A alta dos preços dos grãos deixou as tradings em alerta. O receio é que produtores optassem por não cumprir os contratos de venda antecipada para poder negociar a soja e o milho nos patamares atuais. Com a provável quebra na segunda safra de milho, as empresas acompanham de perto para entender quem realmente não conseguirá entregar o volume comercializado e quem está tentando se beneficiar.
De acordo com o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove), André Nassar, as tradings se dispõem a conversar com agricultores que tiveram a produção comprometida a ponto de não terem o volume negociado para entregar. “Nossos números mostram vendas antecipadas em 60% [do milho]. Um produtor, para não honrar os contratos, tem que ter uma perda que comprometa esse volume negociado. Do contrário, ele tem volume para entregar”, afirma.
Nassar pede que sejam diferenciados os casos em que o produtor não colheu o suficiente e aqueles em que ele colheu o bastante, mas não quer cumprir com os contratos para aproveitar o preço mais alto do cereal neste momento. “Uma coisa é quebra de safra, outra é calote. Nesse caso, as empresas vão trabalhar para que ele cumpra o contrato. Não pode renegociar ou romper”.
Nesse caso, a Abiove usou uma ferramenta para acompanhar o cumprimento dos contratos de venda antecipada da safra de soja. Segundo o presidente da entidade, com um trabalho ativo das tradings, que enviaram funcionários a fazendas, o índice de inadimplência ficou dentro dos níveis normais.
“Houve todo um trabalho setorial para que isso [o descumprimento dos contratos] não ocorresse. Os times de compra das empresas foram a campo. Além disso, teve nosso trabalho de mapeamento e identificação daqueles produtores que não estavam honrando os contratos – eles eram avisados”, comenta. Agora, a associação estuda usar o mesmo mecanismo para a segunda safra de milho.
A importância de se cumprir os contratos de venda antecipada
O advogado Fernando Bilotti Ferreira, sócio do escritório Santos Neto Advogados, lembra que os contratos de venda antecipada são um mecanismo importante. Eles ajudam o produtor rural a garantir os custos de produção e uma margem de lucro, pontua.
“Antes, havia muita aflição sobre quando vender o produto. A cotação era maior na entressafra, então o produtor deixava no armazém durante um tempo para tentar vender no melhor momento. Nesse momento, a trading não comprava, porque via uma oferta maior à frente. Em época de supersafra, o excesso de produto gerava preços mais baixos do que o esperado. A venda antecipada gera segurança de quanto ele vai receber, previsibilidade”, defende.
Ferreira afirma também que as tradings não trabalham como especuladores: elas compram e negociam no mercado internacional, estabelecendo uma margem de lucro a partir do negociado com o produtor. Dessa forma, mesmo que o preço suba no futuro, as empresas também não são beneficiadas pelo aumento.
“No momento em que o produtor vendeu, a trading já vendeu ‘contra’ Chicago. Se ele não entregar para a trading, ela vai ter que honrar aquele volume, comprando no mercado, mais caro. Quem tem que pagar isso é o produtor que rompeu o contrato”, entende Nassar.
Venda antecipada é um mecanismo importante
De acordo com o advogado, os casos de calote vêm acontecendo, apesar de não representarem o setor como um todo. “Não é a regra de mercado, muito pelo contrário. E essa minoria não está adotando a mesma estratégia do passado, quando entravam com ações para rever os valores, alegando que não iriam cumprir com os contratos porque o preço estava descolado do atual. Eles só não estão entregando”, conta.
No começo dos anos 2000, os tribunais se debruçaram sobre o tema, para entender se os produtores tinham direito a renegociar. Segundo Ferreira, as decisões foram favoráveis às tradings, no sentido de que “variação do preço da commodity, alta do dólar ou quebra de safra não caracterizam força maior. Logo, não justificam a revisão do preço”.
Essa minoria acredita que a cobrança do washout – a multa pelo descumprimento do contrato – vai chegar só lá na frente e eles poderão negociar um acordo, diz o advogado. “Acham que não é um problema que terão agora”, diz o advogado.
Ao defender a flexibilização dos contratos, Ferreira pede que o produtor pense no caso contrário: se a trading comprar a um preço e depois a cotação cair 30%, eles poderão se sentir no direito de não pagar o valor combinado? “Ninguém quer mexer nessa possibilidade. Se acontecer de forma massificada, os efeitos serão trágicos”.
Nassar reitera a visão e diz que o produtor tem todo o direito de deixar a safra para ser negociada após a colheita, basta não vendê-la. Segundo ele, as empresas prestam um serviço de hedge, que vem sendo usado pela maioria dos agricultores de forma muito inteligente: eles negociam uma parte da produção futura para garantir os custos e deixam o restante para negociar no spot.
“A própria procura demonstra que os produtores querem isso. O problema é ele querer e mudar de ideia depois. Alguns querem vender antecipado e romper, se preciso. Mas não dá, não tem como ter o melhor dos dois mundos. Se só um lado ficasse com o risco, não teria esse mecanismo de hedge”, afirma o presidente da Abiove.
Produtores pedem mudanças nos contratos
Em Minas Gerais, a previsão é de perdas de pelo menos 40% na segunda safra de milho. Porém, segundo o presidente da Associação dos Produtores de Soja, Milho, Sorgo e outros Grãos Agrícolas de Minas Gerais (Aprosoja-MG), Fábio Meirelles, a maior parte dos contratos de venda antecipada firmados são de áreas irrigadas. Dessa forma, o risco de não cumprimento é pequeno.
Além disso, Meirelles defende que o agricultor faz de tudo para cumprir seus contratos. “Se não tiver condição, ele vai negociar. Ele só não cumpriria se não tivesse para entregar”, afirma.
O presidente da Aprosoja Brasil, Antonio Galvan, afirma que os produtores querem negociar, de forma amigável, uma mudança na formulação de contratos de venda antecipada. Segundo ele, é justo que, em caso de quebra de safra, o produtor não seja o único a ficar com o ônus.
“Quem compra não é inocente, sabe que é uma atividade a céu aberto. Se ele compra, tem que comprar no risco também”, defende. Galvan destaca que isso não se aplica a produtores que têm grãos para entregar, mas apenas àqueles que perderam um volume tão grande a ponto de não terem o suficiente, ou caso tenham financiado a safra usando os recursos da trading.