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DA SEMENTE AO GUARDA-ROUPA

Rastreabilidade agrega valor ao algodão brasileiro

Movimento 'Sou de Algodão' projeta confiabilidade e transparência em cadeia produtiva para mercado nacional e internacional e aproxima consumidor de peças sustentáveis

No ano em que a baiana Ana Paula Franciosi nasceu, a cotonicultura engatinhava na Bahia. Filha de gaúchos, foi no final dos anos 90 que a empresa da família começou o cultivo do algodão em Luís Eduardo Magalhães (LEM), no oeste do estado.  

Atualmente são cinco fazendas da família, quatro delas ao norte de LEM, a quinta está no estado do Piauí, onde a produção do algodão irrigado começa como mais um polo produtivo da empresa. No começo do trabalho no campo, ela não imaginava em um futuro não tão distante, o que a profissionalização e os investimentos em tecnologia na administração e na agricultura fossem proporcionar.

Na safra de 2021/22, foram 112 mil toneladas de algodão nas propriedades do grupo, número que deve ser superado na safra 2022/23, na qual a colheita ultrapassa os 50%.

Quem compra uma peça de roupa em uma loja varejista de uma grande rede espalhada pelo país, com o selo Sou ABR, consegue ter acesso a toda origem do produto e conhecer também um pouco da história das famílias produtoras da matéria prima do oeste da Bahia e do país. Franciosi conta que para fazer parte do programa, foi preciso investir e mudar a visão da empresa. 

“Com o selo nós conseguimos melhorar as condições de infraestrutura, equipamentos e pessoal de todas as fazendas. A profissionalização refletiu positivamente também na nossa produção”, conta Ana Paula Franciosi.

Formada em administração, a jovem de 24 anos que já passou por muitos setores na empresa -agora responsável pelos investimentos- conta que considera a rastreabilidade do produto extremamente benéfica e que vai de encontro com a proposta de ser uma empresa transparente, que se preocupa com todo o processo produtivo e com o meio ambiente para reafirmar a qualidade para o mercado internacional. Um detalhe que também virou exemplo de motivação aos colaboradores.

“Depois de todo um trabalho árduo, de todo o esforço, a gente conseguir encontrar um calça que foi produzida por um algodão que veio da nossa fazenda, é muito gratificante. A gente fez questão de comprar essa calça. Colocamos em um quadro e apresentamos aos nossos colaboradores para mostrar para eles, o fim da cadeia que eles começaram. Acho que isso que dá o brilho nos olhos, né? E eles se sentem valorizados por entender a importância do trabalho deles”, relata.

Calça jeans com o selo Sou Abr com rastreabilidade. QR corde mostra informações de toda cadeia produtiva
Calça jeans com QR Code que leva informação à produção do Grupo Franciosi | Foto: Arquivo Pessoal/ Ana Paula Franciosi

Rastreável da semente ao guarda-roupa

Criado em 2016, o Sou ABR é uma iniciativa da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) e do Instituto Brasileiro do Algodão (Iba). Além de agregar valor, tem como objetivo, estimular, fomentar e valorizar o mercado do algodão responsável no Brasil.

Os produtos devem ter no mínimo 70% algodão na composição, só é permitida 30% de outras fibras no produto. No entanto, é proibido a mistura de outros tipos de algodão como orgânico, pima, não certificado, reciclado, entre outros.

Para Silmara Ferraresi, gestora do Sou de Algodão o resultado nos últimos sete anos está ligado a uma percepção e comportamento do consumidor:

“O nosso objetivo sempre foi que as pessoas tivessem noção e a informação de que algodão é produzido com rastreabilidade e com sustentabilidade dentro das fazendas brasileiras. Tanto que 82% da nossa produção tem certificação socioambiental e já em 2021 a gente lançou o programa Sou ABR, em parceria com a Renner e com a Reserva”. 

Ferraresi explica que com a facilidade da tecnologia, por meio de um QR Code na etiqueta, o consumidor consegue verificar quais são as fazendas de onde o algodão que está na peça veio, qual foi a fiação, a tecelagem e a malharia, por exemplo.

