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Projeto pretende dar mais autonomia para empresas na fiscalização sanitária do agro

O objetivo é tornar empresas e produtores responsáveis pelo controle sanitário, o que também deve desafogar o poder público das fiscalizações

Está em tramitação na Câmara dos Deputados, o projeto de lei do autocontrole sanitário. O projeto, criado pelo ministério da Agricultura (Mapa), pretende dar mais autonomia às empresas e produtores rurais ao torná-los responsáveis pelo controle sanitário, o que também deve desafogar o poder público com relação às fiscalizações.

“Nós enxergamos esse projeto como um marco regulatório importantíssimo, de extrema relevância que vem ao encontro do que nós fazemos, do que as indústrias já praticam e há uma otimização, melhoria dos recursos humanos do setor público”, destaca Marcelo Osório, diretor de relações institucionais da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).

“É um projeto que tem origem no governo e uma das preocupações é o crescimento do agronegócio e uma certa fragilidade no volume de pessoas que o ministério tem para fazer a fiscalização de todo esse processo produtivo”, avalia Reginaldo Minaré, diretor técnico ajunto da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

De acordo com o projeto de lei, o autocontrole irá se aplicar a pessoas físicas ou jurídicas, que realizam de forma direta ou indireta da produção agropecuária, do transporte, beneficiamento, comercialização, industrialização, ensino, pesquisa e demais processos.

A proposta estabelece que a adoção dos programas de autocontrole é obrigatória. Os programas elaborados pelas empresas ou produtores devem conter registros sistematizados e auditáveis do processo produtivo, uma previsão de como seriam recolhidos os lotes em caso de problemas e quais seriam os procedimentos adotados para autocorreção.

“O foco principal dele é a agroindústria, o próprio projeto tem um comando que não o torna obrigatório para os agentes primários de produção. Porém, o projeto de lei não tem a definição do que ele entende como agente primário de produção. Até onde abarca o setor primário? É só a produção propriamente dita ou pessoas que produzem produtos artesanais, seguindo métodos tradicionais serão ou não obrigados a produzir o seu protocolo de autocontrole?”, questiona o diretor técnico da CNA, Reginaldo Minaré.

O projeto também pretende simplificar processos de registros ao unificar os pedidos em estabelecimentos que tenham mais de uma finalidade, ao fornecer registro automático para produtos que tenham padrões tidos como normatizados.

Para o presidente da Croplife, Christian Lohbauer, um artigo no PL causa preocupação por não cobrar o registro de insumos feito pelo produtor para seu uso próprio.

“Estamos falando da possibilidade de um produtor desenvolver um determinado biodefensivo ou até um defensivo químico, sem registrar, utilizar na propriedade dele e isso ter um risco sistêmico sanitário. É isso que a gente está chamando a atenção do governo e que a gente vai tentar fazer com que não aconteça, não saia no texto”, diz.

Projeto representa o fim do auditor fiscal no agro?

No entanto, o autocontrole não significa a extinção da figura do auditor fiscal agropecuário. Alguns processos seguirão com a presença permanente do profissional, como os controles ante e post mortem. Ele também seguirá responsável pela aplicação de sanções.

Caso o auditor identifique situações irregulares, como medida cautelar será possível apreender produtos, suspender temporariamente as atividades e destruir ou devolver a mercadoria no caso das importações.

Em caso de infração, as penalidades podem ser uma advertência, com multa de até 150% do valor fixado para o lote do produto ou então em valores que variam de R$ 100 a R$ 300 mil de acordo com o porte da pessoa física ou jurídica infratora e também a natureza dessa infração.

Além disso, será possível condenar os produtos, suspender a atividade/registro ou credenciamento e cassar o registro do estabelecimento ou a habilitação profissional do envolvido.

