Pesquisadores brasileiros da Embrapa e de outras instituições encontraram uma aplicação inédita para um velho conhecido de uso doméstico: o detergente. Experimentos realizados com substâncias à base desse produtos se mostraram bastante promissores na formação de uma película antiviral para as mãos e superfícies inanimadas, capaz de inativar em poucos minutos um coronavírus semelhante ao da Covid-19, por períodos mais longos do que os sanitizantes, como o álcool, que evapora mais rápido.
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A pesquisa envolveu três centros da Embrapa: Embrapa Instrumentação, Embrapa Pecuária Sudeste e Embrapa Suínos e Aves. Também – e contou com o apoio do Laboratório de Virologia Comparada e Ambiental da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, do Instituto de Zootecnia (IZ), em Nova Odessa (SP), e de uma aluna de doutorado do Instituto de Química de São Carlos, da Universidade de São Paulo (IQSC-USP).
Segundo a Embrapa, a formulação é simples, de baixo custo e fácil de preparar. Os testes foram realizados misturando-se ao detergente um pouco de óleo vegetal, no caso da película para a mão, a fim de tornar o filme mais flexível e diminuir a desidratação da pele. Para superfícies inanimadas, o detergente foi diluído em água. Nos dois casos, o vírus foi inativado em milhares de vezes em até dez minutos.
Como modelo biológico, o estudo usou o coronavírus aviário ACoV, que pode ser cultivado em laboratório com nível de biossegurança mais baixo do que o exigido para trabalhar com o novo coronavírus, não causa doença em humano e é quimicamente e morfologicamente semelhante ao SARS-CoV-2, causador da Covid-19.
De acordo com o estudo, ambos os filmes foram eficazes contra o coronavírus ACoV, confirmando-se como possível alternativa de prevenção à doença, principalmente para a população menos favorecida de países subdesenvolvidos, que não têm acesso a nenhum tipo de sanitizante comercial. Os resultados do estudo também abrem caminho para uma série de possibilidades e aplicações visando mitigar a contaminação por outros microrganismos patogênicos.
“Acreditamos que a atividade antiviral do filme pode ser atribuída, em grande parte, à ação biocida dos surfactantes – que são os principais constituintes de formulações de produtos de limpeza e higiene pessoal – presentes no detergente”, diz o pesquisador da Embrapa Luiz Alberto Colnago, coordenador do estudo com a pesquisadora Lucimara Aparecida Forato e orientador da doutoranda Cirlei Igreja do Nascimento Mitre.
De acordo com eles, vários agentes biocidas são capazes de inativar o coronavírus de superfícies inanimadas em minutos. No entanto, esses produtos evaporam rapidamente, são inflamáveis, tóxicos ou se tornam ineficientes em curto período e, consequentemente, as superfícies higienizadas podem se tornar uma nova fonte de transmissão, após outra contaminação.
A proposta dos filmes à base de detergente é que eles possam ser aplicados em superfícies inanimadas, como maçanetas, corrimões, lixeiras, portas de vidro, espelhos, entre outras, e nas mãos, como uma eficiente alternativa para impedir a propagação do SARS-CoV-2, especialmente em locais em que são escassas as formas já conhecidas de profilaxia.
Para o virologista José Paulo Gagliardi Leite, diretor da Fiocruz, os resultados dos ensaios são promissores e abrem perspectivas socioeconômicas interessantes e importantes, devido ao baixo custo da solução e a possibilidade de uso para inativar vírus associados a outras doenças. “O filme de detergente pode ser uma alternativa mais barata para a desinfecção de superfícies e higienização das mãos, o que é muito importante para as populações carentes da América Latina e da África”, destaca o diretor que também é pesquisador do Laboratório de Virologia Comparada e Ambiental da Fiocruz.
O biólogo Rodrigo Giglioti, do Instituto de Zootecnia, avaliou a confiabilidade dos dados obtidos nos testes realizados com o filme antiviral e com o controle por meio de um modelo estatístico. Segundo ele, o modelo utilizado (não paramétrico) permitiu fazer a comparação entre as análises feitas e confirmou que os resultados dessas análises são robustos para esse tipo de dados.
A próxima fase da pesquisa será realizada na Fiocruz, em laboratório de Nível de Biossegurança 3 (NB-3) – ambientes destinados à manipulação de agentes muito patogênicos. “Considerei a originalidade da ideia do pesquisador Colnago muito importante, em especial, pelas características do filme de não ser inflamável e não apresentar riscos para as pessoas. Vamos testá-lo em relação ao novo coronavírus, o SARS-CoV-2 – embora já se possa pensar em resultados promissores”, afirma.
O virologista conta que a equipe da Fiocruz está estabelecendo os protocolos para a realização dos testes no laboratório NB3 e acredita que a nova etapa deva começar em breve. Ele destaca, ainda, a importância da parceria entre as instituições envolvidas no estudo. “A colaboração entre os diversos grupos científicos do país demonstra o intenso esforço nacional para levar à sociedade uma rápida resposta a esse grave problema de saúde pública”, afirma.