– Investimos na irrigação primeiro porque tínhamos problemas de veranico. Caía muito a produção na época. Descobriu-se a efetiva vocação da região, que tem, em função da altitude, uma temperatura amena ideal para o cultivo de diversos produtos de hortifruti, como batata, cebola, entre outros. Por termos um período seco definido entre maio e setembro, é possível cultivar essas culturas de alto valor agregado – explica o diretor do Sindicato Rural de Cristalina, Vitor Simão.
A área irrigada em Cristalina poderia ser quatro vezes maior, mas a falta de energia elétrica e a demora na liberação das licenças ambientas para a construção de represas barram esse crescimento.
– Temos no município uma subestação de 62 mil KVA que está com sua capacidade esgotada e não consegue atender a expansão. Temos uma demanda reprimida no município só para a irrigação de 54 mil KVA; tudo o que foi feito de infraestrutura de energia, fora a subestação, toda a parte de distribuição das redes que levam energia para a fazenda foi feita com recursos de agricultores. Falta investimento do Estado, da distribuidora de energia – acrescenta Vitor Simão.
Dez projetos de construção de represas já receberam a outorga de uso e represamento de água na cidade, mas eles aguardam a aprovação dos órgãos ambientais. É o caso do produtor rural Aldacir Minetto, que pretende ampliar o reservatório que compartilha com os produtores vizinhos, mas ainda não obteve a licença.
– Ninguém quer atropelar um regulamento, um órgão. Queremos que olhem com atenção e acelerem os processos que estão aí, travados, para que a gente consiga aumentar a área irrigada no campo, aumentar a produção. As linhas de crédito estão disponíveis, mas para acessar, tenho que estar com todas as licenças em mãos. Se eu não tenho a energia, se eu não tenho a outorga, a licença ambiental, eu não tenho como encaminhar esse projeto para o banco para aportar esse recurso – explica o diretor do sindicato.
O Plano de Ação do Agronegócio, elaborado por especialistas com a participação de entidades ligadas ao setor, trata a irrigação como prioridade. O documento propõe:
• Desburocratização do sistema de liberação de licenças;
• Revitalização da irrigação em áreas de alto risco climático;
• Melhorias na regulamentação da Agência Nacional de Energia Elétrica;
• Ministério da Agricultura como gerente do processo;
– O que é importante, talvez muito mais do que ter diversos órgãos tratando da agricultura, é que haja uma coordenação deste processo. Um dos instrumentos que foi exercitado e abandonado é aquele grupo de representantes de ministros que se reunia para discutir e tomar decisões em agricultura. As funções estão muito dispersas e sem comunicação. O que é mais importante é a coordenação das ações das atividades do processo, tanto de produção como de comercialização do agronegócio como um todo. Não é necessário criar mais institutos, mas talvez o contrário, diminuir os órgãos e garantir que haja uma coordenação efetiva entre eles – destaca Elisio Contini, da Embrapa.
Em 2013, o governo federal aprovou a criação do Plano Diretor Nacional da Irrigação, que ainda não foi regulamentado.
– Você terá uma política única de irrigação no país, junto com o Plano Nacional de Irrigação e os planos diretores dos Estados, que irão comungar no sentido de identificar a área a ser irrigada, os parâmetros, a questão dos recursos hídricos, de como o governo atuará. Ela norteia todo esse caminho – sublinha Guilherme Ferreira da Costa, secretário Nacional de Irrigação, do Ministério da Integração.
O Ministério da Integração Nacional informa que o plano pode minimizar os problemas na obtenção de energia e licenças ambientais, mas que depende de outros órgãos do governo federal para solucionar essas questões.
– A questão de energia não é só para a irrigação. Hoje, você tem problema de energia em vários segmentos, até na cidade. A regulamentação, de certa forma, esclarece, mas dizer que a gente vai resolver a questão, foge do âmbito da SNI [Secretaria Nacional da Irrigação]. A regulamentação terá alguns critérios que facilitarão a obtenção, mas a regulamentação quem expede é o Ibama, que tem seus próprios critérios. A regulamentação conjugada com os planos diretores vai sanar alguns problemas de viabilidade – acrescenta Costa.
O Brasil tem 6 milhões de hectares irrigados, sendo que 95% são projetos privados. Apenas Minas Gerais e Rio Grande do Sul têm planos diretores de irrigação. Outros seis Estados e o Distrito Federal estão fazendo a implementação.
Os agricultores gaúchos contam com o programa Mais Água, Mais Renda, que financia 100% dos equipamentos, como pivôs, a juros de 3,5% ao ano, com prazo 10 anos e limite de cem hectares por projeto. Em 2013, o produtor rural Rogério Oliveira, de Cachoeira do Sul, aderiu ao programa e adquiriu o segundo pivô.
– O fato de tu não mobilizar um patrimônio, um investimento, tu tem um recurso, um prazo de pagamento, que vai te dar tranquilidade, em função até dos juros. Com relação à barragem, que estamos fazendo, há vantagem porque tu tens 12 anos para pagar, sendo que tem dois anos de carência no mesmo molde de juros de 3,5% ao ano. Mas tu tens que estar com teus documentos em dia, com os impostos em dia, área liberada, tem que ser acessível para ser inspecionado – relata o usuário.
Em três anos, o programa dobrou a área irrigada no Rio Grande do Sul, que hoje é de cerca de 200 mil hectares. Além dos incentivos financeiros, o governo do Estado estabeleceu uma licença ambiental direta. O coordenador do programa, o agrônomo André Sant’ana Stolaruck lembra que alguns incentivos foram dados pelo Estado, principalmente em relação à agilidade das licenças.
Enquanto os incentivos públicos para a irrigação não chegam para os agricultores de todo o país, fica o pedido para os próximos governantes.
– É um dos países que mais chove no mundo e tem vocação agrícola. Reservando essa água do período chuvoso para o período seco, temos condições de quintuplicar nossa produção – alerta Vitor Simão.
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