A cervejaria Heineken virou alvo de críticas no último fim de semana, após publicação de uma propaganda nas redes sociais. Na postagem, a marca demonstrava apoio ao Dia Mundial sem Carne e convidava os consumidores a comerem mais verdes.
Essa simples publicação gerou muita polêmica do setor produtivo, que vem trabalhando como nunca para colocar comida na mesa dos brasileiros em tempos de pandemia. A resposta negativa dos consumidores virou um dos assuntos mais comentados na internet.
Mas, afinal, cerveja também não é agro?
Apesar desse embate momentâneo, poucos percebem que a fabricação de cervejas é uma das principais atividades do agronegócio brasileiro. Isso é demonstrado na mais recente levantamento da Revista Forbes sobre as 100 maiores empresas do agro brasileiro, onde a cervejaria Ambev ocupa a quarta colocação geral.
O braço nacional da maior cervejaria do planeta conta com uma imensa rede de produção e consome, diariamente, toneladas de cevada, matéria-prima do malte, principal insumo da cerveja. Para a cerveja geladinha chegar ao copo do consumidor, antes mesmo da fábrica, ela precisa do trabalho árduo de produtores e cooperativas, sobretudo nos estados do Paraná e do Rio Grande do Sul.
De acordo com o Sistema de Comércio Exterior (Siscomex), o Brasil é o terceiro maior fabricante de cerveja no mundo, com mais de 1.190 empresas registradas e produção de 14 bilhões de litros por ano. A produção representa cerca de 2% do Produto Interno Bruto (PIB), com faturamento de R$ 100 bilhões por ano e geração de 2,7 milhões de empregos. Além disso, um levantamento realizado pela Associação Brasileira de Produtores de Lúpulo (Aprolúpulo) aponta que em 2019 o Brasil importou 3.600 toneladas desse que é outro dos principais ingredientes para a fabricação da bebida.
O cultivo e o compromisso do Brasil com a categoria é tão grande que, em outubro de 2019, o Ministério da Agricultura instalou a Câmara da Cerveja, com o objetivo de debater medidas para atender às demandas e fomentar a produção nacional.
Cevada
De acordo com estudo realizado pela Embrapa e a Cooperativa Agrária, o comércio internacional de cevada é de aproximadamente, 16 milhões de toneladas anuais. O Brasil ocupa atualmente a 16ª posição entre os produtores mundiais do cereal, com média de 300 mil toneladas por ano na última década. Mas sobe para o 7º lugar no quesito importações, com a produção nacional suprindo apenas cerca de 35% da demanda das maltarias instaladas.
Na projeção de cenários do relatório Outlook Brasil da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a demanda doméstica de cevada deverá crescer 53% até 2022.
Ainda segundo o estudo, o consumo de cevada deverá aumentar a cada ano, sendo usado até mesmo para o consumo animal na forma de silagem e ração. “Indiferentemente da qualidade de malte, a cevada tem sido importante alternativa nos momentos de alta no preço do milho e da soja utilizados para alimentação animal. “Empregada para produção de cerveja ou de ração, a cevada tem mercado certo sempre”, diz o estudo.
Parceira comercial das principais cervejarias do Brasil, a Agrária Malte é responsável por aproximadamente 30% da demanda nacional do produto. Produzindo e negociando cerca de 360 mil toneladas de malte por ano, a empresa vai além da variedade Pilsen, produzindo também malte Pale Ale, Vienna e Munique.
O malte produzido pela cooperativa conta com um contínuo processo de avaliação de pesquisadores da Fundação Agrária de Pesquisa Agropecuária (Fapa), desenvolvendo produtos de qualidade e com a variedade exigida pela indústria. Segundo a Agrária, os resultados de ensaios realizados pela Fapa são repassados aos cooperados e clientes em eventos como dias de campo. Veja, no vídeo abaixo, um passo-a-passo do processo produtivo do malte:
Cereais não maltados
Além do malte, algumas cervejarias adicionam em seus produtos os chamados cereais não maltados, que podem ser flocos de milho, aveia ou trigo laminado. Dependendo do sabor e da experiência que se queira passar ao consumidor, esses são os produtos escolhidos. Todos vindos dos campos brasileiros.
Lúpulo
Outro ingrediente fundamental para a produção de uma boa cerveja e que sai diretamente do agronegócio é o lúpulo. Esse produto, em sua grande maioria, é fruto de importação, mas já existem empresas e produtores desbravando o cultivo do lúpulo no Brasil.
- Produtor desenvolve o primeiro lúpulo brasileiro
- Ministério da Agricultura cria parceria para fomentar cultivo de lúpulo no Brasil
Em Fartura, no interior de São Paulo, a Brava Terra investe na produção de lúpulo 100% nacional. Mais uma fonte de renda para produtores do agro paulista.
No Brasil, o aumento da produção de cervejas artesanais ampliou a procura por lúpulo de qualidade, principalmente porque exige maior quantidade do produto na composição
No ano passado, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), por meio da Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo, e o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) anunciou um projeto de cooperação técnica com o objetivo de fortalecer a cadeia produtiva do lúpulo no Brasil.
Para quem não sabe, o lúpulo é uma planta da espécie Humulus lupulus, sendo responsável pelo aroma e amargor da bebida. A planta também possui substâncias terapêuticas na composição das flores, sendo usada pela indústria farmacêutica e de cosméticos.
“Se formos comparar hoje com cinco anos atrás, houve uma grande evolução nessa nova cadeia produtiva no país. Entretanto, ainda é muito recente esse movimento e estamos no início dos trabalhos”, explica o presidente da Associação Brasileira de Produtores de Lúpulo (Aprolúpulo), Alexander Creuz, em reportagem do Canal Rural publicada em outubro de 2020.
Além da cooperação técnica, a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) em parceria com a Ambev/Lohn implantou uma unidade de pesquisa sobre o cultivo de lúpulo, na estação experimental de São Joaquim.
O lúpulo é uma planta perene (não precisa ser plantada a cada nova safra), com duração comercial por um período de 12 a 15 anos. A partir do terceiro ano, a planta inicia o potencial produtivo.
A planta também não exige grandes extensões de terra para ser plantada e tem alto valor agregado, por isso pode ser uma boa opção para os pequenos produtores aumentarem a renda.
Cerveja é emprego no campo
Como podemos ver, a fabricação da cerveja implica na geração de empregos em várias camadas do setor produtivo. Seja no cultivo da cevada, do lúpulo ou dos cereais maltados, ou na cadeia de logística, assistência técnica ou pesquisa. Sendo assim, boicotar o consumo de cerveja é, também boicotar o setor produtivo.
A comunicação entre os setores nem sempre é dada da maneira satisfatória, mas um fato é incontestável: o agro não parou. Seja na produção de carnes, cereais ou qualquer outro tipo de produto. Essa é a força do setor.
Tanto é que, no próprio domingo, a cervejaria que deu início à polêmica recuou, publicando no Instagram uma postagem em que diz que respeitava todas as escolhas. “Para não restarem dúvidas, além de água, malte e lúpulo, sabe qual nosso ingrediente secreto? O respeito por todos os gostos”, trazia o texto.