Os queijos artesanais do Brasil ganharam força nos últimos anos no dia a dia do consumidor e nos cardápios dos restaurantes mais refinados do país. O queijo da colônia, como é tipicamente conhecido nas regiões interioranas, largou mão de ser feito de qualquer jeito, com sobras de leite e punhados desmedidos de tempero. Ganhou receita, personalidade, estilo.
Agora, o artesanal é gourmet. Queijos tornaram-se produtos preparados com todo o esmero e a atenção de profissionais capacitados e com conhecimento adquirido.
Um exemplo é a personagem desta reportagem, uma ex-professora universitária de São Paulo, que resolveu investir na atividade e tudo deu tão certo que uma das criações da queijaria foi reconhecida internacionalmente. Do interior de São Paulo vem a história da linguista Heloísa Collins, que trocou as salas de aula pela criação de cabras para a produção de queijos finos, em uma propriedade a cerca de 100 quilômetros da capital. “Fazer queijos era meu hobby”, conta Heloísa.
Com a hospitalidade típica do interior, ela apresenta a paixão que fez a família mudar de vida. A ex-professora universitária começou a criar cabras na década de 1990, mas foi o interesse por queijos artesanais que estimulou a vocação de transformar leite em receitas finas.
“Foi um processo bem lento. Eu comecei muito devagarinho, há mais de 20 anos. Então, eu fui desenvolvendo um portfólio aos poucos, fui elaborando melhor, fui sofisticando, até que eu cheguei a um portfólio de uns 20 queijos e as pessoas começaram a dizer que eu deveria comercializar. Foi aí que eu comecei a planejar um negócio e colocar as coisas no papel”, relembra.
Abandonar a sala de aula não foi a única investida de Heloísa. Ela mudou também de endereço. Trocou São Paulo por uma fazenda em Joanópolis. Na área, construiu um capril. As cabras produzem leite suficiente para manter a queijaria, que tem hoje no cardápio 11 tipos de queijos finos.
Quando você faz queijo, você opera quase um milagre”, diz a mestre queijeira, fazendo bom uso das palavras para expressar seu contentamento com a produção.
“É uma transformação muito grande do leite para o produto final. E aí você tem um feedback imediato. Isso me encanta no queijo… Você transformar, ver o resultado da transformação e ao mesmo tempo ter o feedback de quem come, na hora que come”. E compara: “Porque eu trabalhava com educação que também é uma atividade de transformação, mas é uma transformação muito lenta, nem sempre você vê os resultados”.
Quem cuida do capril é o filho da Heloísa, Victor Collins, sociólogo. A reprodução dos animais é natural e tudo que o rebanho come além do pasto, desde o milho às folhas de amoreira, é plantado na fazenda. É de onde vem a diferença na qualidade do produto final.
Eu já provei todos os queijos de cabra que estão disponíveis no Brasil e muitos de fora. Aquele queijo que tem um sabor mais complexo, um sabor mais delicado, untuosidade, gostoso na boca, um sabor diferenciado, você vai ver que as cabras estão comendo coisas especiais, a boa escolha do alimento para o caprino é fundamental para um queijo bom”, ensina Heloísa.
A ordenha é feita uma vez ao dia e todo o leite fica armazenado em um tanque de expansão, com capacidade para 200 litros. Na queijaria, além de Heloísa, três funcionárias cuidam das misturas, maturação e embalagem das peças, vendidas a revendas e restaurantes do estado de São Paulo.
“Está sobrando cliente e faltando queijo. A atividade caprina tem tido um desenvolvimento recente muito bom e relativamente rápido. Se eu lembrar que, há oito anos, ninguém falava em queijo de cabra, e hoje o queijo de cabra está no topo da lista de qualquer pessoa que gosta de queijo, nos bons restaurantes e tudo… Então, eu acho que o produtor precisa abrir a cabeça para a variedade que o gourmet de queijo busca”, sugere.
Os mofos, fermentos e até o carvão utilizado nas receitas são importados. Quase todo o mês a equipe desenvolve criações próprias. Foi assim que surgiu o queijo azul de cabra inspirado em um tipo bastante tradicional na Inglaterra. A aposta já é destaque internacional. A versão do Capril conquistou a 11ª posição em um famoso concurso nos Estados Unidos, que elege os melhores queijos do mundo.
