O presidente do Tribunal de Contas da União, ministro Bruno Dantas, sugeriu em seu voto sobre o projeto de privatização do Porto de Santos que o futuro governo analise outras vendas de autoridade portuária antes de avançar com o leilão do maior complexo portuário da América Latina.
A posição do ministro vai ao encontro das preocupações de auxiliares do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que querem deixar o leilão do Porto de Santos “na geladeira” para avaliar a modelagem e os efeitos da política de privatização em outros ativos.
O governo Bolsonaro fez o primeiro leilão de autoridade portuária no início do ano, quando vendeu a Codesa, companhia docas que administrava os portos de Vitória e de Barra do Riacho, no Espírito Santo.
“O modelo de privatização de autoridade portuária só foi feito no Brasil em único porto. Sequer temos primeira avaliação dos riscos e problemas que podem derivar dessa privatização”, apontou Bruno Dantas. “Estou seguro de que o governo acatará recomendação independente de aprovarmos no plenário”, disse.
O presidente da corte inclusive relatou que a ex-ministra Miriam Belchior, integrante da transição, fez chegar a ele a intenção do novo governo de observar o desempenho de outras autoridades que venham ser privatizadas, eventualmente colocando outros portos na fila antes de avançar em qualquer direção com o Porto de Santos.
Alternativas à desestatização
Auxiliares de Lula, como Miriam Belchior, entendem que podem buscar outras alternativas à desestatização, como a concessão de serviços específicos do porto, como o de dragagem. O desenho em análise pelo TCU, enviado pelo governo Bolsonaro, prevê a venda da companhia portuária, junto da concessão dos serviços de administração do porto.
Na sessão, o ministro Benjamin Zymler questionou a motivação do governo Bolsonaro de vender a Autoridade Portuária de Santos, a SPA, tendo em vista que nos últimos anos a estatal passou a dar bons resultados financeiros.
O ministro Walton Alencar, que pediu vista do processo de privatização e interrompeu o julgamento pela Corte, apontou, contudo, a necessidade de avaliar se a administração do porto durante o novo governo continuará “sem problemas, assim como entre as outras estatais brasileiras”.
“Agora nós temos um parâmetro para comparar e impedir retrocessos”, concluiu Bruno Dantas.
Contêineres
O presidente do TCU buscou endereçar em seu voto sobre a privatização do Porto de Santos a mitigação de riscos de concentração de mercado no setor de contêineres, a partir de recomendações sobre o que deverá ser feito da área conhecida como STS10, reservada a princípio para ser um novo terminal de contêineres no Porto.
A exploração da área é cercada por uma forte disputa sobre a possibilidade de participação de armadores (companhias de navegação) entrarem na operação.
A Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP) tenta evitar a participação de grupos como Maersk e MSC sob a alegação de que, caso uma das companhias administrem a área, o setor estaria ameaçado por uma concentração de mercado vista como predatória. Já os grupos afirmam que a entidade trabalha para brecar a concorrência.
O julgamento sobre a privatização do Porto de Santos, que inclui a área do STS10, foi iniciado nesta terça pelo TCU, mas interrompido por um pedido de vista do ministro Walton Alencar. Em seu voto, Dantas aponta que a proposta de contrato de concessão do porto já prevê que as minutas contratuais para utilização dos terminais STS10 e STS53 (terminal para movimentação de fertilizantes) deverão ter cláusulas destinadas à defesa da concorrência intraportuária.
O ministro, contudo, entendeu que a previsão é insuficiente. Portanto, entendeu necessário determinar ao Ministério da Infraestrutura e à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) que prevejam, no âmbito do contrato a ser celebrado pela concessionária para a exploração do terminal STS10, uma regulação robusta para evitar que a prática de integração vertical resulte em concentração de mercado e em práticas abusivas que prejudiquem a livre concorrência e os interesses nacionais.
Além disso, sugeriu recomendar que essa regulação a ser aplicada à exploração do terminal STS10 seja consubstanciada na vedação de que empresas que estejam sob controle societário de empresas identificadas pelo Cade venham a participar do certame ou, de outro modo, a explorar a área – exceto se a licitação restar fracassada.
“Há um movimento global de verticalização, no sentido de que as empresas que operam os navios, os armadores, têm adquirido portos estratégicos. Isso significa que a empresa que possui a carga também possui portos em regiões estratégicas. Se, por um lado, ela consegue há ganho de eficiência, há risco potencial de no longo prazo haver abuso de posição dominante, com todos os outros portos da região sofrem definhamento, prejudicando interesse nacional”, disse Dantas na sessão.