Há décadas, o Brasil é referência no setor de etanol, combustível menos poluente e feito, aqui, principalmente da cana-de-açúcar, cuja produção o país também lidera. Além de manter um amplo programa de substituição de combustíveis fósseis por renováveis, o Brasil busca ampliar, no mundo, o mercado do etanol, sobretudo na Índia, outro grande produtor de cana-de-açúcar.
O uso do biocombustível traz vantagens econômicas e ambientais: cálculos da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), entidade representativa de unidades produtoras no Centro-Sul do Brasil, indicam que, entre março de 2003 – quando foram lançados os carros flex – e dezembro de 2019, o consumo de etanol reduziu em 600 milhões de toneladas as emissões de gases causadores de efeito estufa. A inovação brasileira no setor vem desde o Proálcool, que completa 45 anos em 2020.
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Na atualidade, o país também inova com o RenovaBio, programa aprovado em 2017 que visa a estimular o uso de biocombustíveis. Nele, produtores e importadores de biocombustíveis se certificam e são autorizados a emitir Créditos de Descarbonização (CBIOs). O governo estabelece metas de redução de emissões das distribuidoras de combustíveis fósseis, que terão de adquirir os CBIOs para compensar o descumprimento dessas metas. Cada CBIO que as distribuidoras adquirem equivale a uma tonelada de dióxido de carbono que deixou de ser emitido. Portanto, quanto mais as distribuidoras venderem combustíveis poluentes, mais CBIOs terão de adquirir.
A meta total das distribuidoras para este ano é de 14,5 milhões de CBIOs, ou seja, serão compensados 14,5 milhões de toneladas de CO2. Essa meta era, originalmente, de 28,7 milhões, mas foi revisada ao longo do ano por causa da pandemia da Covid-19, que reduziu a demanda por combustíveis. Para o ano que vem, a meta total é de 24,86 milhões. Ela avançará ano a ano até que, em 2030, chegará a 90,67 milhões de CBIOs, neutralizando, portanto, 90,67 milhões de toneladas de dióxido de carbono. Entre 2020 e 2030, as metas preveem neutralização de mais de 600 milhões de toneladas de CO2.
Ainda há, no entanto, disputa sobre essa questão. Recentemente, uma liminar concedida pela Justiça a pedido da Associação das Distribuidoras de Combustíveis (Brasilcom) autorizou a redução das metas de 2020 a 25% do previsto no início do ano. As distribuidoras disseram não ter condições de adquirir nem mesmo os números revisados de CBIOs por causa dos efeitos econômicos da pandemia, da falta de tempo e da baixa disponibilidade de Créditos de Descarbonização no mercado. Alguns dias depois, porém, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região suspendeu a liminar e retomou as metas anteriores.
Setor privado do etanol
Além dos programas governamentais, o setor privado também trabalha na transição para combustíveis mais limpos. No mês passado, a Raízen, joint venture de Cosan e Shell e maior processadora de cana do país, inaugurou sua primeira planta de biogás de subprodutos da cana em escala comercial, em Guariba (SP). O investimento foi de R$ 153 milhões.
A produção de biogás usa torta de filtro e vinhaça como matéria-prima. A planta foi feita na unidade da Raízen que tem a segunda maior moagem de cana, assim a matéria-prima para o biogás será o resíduo da produção de álcool e açúcar. Com isso, será possível produzir 50% de energia elétrica a mais sem que seja necessária mais cana.
“A companhia entende a importância da economia circular e os atributos da cana-de-açúcar, e com a evidente transformação na indústria dos biocombustíveis e da energia elétrica, enxergamos na biomassa a transição adequada para uma matriz mais limpa e renovável”, afirmou, em entrevista por e-mail, o Relações Institucionais e Desenvolvimento Sustentável da Raízen, Cláudio Oliveira.
O Brasil tenta estimular também que outros países adotem o etanol – hoje, o mercado do biocombustível ainda é muito concentrado em Brasil e Estados Unidos. Em janeiro, esse foi um dos assuntos na pauta da missão do presidente Jair Bolsonaro à Índia. O país é o segundo maior produtor de cana-de-açúcar do mundo, atrás do Brasil, mas a maior parte de suas usinas converte a planta apenas em açúcar, pois não têm tecnologia para produzir etanol. Isso prejudica tanto Brasil quanto Índia, já que cria um excesso de oferta do adoçante e pressiona os preços. Além disso, a Índia sofre com poluição do ar e com a necessidade de importar petróleo, dois problemas que o etanol poderia ajudar a reduzir.
Eduardo Leão de Sousa, diretor executivo da Unica, foi à Índia duas vezes após a missão em janeiro. “O trabalho continua. As missões físicas foram interrompidas pela pandemia, mas mantemos o trabalho, até em discussões virtuais com o governo deles”, afirma. Para ele, além da Índia, outros países podem evoluir na produção de biocombustíveis. “O desafio de poluição nas cidades é muito presente na Ásia. E são países que crescem muito e precisarão de mais energia ao mesmo tempo que terão de reduzir a capacidade dos fósseis.”