Pesquisadores da USP criaram um tipo de sensor que ao ser fixado nas folhas (eletrodos vestíveis) acompanha, em tempo real, a perda de conteúdo de água em culturas agrícolas.
O novo método, testado em laboratório com soja e cana-de-açúcar, pretende apoiar a gestão de decisões na agricultura de precisão. Além disso, permite a aplicação de ações preventivas e corretivas com maior eficiência em um intervalo de tempo reduzido. Isto, sem interferir na saúde das plantas. A ideia teve inspiração no uso de biossensores para o monitoramento contínuo de doenças crônicas, como a diabete, que pode indicar de maneira precoce alterações na saúde.
A pesquisadora Júlia Adorno Barbosa, do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), pertencente ao Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) em Campinas, desenvolveu os eletrodos vestíveis para as culturas agrícolas durante seu doutorado no Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP, sob orientação do pesquisador Renato Sousa Lima, do LNNano, professor da pós-graduação do IQSC.
Segundo Lima, a aplicação do dispositivo é capaz de aprimorar a sustentabilidade das lavouras e promover o crescimento econômico, já que será possível acompanhar a eficiência dos agroquímicos e aumentar a segurança alimentar, além de monitorar a toxicidade desses produtos.
Sensor
O sistema é composto de três principais elementos. O primeiro é o eletrodo vestível que fica aderido na epiderme das folhas. O segundo, um equipamento portátil com um potenciostato, sistema eletrônico capaz de aplicar uma força elétrica. Por fim, um smartphone para transmissão via bluetooth, acompanhamento e controle dos dados.
A plataforma também tem acesso pela internet, tanto por um computador quanto pelo smartphone.
Até o momento, foram realizados estudos de adesão dos sensores. Segundo o professor Lima, eles se mantiveram fortemente aderidos às folhas de soja a temperaturas diferentes em até 50ºC e ventos de até dois metros por segundo.
Também determinou-se a taxa de perda de água das plantas em um período de 24 horas. O teste ocorreu sob temperaturas variadas de 20 a 30ºC em estufas controladas.
Para tornar possível o teste do dispositivo em campo, os pesquisadores iniciaram estudos com intervalos de tempo maiores. Também feitos sob condições ambientes variáveis entre temperatura e umidade.
“No campo, na agricultura, os desafios são outros, por exemplo, a interferência da chuva, o uso de agroquímicos e a radiação solar. A nossa previsão é que no intervalo de 2 a 3 anos esses estudos possam ser concretizados. Assim, se utiiliza o nosso dispositivo em primeiros testes no campo”, explica Lima.
Melhoramento
Uma forma comum empregada para o monitoramento no campo são dispositivos que medem a umidade do solo e não das plantas. O novo dispositivo de eletrodos vestíveis, incorporados na epiderme das folhas, permite acompanhar a perda de conteúdo de água diretamente na planta e em tempo real, afirma Júlia.
Outro método muito utilizado são análises através de imagens feitas por drones verificando alterações fenotípicas nas folhas.
“Essas alterações muitas vezes só se dão em um estágio muito avançado, enquanto que no nosso dispositivo é possível estimar um status de diagnóstico precoce em termos de variação de estresse hídrico, uma vez que as medidas eletroquímicas são extremamente sensíveis, dada a técnica que nós utilizamos para monitorar”, comenta Júlia.
Durante o trabalho, testou-se o sensor em folhas de soja e cana-de-açúcar, que possuem estruturas diferentes, segundo Júlia. Ela explica que as folhas de soja possuem uma rugosidade considerável devido aos tricomas – estrutura na epiderme vegetal responsável por diminuir a perda de água das folhas, entre outras funções – porém a espessura da camada limítrofe é bem inferior à da cana-de-açúcar, facilitando a polarização por intermédio do potenciostato.
Para as folhas de cana-de-açúcar o sensor teve maior dificuldade devido à espessura da folha. Isto se resolveu de forma simples apenas aumentando o potencial aplicado pelo eletrodo. “Apenas ajustando os parâmetros do método analítico eletroquímico é possível medir com sensibilidade a perda de água em diferentes culturas”, conclui Júlia.
Ensaios de biocompatibilidade
De acordo com Júlia, uma das maiores dúvidas dos pesquisadores, era se a presença dos sensores vestíveis, a longo prazo, afetaria as funções biológicas das plantas. Por exemplo, a respiração e a transpiração. Outra preocupação era se o eletrodo alteraria a incidência de luz nas folhas, prejudicando o processo de fotossíntese.
Para verificar a biocompatibilidade a longo prazo dos eletrodos, foram realizados ensaios de simulação, no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), do CNPEM, em Campinas, utilizando uma planta controle – sem a presença do sensor – e outra com o sensor aderido ao longo de 27 dias.
“Com isso, pudemos verificar que todas essas estruturas permaneceram inalteradas na região abaixo do eletrodo. Assim permitiu a verificação de que o eletrodo não afetou em termos de distribuição e de transporte de nutrientes nas folhas. Tomando essa estrutura como base, verificamos que as funções da planta naquela região não tiveram alteração”, finaliza Júlia.