Ao entregar ao Congresso o projeto que altera PIS/Pasep e Cofins, o governo apontou que fará a reforma tributária por etapas. Esse “fatiamento” foi alvo de críticas de parlamentares que consideram fundamental ter conhecimento de toda a proposta do Executivo. Em audiência remota nesta quarta-feira, 5, com o ministro da Economia, Paulo Guedes, deputados e senadores da comissão mista que analisa a reforma pediram que o governo apresente uma ideia global da proposta e defenderam medidas mais ousadas.
“Eu nunca li um livro onde o escritor publicasse um capítulo de vez em quando. É difícil ter uma ideia global. Não consigo saber o que pensa o governo. São tantas as interrogações sobre o que vem depois que eu acho que se o ministro colocasse todas as cartas nas mesa ajudaria muito”, disse o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR).
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Para a senadora Simone Tebet (MDB-MS), a proposta pode até ser encaminhada de forma fatiada, mas é preciso que o governo apresente ao menos a espinha dorsal da reforma e garanta que não haja aumento de impostos. “Entendo a fragmentação e o fatiamento da reforma do governo federal, mas ela não pode vir de tal forma desidratada que aqueles que num primeiro momento se sentem prejudicados começam a reagir, por não saberem como serão compensados futuramente. Nós precisamos da base, da espinha dorsal do governo federal em relação a essa reforma. Qual é a primeira fase, a segunda fase, a terceira fase e a quarta fase? Qual a reforma do governo federal?”, questionou.
Diante da manifestação dos parlamentares, o ministro Paulo Guedes apontou, em um primeiro momento, que a ideia de apresentar todas as sugestões do governo de uma vez poderia dificultar o entendimento e gerar mais “barulho”. Mas reconheceu, em um segundo momento da reunião, que é importante dar uma ideia geral sobre a visão do Executivo. ” Realmente, sem ter visão da floresta ou da sinfonia toda ou pelo menos do capítulo da introdução do livro que indica quais serão os próximos capítulos, isso é verdade. Eu tenho tentado conversar aqui e ali, quando tenho um pouco de tempo, mas nós passamos no governo a maior parte do tempo nos defendendo, em vez de conseguir explicar alguma coisa”, afirmou.
Proposta tímida
Os senadores Zenaide Maia (Pros-RN) e Angelo Coronel (PSD-BA) defenderam uma reforma ampla. Zenaide disse que é preciso “cobrar dos sonegadores e dos grandes devedores”. Para Angelo Coronel, a sugestão do governo é “tímida” e sugeriu a inclusão de outros temas, como legalização dos jogos de azar, combate à pirataria e ao contrabando.
“Estou achando que a reforma está um pouco tímida. E, no quesito de redução de impostos para as pessoas jurídicas e físicas, eu acho que nós temos que aproveitar esse embalo deste Congresso reformista para aprovar, legalizar os jogos, que são mais R$ 20 bilhões que vão oxigenar a economia; combater a pirataria; e combater o contrabando, o descaminho, porque isso vai gerar outros recursos para a economia”, apontou o senador.
Vanderlan Cardoso (PSD-GO) manifestou preocupação com a proposta apresentada e afirmou que ela não se justifica, se não tiver como fim a redução da carga tributária. “Nós, brasileiros, pensamos em reduzir carga tributária. Se não vai reduzir a carga, não vejo razão para a reforma. Se a alíquota hoje é de 9,25% e vai passar para 12%, então é aumento de impostos. Não se justifica”, ressaltou.
Já o presidente da comissão, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), avaliou que o foco da reforma deve recair sobre a simplificação dos impostos na base de consumo. “Nós não aguentamos mais conviver com uma situação tão regressiva. Segundo o Ipea, instituto da mais alta credibilidade do país, a regressividade hoje tributa em 53,9% os que ganham até dois salários mínimos e, no entanto, em 29% os que ganham acima de 30 salários mínimos. Óbvio que penaliza os mais pobres o atual sistema. Como diz o deputado Aguinaldo [Ribeiro, relator da comissão mista], nós queremos fazer essa reforma a mais ampla possível: que ela seja simplificadora, modernizadora, desoneradora e que ela também seja um estímulo à competição. É disso que o Brasil precisa”, apontou.
Grandes fortunas
A senadora Eliziane Gama e os deputados Afonso Florence (PT-RS) e Marcelo Freixo (Psol-RJ) foram outros que defenderam uma reforma mais ousada e progressiva, com foco na taxação de grandes fortunas e na tributação de lucros e dividendos, além de um imposto sobre grandes fortunas.
