A dor de quem perdeu tudo na zona rural de Brumadinho

A equipe do Canal Rural conversou com moradores da região atingida pela lama e, durante a reportagem, encontrou o corpo de uma das vítimas desaparecidas

As obras de arte instaladas em jardins fazem de Inhotim o maior museu a céu aberto do mundo. Mas nenhuma exposição atraiu tanta gente para a cidade mineira de Brumadinho como o espetáculo desastroso protagonizado pela mineradora Vale.

A barragem do córrego do Feijão rompeu na sexta-feira, dia 25. Uma onda de rejeitos da mineração, uma lama grossa e escura avançou sobre mais de 300 funcionários e dezenas de moradores que viviam perto, em uma zona rural.

Foi este o cenário catastrófico que encontrei junto com o repórter cinematográfico Helenaldo Tristão.

Foto: Pablo Valler/Canal Rural

A sinuosa MG-040 mal termina e sua atenção já é captada pela curiosa aglomeração de pessoas em uma rotatória, bem em frente a uma faculdade privada. É ali que foi montado o Centro de Apoio dos governos federal e estadual.

Policiais civis e militares, bombeiros, socorristas e técnicos da Defesa Civil entram e saem a todo momento. Caminhando, de carro, em ambulância e helicóptero. À espera deles estão os jornalistas. Apesar das insistentes abordagens, as informações são poucas.

Mais desesperados estão os parentes das vítimas, que também vêm e vão. Ficam entre os hospitais, o Instituto Médico Legal (IML) e o Centro de Apoio. Ali estava Arlete Garcia Silva, uma senhora baixa, clara, de cabelos tingidos de preto e olhos manchados de vermelho de tanto chorar. Queria saber do filho Wagner, de 39 anos, operador de empilhadeira.

“Ele pode tá aí na lama. Pode estar no mato. E ninguém procura. Eles ficam com esse helicóptero pra lá e pra cá fazendo o quê”?, pergunta ela.

A indignação tem motivo. As buscas foram interrompidas neste domingo, dia 27. O tenente coronel da Defesa Civil estadual explica que havia risco de rompimento de uma represa acima da barragem. Caso rompa, 840 mil metros cúbicos de água cairão com força por cima de toda a lama.

Apesar de todo o temor, durante esta reportagem, bombeiros avisaram que a análise havia sido concluída e não havia mais perigo. A água estaria sendo bombeada para fora da represa para diminuir a pressão.

Foto: Pablo Valler/Canal Rural

Alguns quilômetros dali, no centro da cidade, muita gente sentada nas calçadas. Moradores que vivem perto do rio foram obrigados a deixar as casas por conta do risco de rompimento. Ainda não sabiam da liberação.

Foto: Pablo Valler/Canal Rural

Giovani e Divina Ferreira estavam ali com dois cachorros na guia. Os quatro bem ansiosos. “É a segunda vez que tem toque de recolher. Já tenho até essa bolsa pronta”, mostrou ela, que agarrou a sacola embaixo do braço e seguiu em direção a ponte que leva ao bairro.

Nós fomos para o sentido contrário. Depois de algumas subidas e descidas chegamos a comunidade do Parque da Cachoeira. No fim de uma estrada de barro, um portão com telhado, desses típicos de zona rural, informava em uma placa: Sonho Meu.

 

Uma ironia do destino. Poucos passos para dentro da propriedade e já se via a lama. Tão grossa que formava um degrau sobre a grama. Três metros depois estava a casa. Estranha. É que o primeiro piso havia tombado. Era o segundo ali, no chão. Intacto.

 

Foto: Pablo Valler/Canal Rural

Encontramos um senhor olhando os destroços com medo. Uma mão sob o queixo. João da Cruz Ferreira mora uma rua acima. Veio saber se algum vizinho se feriu ou desapareceu. “Felizmente me disseram que todos as 23 casas aqui embaixo se salvaram. Porque uma moça, uma abençoada, passou aqui na hora gritando que a barragem rompeu”, contou ele eufórico e nos levou sobre uns pedaços de madeira e telhas de amianto para ver o córrego. “Tinha três metros de largura. Agora dá o quê? Dez vezes mais? Só que de lama”.

Começamos a gravar então a impressionante mar de rejeitos. Foi quando o nosso conceito de “impressionante” se redefiniu. O cinegrafista Helenaldo Tristão reparou em um brilho que se dividia em cinco partes finas. Era uma mão. Abriu a lente e se formou um braço, uma cabeça, um tronco de bruços… O resto estava abaixo da lama.

Saímos dali em busca de um socorrista. Havia muitos pelas ruas. Assim que mostramos a um bombeiro, ele avisou equipes de buscas e a movimentação começou.

Produção agrícola

Foto: Pablo Valler/Canal Rural

A porteira estava aberta. Mas não tinha expediente na lavoura. Entre as muitas pessoas que ali estavam, a maioria curiosa, só uma funcionária, Maria José Pereira Barbosa Souza. Nem precisaria falar, o olhar era de lamentação. Ela trabalhou ali a vida inteira. “De 25 a 30 pessoas tiram o sustento daqui, como vão trabalhar esta semana? Já tá secando tudo”.

Realmente, mais de um hectare de hortaliças embaixo de sol desde sexta-feira. A irrigação não funciona. Os canos foram rompidos pela avalanche, que também cobriu um espaço de plantação de no mínimo 50 x 100 metros, conta Maria. A lama também chegou no galpão. Esteiras e outros equipamentos menores, assim como caixas e cestas, se amontoam em um canto. Difícil imaginar por onde começar uma limpeza.

Pior ainda é saber que outras nove propriedades existiam por ali. Porém, ficaram submersas.

A Defesa Civil não tem registros de produtores desaparecidos, todos teriam escapado. De acordo com o presidente do sindicato rural local, Antônio Figueiredo, são 30 hectares perdidos. “Não há informações de produtores com seguro que cubra tal desastre. Eram todos de agricultura familiar”, afirma.

Conversamos também, por telefone, com a secretária de Agricultura de Minas Gerais, Ana Maria Soares Valentino. Ela informou que ainda não há um plano de ação. Mas disse que nesta segunda-feira, dia 28, vai se reunir com técnicos agrícolas, engenheiros agrônomos e Defesa Civil para pensar em como minimizar as perdas dos agricultores.

Para recuperar o que Adélia Oliveira de Souza  Gomes deixou para trás será difícil. Uma propriedade de 1,5 hectare totalmente coberta pelos rejeitos. Três suínos e 25 aves morreram. Também tinham pés de tangerina e laranja. A casa desabou.

Hoje, ela e o marido, Abel, vão dormir no abrigo improvisado montado para Defesa Civil na Unidade Básica de Saúde do bairro, junto com mais 80 pessoas.

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