Diversos

Reforma tributária: Congresso critica "fatiamento" e pede mais ousadia

Até o momento, o governo apresentou ao parlamento apenas a primeira parte de sua ideia para a reforma. Deputados e senadores cobram visão do todo

Lei kandir, impostos, taxa, tributo, renda, dinheiro, reforma tributária, economia, icms, teto de gastos, taxas de juros, imposto de renda, recuperação judicial, banco do brasil
Foto: Pixabay

Ao entregar ao Congresso o projeto que altera PIS/Pasep e Cofins, o governo apontou que fará a reforma tributária por etapas. Esse “fatiamento” foi alvo de críticas de parlamentares que consideram fundamental ter conhecimento de toda a proposta do Executivo. Em audiência remota nesta quarta-feira, 5, com o ministro da Economia, Paulo Guedes, deputados e senadores da comissão mista que analisa a reforma pediram que o governo apresente uma ideia global da proposta e defenderam medidas mais ousadas.

“Eu nunca li um livro onde o escritor publicasse um capítulo de vez em quando. É difícil ter uma ideia global. Não consigo saber o que pensa o governo. São tantas as interrogações sobre o que vem depois que eu acho que se o ministro colocasse todas as cartas nas mesa ajudaria muito”, disse o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR).

Para a senadora Simone Tebet (MDB-MS), a proposta pode até ser encaminhada de forma fatiada, mas é preciso que o governo apresente ao menos a espinha dorsal da reforma e garanta que não haja aumento de impostos. “Entendo a fragmentação e o fatiamento da reforma do governo federal, mas ela não pode vir de tal forma desidratada que aqueles que num primeiro momento se sentem prejudicados começam a reagir, por não saberem como serão compensados futuramente. Nós precisamos da base, da espinha dorsal do governo federal em relação a essa reforma. Qual é a primeira fase, a segunda fase, a terceira fase e a quarta fase? Qual a reforma do governo federal?”, questionou.

Diante da manifestação dos parlamentares, o ministro Paulo Guedes apontou, em um primeiro momento, que a ideia de apresentar todas as sugestões do governo de uma vez poderia dificultar o entendimento e gerar mais “barulho”. Mas reconheceu, em um segundo momento da reunião, que é importante dar uma ideia geral sobre a visão do Executivo. ” Realmente, sem ter visão da floresta ou da sinfonia toda ou pelo menos do capítulo da introdução do livro que indica quais serão os próximos capítulos, isso é verdade. Eu tenho tentado conversar aqui e ali, quando tenho um pouco de tempo, mas nós passamos no governo a maior parte do tempo nos defendendo, em vez de conseguir explicar alguma coisa”, afirmou.

Proposta tímida

Os senadores Zenaide Maia (Pros-RN) e Angelo Coronel (PSD-BA) defenderam uma reforma ampla. Zenaide disse que é preciso “cobrar dos sonegadores e dos grandes devedores”. Para Angelo Coronel, a sugestão do governo é “tímida” e sugeriu a inclusão de outros temas, como legalização dos jogos de azar, combate à pirataria e ao contrabando.

“Estou achando que a reforma está um pouco tímida. E, no quesito de redução de impostos para as pessoas jurídicas e físicas, eu acho que nós temos que aproveitar esse embalo deste Congresso reformista para aprovar, legalizar os jogos, que são mais R$ 20 bilhões que vão oxigenar a economia; combater a pirataria; e combater o contrabando, o descaminho, porque isso vai gerar outros recursos para a economia”, apontou o senador.

Vanderlan Cardoso (PSD-GO) manifestou preocupação com a proposta apresentada e afirmou que ela não se justifica, se não tiver como fim a redução da carga tributária. “Nós, brasileiros, pensamos em reduzir carga tributária. Se não vai reduzir a carga, não vejo razão para a reforma. Se a alíquota hoje é de 9,25% e vai passar para 12%, então é aumento de impostos. Não se justifica”, ressaltou.

Já o presidente da comissão, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), avaliou que o foco da reforma  deve recair sobre a simplificação dos impostos na base de consumo. “Nós não aguentamos mais conviver com uma situação tão regressiva. Segundo o Ipea, instituto da mais alta credibilidade do país, a regressividade hoje tributa em 53,9% os que ganham até dois salários mínimos e, no entanto, em 29% os que ganham acima de 30 salários mínimos. Óbvio que penaliza os mais pobres o atual sistema. Como diz o deputado Aguinaldo [Ribeiro, relator da comissão mista], nós queremos fazer essa reforma a mais ampla possível: que ela seja simplificadora, modernizadora, desoneradora e que ela também seja um estímulo à competição. É disso que o Brasil precisa”, apontou.