Professor da Fundação Getúlio Vargas e integrante da equipe do governo na reforma tributária, o economista Isaias Coelho avaliou que a taxação de grandes fortunas é uma ideia “pouca inspirada”. “Quanto à tributação das grandes fortunas com um tributo em separado, isso deverá ser discutido, creio, pelo Parlamento, no seu momento, mas eu vejo que não é uma das ideias mais inspiradas, dado que esse tipo de imposto, que já foi adotado por mais de 50 países no mundo inteiro, foi eliminado gradativamente e quase não existe mais. Existe hoje só em três países, e assim mesmo como um imposto de nível local. E nós já temos a tributação dos bens imobiliários; nós tributamos pelo IPTU, pelo IPVA e outras formas de tributação que são muito mais objetivas e práticas”, argumentou.
Para Marcelo Freixo, a reforma precisa atacar a desigualdade social. “Não pode, não dá para um membro da equipe econômica dizer que a gente não pode tributar grandes fortunas porque já temos IPVA e taxação sobre imóvel. Isso não enfrenta a questão da desigualdade social; muito pelo contrário, isso mantém a estrutura da desigualdade social. Quais os países do mundo que não tributam no Imposto de Renda os lucros e dividendos? Isso é uma regra mundial. Isso é básico. Isso já está pronto. Isso não é difícil de fazer. Isso é simples fazer; basta vontade política”, defendeu.
A senadora Kátia Abreu (PP-TO), por sua vez, considera que tributar serviços que não são enquadrados pelo Simples Nacional como um caminho necessário para aumentar a arrecadação sem impactar os mais pobres. “As pessoas mais ricas são as maiores consumidoras de serviços, principalmente os serviços sofisticados. As pessoas pobres consomem muito poucos serviços; são serviços simples, elas consomem muito mais bens, especificamente alimentos e vestuário, e isso é que está carregado de tributo. O serviço que as pessoas mais humildes consomem (por exemplo, corte de cabelo, manicure) são serviços que já estão enquadrados no Simples”, ponderou.
Imposto de Renda
O senador Reguffe (Podemos-DF) cobrou a correção dos limites de isenção tabela de Imposto de Renda. Na avaliação dele, a falta de correção representa na prática aumento da carga tributária. Hoje, é isento de pagamento de IR quem ganha até R$ 1.903,98. Se os limites de isenção fossem corrigidos pela inflação, conforme apontou o senador, ficaria isento de pagamento de Imposto de Renda quem ganha até R$ 3.881,85. Isso vale também para as faixas posteriores: quem ganha R$ 4 mil, que paga hoje R$ 263,87, pagaria R$ 8,88.
“Nós temos uma defasagem nos limites de isenção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física que é uma coisa estrondosa. De 1996 a 2020, nós temos uma defasagem, tomando como base a inflação do período, de 103,87%, nos limites de isenção da tabela do Imposto de Renda. Quando o governo não corrige os limites de isenção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, o que ele faz é aumentar a carga tributária de forma disfarçada para a população. O que ele faz é com que o assalariado pague mais imposto do que deveria pagar”, disse Reguffe.
O ministro Paulo Guedes concordou com a avaliação do senador, mas apontou “um problema de cultura” que “indexou tudo” ao longo dos anos em razão da alta inflação e apontou que cabe à classe política decidir se quer retomar o controle do Orçamento. “Hoje, 96% dos gastos brasileiros não estão sob controle dos senhores. Os senhores foram eleitos e só mandam em 4% dos Orçamento. A inflação fez o Congresso ir se omitindo em relação ao Orçamento. Por um lado é verdade que não podemos ficar tributando de forma oculta, por outro lado não pode cair na armadilha que estamos presos hoje que é indexar tudo”, disse.
Segundo Guedes, a correção da tabela está no “espectro da reforma tributária”, mas caberá a deputados e senadores avaliar as prioridades. “Está no nosso espectro de reforma tributária, mas é correto fazer uma correção não só do piso, mas de todas as faixas. Se passarmos o piso de R$ 1.900 para R$ 3.000, custa R$ 22 bilhões. Custa 1 Fundeb, e é a classe política que tem que decidir se vai dar dinheiro para o Fundeb, se vai dar para os dois ou se vai aumentar impostos”, alertou.