“Aconteceu de uma maneira muito interessante, porque em janeiro deste ano eu recebi aqui no Capril uma professora, na verdade ela é coordenadora-geral de uma queijaria escola de Merissan, da Universidade de River Falls, ela veio aqui visitar a queijaria com nove alunos, fizeram uma espécie de tour queijeiro pelo Brasil.
Ela experimentou todos os queijos e falou: esse queijo é espetacular, eu gostaria que esse queijo participasse do concurso”.
Os queijos de cabra da família Collins
Azul do Bosque
Os queijos azuis têm veios do fungo penicilium roqueforti. São feitos com leite de vaca, ovelha ou cabra. Podem ser mais cremosos, mais quebradiços, suaves ou picantes. Quase todo país europeu tem seu queijo azul. Na França, o mais famoso é o Roquefort; na Itália, o Gorgonzola; na Dinamarca, o Danish Blue; na Inglaterra, o Stilton, de leite de vaca. O Azul do Bosque é feito com leite de cabra e se inspira nos processos do Stilton inglês. No Brasil, é único e exclusivo: cremoso, com forte presença na boca e boa permanência. Consumo: É um queijo marcante e harmoniza bem com vinhos fortes ou de colheita tardia.
Lua do Bosque
Tem inspiração no queijo Camembert, originalmente feito com leite de vaca no norte da França. É um queijo coberto de mofos brancos. Por dentro é muito cremoso. Seu gosto é suave, com pouca acidez. A casca é macia e comestível. Chega ao ponto certo aos 20 dias de maturação: gosto suave, com pouca acidez. Casca macia e comestível. Muito cremoso por dentro. Consumo: Puro e frio, no rechaud com mel e castanhas crocantes, na salada, empanado e chapeado ou embrulhado e assado em massa folhada.
Rolinho do Bosque
Inspirado no Sainte Maure, um queijo de cabra tipicamente francês, originário da cidade de Sainte Maure de Tourraine, na região do rio Loire. É tradicionalmente apresentado em forma cilíndrica. Na França, é maior e conserva o tradicional palito ou canudinho de palha que o atravessa e impede que se quebre: boa acidez, grande cremosidade e sabor intenso. Consumo: Pode ser cortado em fatias não muito finas e servido em saladas, tábuas de queijos ou sobremesas, com caldas e castanhas.
Pirâmide do Bosque
Inspirada no Valençay, um queijo em formato de pirâmide chanfrada, de uma região caprina por excelência. De gosto fresco, aroma de frutas secas e um toque de capim, este queijo tem massa macia e úmida e casca de mofos brancos que crescem sobre uma camada de carvão vegetal de madeiras francesas: ligeiramente ácido, de forte presença na boca. Consumo: Poder ser integrado à refeição, cortado na horizontal em fatias grossas, coberto com um pouco de mel, com folhas verdes.
Cacauzinho
O Cacauzinho é um rolinho bem fininho e bem maturado com mofos brancos sobre cobertura de cacau e baunilha: sabor potente, com sutil toque adocicado.
Coração em Brasa
Em formato de coração, levemente prensado e recheado com uma fina camada de pimentas habaneras, chipotles e caienas. É maturado com mofos brancos sobre cobertura de carvão: cremoso e picante. Consumo: Fica bom com figos e frutas adocicadas.
Serra do Lopo
O Serra do Lopo herdou seu nome da serra local de Joanópolis, onde fica o lindo Gigante Adormecido. É um queijo de casca lavada na cerveja, maturado por aproximadamente 40 dias, com um mínimo de 20 banhos na cerveja. Casca seca e fina, macia na boca: massa muito cremosa, sabor delicado e textura fechada. Consumo: Poder ser consumido puro ou recheado e também pode ser aquecido para ser servido como um “fromage fondu”.
Chevrotin
Sequinho por fora, macio por dentro, um meia cura de leite de cabra. Tem validade longa, pode ser guardado por até dois meses na geladeira antes de abrir. Massa levemente cozida, prensagem manual, maturação mínima três semanas até a casaca secar. Consumo: Vai bem com café, chá, cerveja, cachaça, vinho. Pão quente, doce de abóbora e salada.
Caprino do Embaixador
Prensado manualmente, maturado por 400 dias em baixa temperatura. É um queijo semelhante ao Pecorino (feito com leite de ovelha). Tem acidez média, cor de pérola, casca dura e sabor ligeiramente picante. Consumo: Para comer puro com vinho riesling ou um tinto bem leve. Ou usar em recheios, massas artesanais, gratinados, molho pesto. É gostoso com um fio de mel natural.