“Hoje já são mais de 120.000 peças rastreadas e o nosso objetivo é que a gente possa expandir, levar isso a novas marcas e ter um número muito maior de peças produzidas com algodão brasileiro, com rastreabilidade e com essa marca da certificação socioambiental”, explica.

Fazenda Santana em Luís Eduardo Magalhães (BA) | Foto: Divulgação/ Grupo Franciosi

Influência sustentável

Jornalista, influenciadora e também consumidora, Maíra Brito acredita que ter um consumo mais sustentável é uma iniciativa que deve partir também das pessoas e não apenas da indústria e ou governo:

“Quando eu escolho uma peça dessa por exemplo para poder usar e ter no meu guarda-roupa, e sei de que forma ela foi produzida, de onde essa matéria-prima veio, de que forma foi desenvolvida, isso também é pensar e apoiar a sustentabilidade”, conta.

No entanto, mesmo com qualidade e valor agregados, para os mais de 13.500 seguidores (3.000 diários) que assistem ao conteúdo da influenciadora, a maioria de Barreiras (BA) e região, o preço de uma peça com o selo “Sou ABR”, talvez ainda seja um obstáculo para que o movimento alcance mais pessoas:

“Acredito que o preço que são cobrados nas peças são de fato muito alto para o grande público, mas você consegue entender um pouco do processo. Na etiqueta tem QR Code, a gente consegue ir lá e acompanhar e ver de como aquela peça foi pensada desde o início; o quanto que ela agrega valor para famílias e meio ambiente”, afirma.

Rastreabilidade de longa data

Diferente do que o público tem acesso, o Sistema Abrapa de Identificação (SAI) funciona como um CPF da pluma e foi instalado em 2004 pela Abrapa. Através dele, pode-se rastrear o local e uma série de informações como quantidade, qualidade, certificações e práticas sustentáveis adotadas.

Implementado há 19 anos, o SAI ganhou mais um capítulo no reconhecimento em qualidade no dia 22 de agosto, em Brasília. O certificado do primeiro lote de algodão chancelado pelo Programa de Qualidade do Algodão Brasileiro – certificação voluntária/autocontrole – Mapa, desenvolvido pela Abrapa, em parceria com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), pelo ministro Carlos Fávaro, à indústria têxtil internacional China Corporation Limited, a Chinatex.

A entrega finalizou uma semana de visitas da cúpula da estatal chinesa aos maiores produtores da fibra no Brasil, Mato Grosso e Bahia, respectivamente, bem como à sede da Abrapa, no Distrito Federal, onde conheceram o Centro Brasileiro de Referência em Análise de Algodão (CBRA). 

Ainda de acordo com a Abrapa, a certificação oficial atesta a veracidade dos laudos de High Volume Instrument (HVI), emitidos pelos laboratórios brasileiros.

Segundo a associação, isso dá ao comprador a segurança de que as amostras analisadas – e que serviram de referência para a comercialização do produto – correspondem e representam os fardos adquiridos e que a análise à qual foram submetidas respeitou os padrões internacionais. 

O Brasil possui 12 laboratórios que somam 74 máquinas HVI, integrantes do programa de qualidade Standard Brasil HVI (SBRHVI), da Abrapa.

Para Jorge Viana, presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex Brasil), o movimento no mercado para práticas mais sustentáveis também tem influência de consumidores cada vez mais informados, que cobram as empresas para que se preocupem com o meio ambiente.

“O consumidor está mais exigente e isso é bom. O mundo está vivendo a crise climática, e para isso ser enfrentado, nós temos que ter sustentabilidade em tudo que se faz, especialmente o agronegócio. Não tem como plantar, como criar se a gente não tiver o meio ambiente como aliado”, disse Jorge Viana.

Ele ainda destaca que a iniciativa serve como exemplo para outras culturas: “É boa para o algodão ganhar o mundo, mas ela é fundamental para que o pessoal do milho, o pessoal da soja, do sorgo, do arroz, aprenderem com o pessoal do algodão, eu acho que isso vai fazer o Brasil ficar mais forte ainda no mercado internacional”, afirma.

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