– Agricultores gaúchos visitaram a Argentina e conheceram a soja transgênica lá cultivada e entenderam como era mais barato em função do número de pulverizações, o que reduzia custo de água, diesel e dos defensivos agrícolas, e trouxeram para o Brasil sementes transgênicas sem permissão do governo brasileiro – explica o ex-ministro da agricultura, Roberto Rodrigues.
O grão, com resistência a herbicidas, rapidamente se espalhou pelas lavouras do Rio Grande do Sul e ganhou espaço significativo na cultura da região. Na mesma medida, as discussões entre os que apontavam os perigos e os benefícios dos transgênicos se tornaram acirradas.
– Isso provocou reação dos órgãos de defesa do consumidor que entraram na Justiça e conseguiram a proibição do plantio dessa soja transgênica que vinha da Argentina, chamada naquela época de soja maradona, porque era contrabandeada. Isso foi crescendo ilegalmente até que assumi, em janeiro de 2003, o Ministério da Agricultura e havia naquela época 12% de área brasileira transgênica, sendo que grande maioria era no Rio Grande do Sul, um pouco no Paraná e Mato Grosso do Sul – conta Rodrigues.
Próximo ao início da colheita da safra 2002/2003, houve uma forte pressão dos representantes dos agricultores para que a comercialização do produto fosse regulamentada. Almir Rebelo, produtor rural de Tupanciretã, no noroeste do Rio Grande do Sul, foi um desses produtores. Ele viveu intensamente a agonia em tentar provar que a soja transgênica traria desenvolvimento para o Brasil.
– Jamais nós imaginamos que iríamos defender o desenvolvimento brasileiro com polícia, com Justiça. No momento que discutimos a biotecnologia, apesar de usarmos a soja em uma forma não legalizada, nosso objetivo era legalizar, porque esse era o caminho – conta Rebelo como ocorreram as discussões realizadas no ano 2000.
Há quatorze anos, a cidade de Tupanciretã foi palco de um dos momentos mais tensos de toda a polêmica dos transgênicos. Foi quando fiscais agropecuários foram à região averiguar as lavouras. Os produtores rurais que tivessem plantado a soja geneticamente modificada sofreriam graves consequências: perderiam suas terras, teriam suas lavouras destruídas e poderiam até mesmo ser presos.
– Os fiscais ficaram hospedados nas dependências da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Sul (Fepagro) e só podiam sair por aqui. Nós entendemos estrategicamente que, eles não saindo de carro, não cumpririam a missão de fiscalizar. De repente, nós produtores, nos assustamos com a presença de fiscais e da ideia de ser preso ou ter a produção queimada. Foi dito que éramos criminosos, que destruíamos o meio ambiente, mas nada disso era verdade. Então montamos uma estratégia em cima do que já estávamos fazendo, trabalhando com produção auto-sustentável – explica Almir Rebelo.
Até que o tema se tornasse um debate social, durante anos os produtores rurais sofreram a iminência da prisão. Muitos foram indiciados, responderam a processos judiciais e cumpriram penas.
– Sempre que nós temos uma coisa nova, as controvérsias aparecem no sentido de entendimento de uma novidade. A biotecnologia carrega uma série de informações que são técnicas. A maioria das pessoas muitas vezes desconhecem que a liberação de um transgênico passa por todo um processo de análise criteriosa e muito exagerada, muitas vezes, porque é uma tecnologia bastante testada em laboratório previamente. São características biológicas, são conhecidas. As controvérsias tem relação com aspectos que são biológicos e com desconhecimento – conta Adriana Brondani, do Conselho de Informações sobre Biotecnologia.
A vistoria em propriedades por técnicos da Secretária da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul e a presença da Polícia Federal se tornaram situações comuns. Mesmo assim, os produtores rurais continuaram a utilizar a soja transgênica, por causa da eficiência nunca antes observada nas lavouras.
– A nossa divisa com a Argentina é o rio Uruguai. Essa fronteira é aberta. Nós sabíamos o que era a soja transgênica, sabíamos o que trazia para os argentinos e o que faria pra nós aqui. E não tínhamos nenhuma dúvida disso. Nós não tinhamos nenhum temor de nada, com relação a questão ambiental, da segurança de alimentação, nada disso – explica o produtor, Almir Rebelo.
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