprietário dele ou sequer dormiu uma noite no suposto apartamento que a Lava-Jato desesperadamente tenta atribuir ao ex-presidente”, diz Lula em post publicado no Facebook.
Na publicação, o ex-presidente anexou um arquivo com vários documentos que, segundo ele e seus advogados, “desmontam farsa” sobre a titularidade do imóvel localizado no Condomínio Solaris.
Confira, abaixo, o publicação feita por Lula no Facebook:
Advogados repudiam denúncia
Os advogados que defendem Lula e Marisa repudiaram a denúncia. Em nota, os advogados Cristiano Zanin Martins e Roberto Teixeira reafirmam que Lula e Marisa não são proprietários de um apartamento triplex situado em Guarujá, no litoral paulista. Segundo a defesa de Lula, o imóvel pertence à OAS.
“Para sustentar o impossível – a propriedade do apartamento 164-A, Edifício Solaris, em Guarujá – a força-tarefa da Lava Jato valeu-se de truque de ilusionismo, promovendo um reprovável espetáculo judicial-midiático. O fato real inquestionável é que Lula e dona Marisa não são proprietários do referido imóvel, que pertence à OAS”, afirma a nota dos advogados.
Os defensores do ex-presidente ressaltam que a denúncia dos procuradores é “baseada em peça jurídica de inconsistência cristalina” e afirmam que o MPF em Curitiba “elegeu Lula como ‘maestro de uma organização criminosa’, mas esqueceu-se do principal: a apresentação de provas dos crimes imputados”.
No entendimento dos advogados, a denúncia “ataca o Estado Democrático de Direito e a inteligência dos cidadãos brasileiros”, principalmente porque “não foi apresentado um único ato praticado por Lula, muito menos uma prova”.
Eles dizem ainda que, desde o início da Operação Lava Jato, a vida de Lula sofreu uma devassa, mas nada foi encontrado. “Foi necessário, então, apelar para um discurso farsesco. Construíram uma tese baseada em responsabilidade objetiva, incompatível com o direito penal. O crime do Lula, para a Lava Jato, é ter sido presidente da República”, afirmam os advogados.
Repercussão
A denúncia do MPF repercutiu imediatamente no Senado. Mesmo antes de a coletiva do procurador Deltan Dallagnol ser concluída, senadores que historicamente se opõem a Lula já divulgavam notas elogiando o trabalho do Ministério Público Federal (MPF).
“Destaco que o Ministério Público fez um excelente trabalho, minucioso, demorado, onde conseguiu juntar todas as pontas desse esquema que teve origem no mensalão. O PT, capitaneado por Lula, sempre se comportou como uma quadrilha que se interessava apenas em garantir benefícios ao seu grupo e se perpetuar no poder. Que todos sejam julgados e condenados por seus crimes”, disse o líder do DEM, senador Ronaldo Caiado (GO).
Para o senador Álvaro Dias (PV-PR), a denúncia “é a confirmação da relação do mensalão com o petrolão como um esquema sofisticado e complexo de corrupção idealizado em nome de um projeto de poder de longo prazo”. Ele ressaltou que não deve haver “pré-julgamento”, mas que a denúncia é “da maior gravidade”.
O líder do PSDB, senador Paulo Bauer (SC), disse que as acusações apresentadas pelo Ministério Público são a comprovação de que “nenhum cidadão está acima da lei”. “O ex-presidente e nenhum brasileiro está acima da lei e isto é certo. Por isso, nós devemos deixar a Justiça fazer o seu papel e o seu trabalho”, disse.
Entre os petistas, no entanto, a denúncia contra o ex-presidente “já era esperada”, segundo o senador Paulo Paim (PT-RS). A dúvida, de acordo com ele, era se o MP deixaria para apresentar a peça antes ou após as eleições. “Decidiram apresentar antes”, disse.
Na opinião do senador, o fato não representa uma novidade e faz parte de “um cenário que está montado nos últimos tempos”, no qual vários partidos, inclusive PT, PSDB e PMDB – os maiores do país – são acusados. “As denúncias contra o Lula e o PT são feitas toda semana, não significam novidade. Agora, denúncia não significa condenação, nem significa que seja verdade”, disse o senador.
Dilma
A ex-presidente Dilma Rousseff se pronunciou em defesa de Lula. Segundo ela, “é evidente que esta denúncia atende ao objetivo daqueles que pretendem impedir sua candidatura em 2018”.
A declaração foi dada pela petista em sua conta oficial no Twitter, na qual a ex-presidente falou que a denúncia contra Lula e sua família não “possui provas”. “Mais uma vez, a democracia é ferida. Mais uma vez, grave injustiça é cometida sem fundamentos reais. Agora, o alvo é o ex-presidente Lula. Certamente, o ex-presidente saberá se defender e as pessoas de bem saberão reagir”, disse.