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OEA responsabiliza o Brasil por trabalho escravo em fazenda no Pará

Após processo que durou três anos, corte determinou que Estado brasileiro indenize 128 vítimas resgatadas entre 1997 e 2000

Fonte: Pixabay

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, uma instituição judicial autônoma da Organização dos Estados Americanos (OEA), responsabilizou internacionalmente o Estado brasileiro por não prevenir a prática de trabalho escravo moderno e de tráfico de pessoas. A sentença do caso Trabalhadores da fazenda Brasil Verde Vs. Brasil foi dada nesta semana em um processo que durou cerca de três anos. O Brasil é o primeiro país condenado pela OEA nessa matéria.

O Estado brasileiro tem um ano para indenizar cada uma das 128 vítimas resgatadas durante fiscalizações do Ministério Público do Trabalho na fazenda Brasil Verde, no sul do Pará, nos anos de 1997 e 2000.  Somente nessa fazenda, mais de 300 trabalhadores foram resgatados, entre 1989 e 2002. Em 1988, houve uma denúncia da prática de trabalho escravo na fazenda Brasil Verde, no Pará, e o desaparecimento de dois adolescentes que teriam tentado fugir.

Além disso, a própria OEA, a partir das informações prestadas pelas denunciantes, fala em “um contexto no qual dezenas de milhares de trabalhadores foram submetidos ao trabalho escravo”. A maioria das vítimas é do sexo masculino, negra, tem entre 15 e 40 anos e morava em cidades pobres, marcadas pela falta de oportunidades de trabalho. Ninguém foi punido e o caso foi levado à OEA pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) e pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).

A sentença também determina que sejam reabertas as investigações sobre as violações cometidas contra esses trabalhadores, o que abre precedentes para a reabertura de casos já arquivados aqui e nos demais países da América Latina. De acordo com a cientista social Beatriz Affonso, diretora do Cejil para o Programa do Brasil, a decisão é fundamental para o combate desse tipo de crime no país, onde existe um padrão sistemático de não realização de justiça nos casos de trabalho escravo, ainda que existam provas.

“Muitos casos ficaram parados para decisão e acabaram prescrevendo. O sistema de Justiça não atuava com a diligência necessária para que os casos pudessem tramitar na Justiça. Por isso a Corte determinou que a prescrição não pode ser obstáculo para investigação e responsabilização de crime de trabalho escravo, considerado crime gravíssimo”, disse Beatriz.

No caso da fazenda Brasil Verde, de criação de gado, ninguém foi responsabilizado criminalmente nem os trabalhadores indenizados por dano moral coletivo ou individual por terem sido submetidos a jornadas exaustivas, condições degradantes, ameaça, servidão por dívidas e cárcere privado. 

Histórica

A sentença também é histórica por tratar do trabalho escravo e tráfico de pessoas de forma ampla, abordando várias situações, como exploração sexual e tráfico de órgãos. “Isso é muito importante, pois abre muitos precedentes”, disse Beatriz, que lamentou que o caso da Fazenda Brasil Verde não seja uma exceção no país, sobretudo, devido à impunidade.

Ainda segundo a Corte, o Poder Judiciário é cúmplice da discriminação desses trabalhadores escravizados. “Conseguimos demonstrar para a Corte que essas vítimas já estão inseridas em um contexto de discriminação econômica e política, e por isso ficam mais suscetíveis a serem escravizadas”, disse Beatriz. “E quando elas buscam na Justiça o reconhecimento da sua dignidade e a reparação devida para esse tipo de violação, elas encontram um Judiciário, no mínimo, omisso, que faz com que esses crimes nunca sejam responsabilizados”.

As reparações vão custar aos cofres públicos cerca de US$ 5 milhões, a não ser que a Advocacia Geral da União (AGU) entre com ação instando que os empregadores paguem pelas indenizações. “Temos a expectativa, a título pedagógico, que esses fazendeiros tenham que devolver ao erário público essa quantia, e isso sirva de exemplo, pois temos muitos casos de fazendas que são autuadas, além de vários casos de trabalho escravo urbano”.

União

A Secretaria Especial de Direitos Humanos, vinculada ao Ministério da Justiça e Cidadania, informou que reconhece a sentença e a legitimidade da Corte como órgão jurisdicional e legítimo intérprete da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, “que exerce um papel de grande relevância na proteção dos direitos humanos na região”.

A condenação, segundo a secretária, representa uma oportunidade para reforçar e aprimorar a política nacional de enfrentamento ao trabalho escravo, especialmente no que se refere à manutenção do conceito, assim como em relação à investigação, processamento e punição dos responsáveis pelo delito. “Neste sentido, recordamos que em 13 de dezembro foi lançado o Pacto Federativo para a Erradicação do Trabalho Escravo, com a adesão de 14 unidades federativas: Alagoas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia e Tocantins”.

A pasta ressaltou que a Corte, entretanto, reconhece na setença a eficácia das políticas públicas de combate ao trabalho escravo no país e que a decisão poderá catalisar esforços para a manutenção do conceito contido na normativa nacional e o aprimoramento da política de prevenção e erradicação do trabalho escravo.

A Advocacia-Geral da União (AGU) disse que ainda vai estudar se há necessidade de pedir à Corte Interamericana de Direitos Humanos um pedido de interpretação. Esse pedido seria feito para obter um maior esclarecimento sobre o sentido ou o alcance da sentença. O Estado tem 90 dias a contar de ontem, data em que foi notificado sobre a sentença, para apresentar o pedido.

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