Grandes fortunas

A senadora Eliziane Gama e os deputados Afonso Florence (PT-RS) e Marcelo Freixo (Psol-RJ) foram outros que defenderam uma reforma mais ousada e progressiva, com foco na taxação de grandes fortunas e na tributação de lucros e dividendos, além de um imposto sobre grandes fortunas.

Professor da Fundação Getúlio Vargas e integrante da equipe do governo na reforma tributária, o economista  Isaias Coelho avaliou que a taxação de grandes fortunas é uma ideia “pouca inspirada”. “Quanto à tributação das grandes fortunas com um tributo em separado, isso deverá ser discutido, creio, pelo Parlamento, no seu momento, mas eu vejo que não é uma das ideias mais inspiradas, dado que esse tipo de imposto, que já foi adotado por mais de 50 países no mundo inteiro, foi eliminado gradativamente e quase não existe mais. Existe hoje só em três países, e assim mesmo como um imposto de nível local. E nós já temos a tributação dos bens imobiliários; nós tributamos pelo IPTU, pelo IPVA e outras formas de tributação que são muito mais objetivas e práticas”, argumentou.

Para Marcelo Freixo, a reforma precisa atacar a desigualdade social.  “Não pode, não dá para um membro da equipe econômica dizer que a gente não pode tributar grandes fortunas porque já temos IPVA e taxação sobre imóvel. Isso não enfrenta a questão da desigualdade social; muito pelo contrário, isso mantém a estrutura da desigualdade social. Quais os países do mundo que não tributam no Imposto de Renda os lucros e dividendos? Isso é uma regra mundial. Isso é básico. Isso já está pronto. Isso não é difícil de fazer. Isso é simples fazer; basta vontade política”, defendeu.

A senadora Kátia Abreu (PP-TO), por sua vez, considera que tributar serviços que não são enquadrados pelo Simples Nacional como um caminho necessário para aumentar a arrecadação sem impactar os mais pobres. “As pessoas mais ricas são as maiores consumidoras de serviços, principalmente os serviços sofisticados. As pessoas pobres consomem muito poucos serviços; são serviços simples, elas consomem muito mais bens, especificamente alimentos e vestuário, e isso é que está carregado de tributo. O serviço que as pessoas mais humildes consomem (por exemplo, corte de cabelo, manicure) são serviços que já estão enquadrados no Simples”, ponderou.

Imposto de Renda

O senador Reguffe (Podemos-DF) cobrou a correção dos limites de isenção tabela de Imposto de Renda. Na avaliação dele, a falta de correção representa na prática aumento da carga tributária. Hoje, é isento de pagamento de IR quem ganha até R$ 1.903,98. Se os limites de isenção fossem corrigidos pela inflação, conforme apontou o senador, ficaria isento de pagamento de Imposto de Renda quem ganha até R$ 3.881,85. Isso vale também para as faixas posteriores: quem ganha R$ 4 mil, que paga hoje R$ 263,87, pagaria R$ 8,88.

“Nós temos uma defasagem nos limites de isenção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física que é uma coisa estrondosa. De 1996 a 2020, nós temos uma defasagem, tomando como base a inflação do período, de 103,87%, nos limites de isenção da tabela do Imposto de Renda. Quando o governo não corrige os limites de isenção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, o que ele faz é aumentar a carga tributária de forma disfarçada para a população. O que ele faz é com que o assalariado pague mais imposto do que deveria pagar”, disse Reguffe.

O ministro Paulo Guedes concordou com a avaliação do senador, mas apontou “um problema de cultura” que “indexou tudo” ao longo dos anos em razão da alta inflação e apontou que cabe à classe política decidir se quer retomar o controle do Orçamento. “Hoje, 96% dos gastos brasileiros não estão sob controle dos senhores. Os senhores foram eleitos e só mandam em 4% dos Orçamento. A inflação fez o Congresso ir se omitindo em relação ao Orçamento. Por um lado é verdade que não podemos ficar tributando de forma oculta, por outro lado não pode cair na armadilha que estamos presos hoje que é indexar tudo”, disse.

Segundo Guedes, a correção da tabela está no “espectro da reforma tributária”, mas caberá a deputados e senadores avaliar as prioridades. “Está no nosso espectro de reforma tributária, mas é correto fazer uma correção não só do piso, mas de todas as faixas. Se passarmos o piso de R$ 1.900 para R$ 3.000, custa R$ 22 bilhões. Custa 1 Fundeb, e é a classe política que tem que decidir se vai dar dinheiro para o Fundeb, se vai dar para os dois ou se vai aumentar impostos”, alertou.