Na avaliação da ABPA, as multas ficaram em valores altos. “Nós temos um conceito que é de não gerar uma indústria confiscatória e sim focar no caráter educativo. A multa tem que ter este caráter. Você tem hoje um cenário de uma multa máxima de R$ 15 mil reais e no PL sobe para R$ 300 mil reais. A gente entende que é um valor desproporcional”, afirma o diretor de relações institucionais da ABPA, Marcelo Osório.

“Nós estamos com uma determinação do TCU tanto de atualizar estes valores como padronizar, então estamos aproveitando o projeto de lei pra padronizar isso para todos os segmentos. Algumas destas multas não eram atualizadas desde a década de 90. E, em outros setores, nós até reduzimos o teto”, explica o secretário de defesa agropecuária do Mapa, José Guilherme Leal.

O relator da matéria na comissão de agricultura da Câmara, o deputado federal Domingos Sávio (PSDB-MG)            , já se comprometeu a estudar uma melhoria nas regras sobre multas.

“Nós estamos caminhando para ao invés de termos três tipos de punição, a chamada leve, moderada e grave, dividirmos em quatro grupos: leve, moderada, grave e gravíssima. Porque a punição tem que ser mais onerosa. Uma gravíssima que inclua adulteração, fraude, reincidência abusiva, situações que coloquem em risco a saúde do consumidor ou potencialmente possa colocar”, afirma o deputado.

Fiscais apreensivos com a mudança

Para a ministra da Agricultura Tereza Cristina, o autocontrole está de acordo com a recém sancionada lei de liberdade econômica que presume a boa-fé do setor privado perante o poder público. Além disso, a ministra admite que a máquina pública não será capaz de acompanhar a expansão do agronegócio. Por temer uma precarização da fiscalização agropecuária e até possível limitação das exportações de commodities é que ela acredita que a polícia sanitária precisa passar a atuar de forma mais inteligente.

O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários se preocupa com a medida. O presidente da entidade, Janus Pablo Macedo, diz que falta treinamento para monitorar toda a produção no campo.

“Hoje nós não possuímos um sistema robusto o suficiente para contemplar este monitoramento. Nós precisaremos de um treinamento. Esse PL vem como um novo marco regulatório das legislações nós temos hoje no Mapa. Ele vem para padronizar procedimentos administrativos, hierarquizar sanções administrativas. Mas o projeto terá também outra fase que é a da regulamentação e isso está muito aberto ainda, a gente não sabe como vai funcionar. Mesmo assim, será sempre necessária a presença do auditor e digo mais, precisamos de mais gente. Hoje temos várias áreas com gargalo, inclusive para exportação e importação de produtos vegetais”, pontua Macedo.

Compartilhamento de dados e da qualidade

O projeto de lei ainda pretende criar um programa de incentivo à conformidade que exigirá das empresas o compartilhamento em tempo real de dados operacionais e de qualidade. Em troca, serão oferecidos benefícios que devem ser determinados no momento de regulamentação da lei, e a chance da empresa regularizar possíveis infrações após ser notificada, evitando, assim, uma autuação.

A matéria, ainda em fase inicial de debate, deve ser complementada nas próximas semanas.

“Eu pretendo acrescentar um capítulo, havendo a concordância dos colegas, que deixa claro um programa nacional de inspeção e de controle nas nossas fronteiras. Este programa nas nossas fronteiras precisa ser melhor definido em lei para que a função do ministério da Agricultura, que já está implícita na função do auditor, ela fique bem clara que o Brasil tem controle nas nossas fronteiras com relação às importações, as entradas e saídas de produtos de origem animal e vegetal”, diz o deputado Domingos Sávio, relator do PL ao autocontrole.

De acordo com o secretário da defesa agropecuária do Mapa, José Guilherme Leal, a expectativa é de que o projeto seja aprovado ainda neste ano.

“A expectativa da ministra é sim aprovar, conseguir a sanção dessa lei até o final desse ano. Seria muito importante para a gente poder trabalhar no regulamento, e em 2022 trabalharmos no processo de implantação”, finaliza.