A triticultura brasileira evoluiu muito nos últimos 50 anos. Considerando a série histórica da Conab entre 1977 e 2021, a produção nacional de trigo triplicou, sem que praticamente houvesse incremento da área de produção. Enquanto produzíamos pouco mais de dois milhões de toneladas na década de 1970, atingimos o patamar de 7,7 milhões de toneladas na safra de 2021.
Ainda, na safra de 2022, o mercado internacional impulsionou o incremento da produção em 40%, fazendo com que o país obtivesse recorde de produção com 10,5 milhões de toneladas. Mesmo assim, o trigo é uma das poucas commodities do país que depende de importação para suprir o mercado interno.
Tradicionalmente produzido na região Sul do país, o trigo tem grande potencial de produção no Cerrado brasileiro. Áreas com altitudes superiores a 800 metros totalizam entre dois e três milhões de hectares aptos ao cultivo do cereal. A expansão da área de cultivo na região, com a produtividade média atualmente obtida, seria suficiente para suprir a demanda interna pelo produto, e possivelmente, incrementar o valor exportado.
No Cerrado, o trigo se insere de modo positivo no sistema de produção, havendo disponibilidade de cultivares adaptadas às condições climáticas da região. O trigo promove uma boa cobertura do solo para cultivo no sistema de plantio direto, além de propiciar a quebra de ciclos de infecção por patógenos de solo de culturas de verão. Do ponto de vista econômico, o trigo produzido no Cerrado é o primeiro a ser colhido no país, o que lhe confere vantagem competitiva.
Não obstante todas as qualidades do cultivo do cereal na região, para que a produção se consolide, é fundamental a disponibilização de cultivares resistentes à brusone. A doença é causada por um fungo (Magnaporthe oryzae) que infecta severamente as espigas de trigo, comprometendo a formação e enchimento dos grãos. A brusone tem ocorrência endêmica na região do Brasil Central. Em anos com condições climáticas favoráveis ao patógeno, ou mesmo quando as cultivares são semeadas no início do período recomendado pelo zoneamento climático, a brusone é de difícil controle pela aplicação de fungicidas. Assim, a resistência genética se apresenta como estratégia importante de combate à doença.
Em 2016, foi identificada a associação entre a presença de um fragmento cromossômico, denominado de “translocação 2NS”, e uma maior resistência à brusone. Originalmente identificada em um parente selvagem (Aegilops ventricosa) do trigo cultivado, a translocação 2NS foi introgredida em linhagens de trigo por meio de cruzamentos. Nessa translocação, estão ainda presentes genes que conferem resistência às três ferrugens e a determinadas espécies de nematoides do trigo.
A 2NS mostra-se efetiva na resistência das espigas de trigo à brusone, e seu efeito não é sensível sob temperaturas elevadas – como pode ocorrer em casos onde genes de resistência específica estão envolvidos. Sua eficiência foi comprovada tanto em condições de casa de vegetação como em campo, com reduções da severidade da doença de até 50%.
Atualmente, a translocação 2NS vem sendo empregada por programas de melhoramento genético de trigo, tanto na América do Sul, quanto em Bangladesh, para a geração de linhagens com maiores níveis de resistência à brusone. A introgressão desse fragmento de interesse é realizada por meio de cruzamentos entre as linhagens de trigo, e é assistida pelo uso de marcadores moleculares.
A identificação do papel da translocação 2NS na resistência de trigo à brusone representa um grande avanço na viabilização do cultivo do cereal na região do Cerrado brasileiro. No entanto, é fundamental que os esforços sejam mantidos para identificação de outras fontes de resistência que possam ser igualmente agregadas às novas cultivares geradas.
O fungo Magnaporthe oryzae caracteriza-se por alta variabilidade genética, capaz de gerar ampla virulência e maior agressividade dos isolados, com potencial de quebra de resistência das cultivares de trigo em uso.
Inclusive, novos estudos revelaram que a 2NS é menos efetiva frente a isolados mais recentes do fungo. Nesse contexto, é fundamental que práticas de manejo integrado sejam aliadas ao emprego de diferentes fontes de resistência genética na condução da cultura.
*pesquisadores da Embrapa Trigo
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