A desoneração da folha de pagamentos, cujo prazo para sanção do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, termina à meia-noite desta quinta-feira (23) é uma medida para aliviar a carga tributária das empresas, incentivando a manutenção e criação de empregos. Trata-se, segundo a professora do Insper e sócia da área previdenciária do Pinheiro Neto Advogados, Cristiane Matsumoto, de um sistema alternativo de tributação previdenciária, e não de um benefício fiscal.
“Embora a preocupação com a evasão fiscal e o não cumprimento dos compromissos por parte de alguns empresários seja legítima, a medida visa a beneficiar o cenário econômico, a partir de uma análise ampla”, disse a especialista em entrevista.
- Confira na palma da mão informações quentes sobre agricultura, pecuária, economia e previsão do tempo: siga o Canal Rural no Whatsapp!
A medida beneficia 17 setores da economia, mas o presidente está inclinado a rejeitar a proposta aprovada pelo Congresso, por entender que, ao prorrogá-la, irá perder em arrecadação algo como R$ 9 bilhões por ano.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
Qual o real benefício de se abrir mão de uma arrecadação de R$ 9 bilhões por ano em um país em que parte dos empresários não cumpre o combinado?
A desoneração da folha de pagamentos é uma medida para aliviar a carga tributária das empresas, incentivando a manutenção e criação de empregos. Trata-se de um sistema alternativo de tributação previdenciária, e não de um benefício fiscal. Embora a preocupação com a evasão fiscal e o não cumprimento dos compromissos por parte de alguns empresários seja legítima, a medida visa a beneficiar o cenário econômico, a partir de uma análise ampla.
Mas sempre tem aqueles que se beneficiam e não cumprem com a contrapartida.
É importante notar que a eficácia dessa medida depende de um sistema robusto de fiscalização e cumprimento das leis para garantir que a desoneração seja implementada de maneira justa e eficiente. Além disso, através da sua atividade econômica, as empresas privadas também possuem importante papel no financiamento de direitos sociais e no desenvolvimento econômico do País. Por essa razão, a desoneração da folha de pagamentos é um instrumento importante para potencializar a indústria nacional.
Desde 2011 a desoneração permite as empresas substituírem a alíquota previdenciária, de 20% sobre os salários, por uma alíquota de 1% a 4,5% sobre a renda bruta. Isso realmente teve efeito já que passamos anos com um elevado nível de desemprego?
A desoneração da folha de pagamentos foi inicialmente instituída pela Lei 12.546/2011 com o objetivo de reduzir custos com a folha de salários e potencializar a competitividade da indústria nacional, estimulando a formalização do mercado de trabalho. Isso porque, ao passar a recolher a contribuição sobre a receita bruta, em detrimento à folha de pagamentos, a empresa pode realocar os valores economizados na promoção de novos empregos e de melhores condições de trabalho aos empregados. Apesar dos desafios econômicos enfrentados pelo País, incluindo períodos de alta taxa de desemprego, a medida tem sido uma ferramenta para as empresas reduzirem custos com a folha de pagamento e, assim, possivelmente investir mais em contratações e expansão.
É possível estabelecer uma relação direta entre desoneração da folha e nível de desemprego?
A princípio, não é possível estabelecer uma relação direta e definitiva entre a desoneração da folha de pagamentos e o nível de desemprego do País. Isso porque a desoneração da folha é apenas um dos instrumentos fiscais utilizados para impulsionar as relações formais de emprego.
Por quê?
Ocorre que nos últimos anos temos acompanhado o surgimento de outros fenômenos que intervêm diretamente a manutenção de empregos formais, como a terceirização, a pejotização, a automatização de postos de trabalho e alterações na comercialização de bens, produtos e das relações sociais. Todos esses elementos influenciam as relações trabalhistas. Assim, a análise do impacto direto da desoneração no mercado de trabalho requer um estudo detalhado, considerando múltiplas variáveis econômicas.
Não seria mais útil adotar medidas mais eficazes para produzir crescimento econômico e geração de empregos em vez de medidas paliativas e que diminuem a arrecadação, especialmente as previdenciárias?
A adoção de medidas estruturais para o crescimento e desenvolvimento econômico é crucial e é nessa toada que estamos caminhando com a Reforma Tributária, que, pelo menos nessa primeira etapa, ainda não abarca a tributação previdenciária. A desoneração, neste contexto, pode ser vista como um componente de um conjunto mais amplo de estratégias. O foco deve ser no equilíbrio entre políticas de curto prazo, como a desoneração, e reformas de longo prazo que abordem questões estruturais da economia.
Poderia dar alguns exemplos?
Estimular o empreendedorismo, investir em educação e infraestrutura, e reformar os sistemas tributário e previdenciário são igualmente importantes para criar um ambiente propício ao crescimento sustentável e à geração de empregos.
Por que um governo que vira e mexe fala em rever a reforma trabalhista e que está lutando para zerar déficits nas contas iria sancionar uma medida como essa?
O debate sobre a revisão da reforma trabalhista e a adoção de medidas como a desoneração da folha reflete a complexidade e os desafios do gerenciamento econômico. O governo, ao considerar tais medidas, busca equilibrar a necessidade de estímulo econômico com a responsabilidade fiscal. A desoneração pode ser entendida como uma forma de incentivar a atividade econômica, mesmo em um contexto de ajustes fiscais e reformas estruturais. Essas decisões requerem um olhar atento às dinâmicas econômicas e às necessidades sociais, buscando sempre o equilíbrio entre estímulo econômico e sustentabilidade fiscal.