ARTIGO

'Bioinsumos, mais um passo para um agronegócio sustentável'

Advogado da área ambiental fala sobre o avanço dos bioinsumos na agricultura brasileira e a regulamentação em debate para garantir produção e uso responsáveis

muda de planta na mão de produtor
Foto: Pexels

Há anos o setor do agronegócio tem figurado como um dos pilares da economia nacional, sendo
grande responsável pela alavancagem da economia brasileira e representando em torno de 25%
do PIB do Brasil. Assim, considerando a alta capacidade produtiva do país e o consequente
protagonismo econômico, é certo que os holofotes dos investimentos foram alçados sobre o setor,
resultando na implantação de mais tecnologia, mão de obra especializada, aumento de área
cultivada e proporcionando uma maior produtividade e, por consequência, aumentando sua
importância dentro do cenário econômico.

Apesar dos bons resultados do agro, os períodos da pandemia de covid-19, sucedido pela
guerra entre Rússia e Ucrânia, escancararam um gargalo do setor: a dependência dos fertilizantes
minerais importados, vez que em torno de 85% desses insumos são trazidos de fora. Diante
desses eventos, o tema foi ganhando mais espaço e sendo amplamente divulgado como uma
barreira a ser solucionada.

Assim, ante a escassez de fertilizantes no mercado interno e externo, iniciou-se uma “corrida”
para obter os insumos para lavouras, ocasionando um aumento nos custos de produção e, por
consequência, especulação e alta nos preços das commodities.

Dessa forma, considerando a problemática de disponibilidade de fertilizantes, aliado a um mercado com anseio de investimentos alinhados aos princípios ESG e de produtos sustentáveis, a pauta dos biofertilizantes foi retomada e vem ganhando mais força como uma opção alternativa e complementar aos fertilizantes e insumos tradicionais.

Os chamados bioinsumos são produtos de origem biológica (animal, vegetal ou microbiana) utilizados para combater pragas e/ou fertilizar o solo, objetivando o aumento da produtividade da lavoura. Em síntese, são uma alternativa mais sustentável e, em via de regra, mais barata ao uso convencional de defensivos e fertilizantes químicos.

Por apresentarem baixa toxicidade e serem biodegradáveis, esses insumos biológicos promovem a implementação de uma agricultura regenerativa, reduzindo os impactos ambientais quando comparados com os agroquímicos tradicionalmente utilizados pelos produtores.

Apesar de o produtor rural brasileiro adotar uma postura conservadora quando se fala em novos insumos para sua lavoura, o custo-benefício e os bons resultados, principalmente do ponto de vista da variabilidade para combater a resistência às pragas, têm sido fatores determinantes para inserção dos produtos biológicos no mercado, demostrando que a utilização dos bioinsumos é uma tendência irreversível. Inclusive, ao perceber boas perspectivas de crescimento no setor, investidores têm visto esse segmento como um mercado valioso a ser explorado do ponto de vista econômico e ambiental.

O governo nacional, em consonância com a demanda e necessidade do mercado, em maio de 2020, instituiu o Programa Nacional de Bioinsumos com a publicação do decreto nº 10.375/2020, que tem como objetivo a ampliação e fortalecimento da utilização de bioinsumos para promoção do desenvolvimento sustentável da agropecuária nacional.

Além disso, atualmente, existem dois projetos de lei em trâmite perante as casas legislativas nacionais e que tratam sobre o tema da regulação do mercado de bioinsumos no Brasil, são eles: (i) PL nº 3.668/2021, no Senado Federal; e (ii) PL nº 658/2021, na Câmara dos Deputados. Em análise aos textos dos projetos legislativos, verifica-se que ambos possuem objetos e objetivos muito similares, pretendendo criar um marco legal dos bioinsumos, de modo a regulamentar a produção, comercialização, registro, fiscalização e a pesquisa dos bioinsumos para a utilização na agricultura.

Um dos principais pontos dos projetos se refere à definição do que são os bioinsumos e à separação, em definitivo, dos produtos químicos e dos produtos biológicos, uma vez que, hoje, os bioinsumos produzidos para comercialização seguem os mesmos passos para registro que os defensivos químicos. Essa distinção possibilitaria um processo de registro mais simplificado e multifuncional, garantindo uma desburocratização quando comparado as exigências do procedimento de registro atual.

Outro ponto “polêmico” sobre as propostas previstas pelos projetos se refere a possibilidade de fabricação de biosinumos pelos produtores dentro da propriedade rural para consumo próprio, mais conhecida como produção on farm, que gera uma redução dos custos e uma diminuição de resíduos, sendo uma forma atrativa para disseminar a utilização desses insumos. Embora seja prevista a possibilidade de produção própria, os textos legais proíbem expressamente a comercialização desses produtos.

Esse é o ponto que encontra mais resistência, principalmente, pelos grandes players da indústria de agroquímicos e por órgãos reguladores como a Anvisa, que chamam a atenção para os riscos sanitários envolvidos nesse sistema de produção.

Ainda nesse sentido, os projetos preveem a dispensa de licenciamento ambiental para a operação de biofábricas instaladas em propriedades rurais, desde que se comprove que o imóvel onde se localiza o empreendimento esteja em regularidade perante a legislação ambiental, em especial, o Código Florestal (lei federal nº 12.651/12), bem como a depender do porte do produtor. Embora disponham sobre a necessidade do acompanhamento de um profissional habilitado como responsável técnico para o desenvolvimento das atividades do manejo biológico on farm, esse ponto também tem sido alvo de críticas.

De acordo com os projetos, compete ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) a responsabilidade de fiscalizar a produção e importação de bioinsumos, seja para fins comerciais ou próprios, além de ser o responsável pelo registro de estabelecimentos e produtos.

Assim, ambos projetos dispõem, com pequenas diferenças entre si, quais penalidades administrativas que podem ser aplicadas ao infrator, dentre as quais estão a imposição de: (i) advertência; (ii) multa; (iii) inutilização/condenação do produto; (iv) suspensão de atividade, registro ou cadastro; e (v) cassação de registro ou de cadastro. As multas, a depender do texto legal, variam entre R$ 100 e R$ 300 mil.

O PL nº 658/2021 já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados e, atualmente, está aguardando deliberação em Plenário, em razão da oposição ter interposto recurso contra a tramitação conclusiva do projeto. Paralelamente, no Senado, o PL nº 3.668/2021 foi aprovado, sendo remetido à Câmara dos Deputados para revisão.

Como apresentado, a dependência da importação de insumos tradicionais e as variações de preço recentes são gargalos que afetam tanto a produtividade, quanto os custos de produção dentro do setor do agronegócio. Nesse sentido, os bioinsumos já se mostraram capazes de ocupar um papel complementar importante, garantindo uma menor dependência dos insumos tradicionais, sendo uma fonte de abastecimento estável, além de eficaz quando se fala em variabilidade para enfrentar a resistência de pragas.

Em vista disso, considerando ser uma realidade dentro da cadeia do agronegócio, o sancionamento de um marco regulatório dos bioinsumos mostra-se necessário, de modo a garantir maior segurança jurídica aos produtores e investidores, possibilitando o desenvolvimento de novas tecnologias para um produto sustentável e com custos acessíveis, mas que ainda é “pouco” explorado dentro do cenário produtivo nacional.

*João Pedro Sab é advogado da área ambiental do escritório Lobo de Rizzo


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