A cantora Anitta publicou um stories em seu Instagram no qual, em tom de deboche, explica a amigos que a vaca precisa estar sempre prenha para dar leite. Ainda que seja uma obviedade, o comentário incomodou produtores rurais por causa da crítica à pecuária e aos produtos de origem animal feita na sequência.
Roberta Züge, doutora em reprodução animal pela Universidade de São Paulo (USP), diz que a fala da celebridade demonstra ignorância sobre o tema. “Ela pode não saber, mas utiliza muitos produtos de origem animal. Quando você vai tirar sangue, por exemplo, o líquido no fundo do frasco é heparina, feito a partir de vísceras de bovinos e suínos. Tem também o surfactante, que é extraído do pulmão bovino e permite que bebês prematuros sobrevivam”, diz.
O agrônomo Xico Graziano usou as redes sociais para criticar Anitta. No Twitter, ele afirmou que o vídeo “é bizarro”. “O ambientalismo virou uma palhaçada na boca desses artistas”, dispara.
Especialista em ética e responsabilidade social, Roberta destaca que os produtores não têm motivos para maltratar os animais, já que o bem-estar da criação implica diretamente na quantidade e qualidade de leite produzido. “É claro que existem pessoas com procedimentos inadequados, mas isso também acontece em tratamentos de pessoas. Precisamos evoluir como sociedade”, afirma.
Segundo a doutora, a intervenção humana na bovinocultura é extremamente benéfica para os animais. “Os bezerros são afastados das vacas porque algumas não têm afabilidade, elas se incomodam e precisam ser ordenhadas”, conta.
Além disso, os produtores rurais são responsáveis por procedimentos pós-parto que garantem a sobrevivência dos animais, como a ingestão do colostro, o leite secretado pela vaca nos primeiros dias que garante anticorpos ao bezerro. Outra prática importante é a cura do umbigo, que impede infecções. “Com os animais soltos, não existiria esse controle. É como os gatos, que passaram a viver até 18 anos com o cuidado humano”, explica a doutora.
Para Roberta, o vídeo de Anitta é reflexo do distanciamento entre cidade e campo. “Percebo que as pessoas perderam o contato com a zona rural. Antigamente, todo mundo tinha um avô ou tio com um sítio, via um animal nascer etc. O pessoal mais novo não tem. Quando recebem imagens chocantes [que supostamente mostram como funciona o trabalho dos produtores], eles tomam aquilo como verdade”, diz.