Os crimes de abigeato, caracterizados como furtos ou roubos de animais, estão entre os maiores pesadelos dos pecuaristas. Para deter a escalada de ocorrências desse tipo no Rio Grande do Sul, foram instaladas delegacias voltadas especificamente ao combate e resolução de casos envolvendo furto de gado. Desde a implantação da Delegacia Especializada na Repressão aos Crimes Rurais e Abigeato (Decrab), em 2018, o estado viu cair em quase 15% o número de casos.
Nesse período, houve uma forte queda nos furtos de animais em todos os anos seguintes, com exceção ao ano passado, que registrou um pequeno aumento. Para o delegado André Mendes de Matos, titular da unidade da Decrab em Bagé (RS), a queda dos casos reflete o avanço dos trabalho da delegacia. De 2018 até 2021, houve uma queda de 14,58% nas ocorrências.
“É uma redução bem significativa e se dá ao fato de termos voltado as nossas forças muito mais para o combate de organizações criminosas que viram no agronegócio uma oportunidade e passaram atacar esse setor, que é muito responsável pela variação positiva ou negativa do PIB do Brasil”, aponta Matos.
Preço do boi e zona livre de aftosa
A partir de 2020, os preços médios do boi registraram fortes elevações no estado e em todo o Brasil. Além disso, o status de zona livre de febre aftosa sem vacinação fez com que o rebanho bovino gaúcho fosse ainda mais visado.
“[Esse conjunto de fatores] Valorizou muito o rebanho na comparação com Argentina e Uruguai, algo que nos preocupa, porque existem relatos de gado dos países vizinhos sendo incluídos no nosso rebanho, por conta da valorização que tivemos. A introdução desse rebanho externo no nosso rebanho, além de ter uma questão sanitária e repercutir em questões de comércio exterior, no fim das contas, resultam em outros tipos de delitos, como falsificações de documentos. Então é muito comum nós percebermos comunicações fraudulentas em termos de nascimento e omissão de óbitos para poder gerar um gado apenas no papel”, aponta o delegado.
Organização
No estado, os recursos recebidos pelas unidades das Decrabs, que cobrem extensas áreas do estado, são os mesmos que recebem as delegacias da Polícia Civil. A chegada de novos equipamentos e veículos passa por parcerias com iniciativas privadas. No Rio Grande do Sul, há quatro unidades da Decrab, que se dividem e cobrem diferentes porções territoriais do estado: Bagé, Alegrete, Camaquã e Cruz Alta.
A troca de informações acaba sendo fundamental para o avanço dos trabalhos e melhor adaptação dos agentes as diversas dificuldades impostas pelos criminosos.
“Compartilhamos realidades com colegas de outros estados onde já foram implementadas delegacias especializadas, como Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais para citar exemplos. Precisamos estar sempre em contato para sabermos o que dá certo, estamos falando do crime rural que acontece no Brasil, e quando a gente fala em Brasil, temos realidades diversas, um país continental que tem na agropecuária enormes diferenças de um estado para outro. Estamos em pé de fronteira, então permanecemos sempre em contato com o Uruguai, com outras Decrabs do estado, para que a gente trate o crime organizado, devidamente organizado“, ressalta Matos.
Fronteira
Segundo o delegado, os casos de abigeato estão muito ligados ao baixo número de unidades policiais que tratam desses crimes, além do difícil policiamento em áreas de fronteira com o Uruguai e a Argentina. “É humanamente impossível a gente patrulhar 200 quilômetros de fronteira com duas viaturas, sabendo que isso acontece no meio de fazendas. É muito complicado”.
Para Matos, falta preocupação com a agropecuária e uma melhor divisão dos agentes responsáveis para o combate às ocorrências. “Se analisarmos os delitos urbanos, e compararmos com os crimes rurais, vamos ter uma desproporção muita grande em termos de atores voltados ao combate desses tipos de crimes. Vamos ter algumas delegacias por cidade tratando do crime urbano e por outro lado, vamos ter apenas quatro delegacias tratando de crimes rurais com exclusividade. E partir daí vamos fazer uma comparação com o PIB do Rio Grande do Sul, onde mais de 40% vem do agro. Precisamos dar mais atenção ao setor”, diz.
Combate ao abigeato
Antonia Scalzilli, produtora rural na região de Bagé e vítima de diversos ocorrências de abigeato, decidiu agir e combater esse cenário. A pecuarista passou a fazer parte da Comissão de Crimes Rurais do Instituto Desenvolve Pecuária, que busca conectar pecuaristas do Rio Grande do Sul.
“De tanto ser furtada, no ano de 2014, eu resolvi viver essa situação do outro lado. De tanto ser vítima, eu bati na porta do secretário de Agricultura para pedir emprego. Eu queria trabalhar no estado, saber como as coisas funcionavam, para dar um jeito de resolver um problema que era meu, mas não só meu, e sim de toda classe do agro. A partir daí, eu passei a compor um comitê de combate ao abigeato e entender como é feita a repressão a esses crimes. O que eu percebi é que muito do que se constrói acaba sendo descartado com a chegada de um novo governo”, afirma Antonia Scalzilli.
“Departamento do agronegócio”
Para a produtora, ter uma unidade da Decrab próxima à propriedade é dar passos atrás. “O sucesso no combate desse tipo de crime é justamente entender que o estado deve ser investigado como um todo. A partir do momento que começa uma investigação de quadrilhas organizadas, que vêm de municípios vizinhos, investigar o estado como um [todo]. Nós almejamos um departamento do agronegócio, algo que olhe para o Rio Grande do Sul. Não queremos a criação de mais Decrabs, e sim o fortalecimento de uma delegacia, única, um departamento do setor”.
A presidente da comissão faz ressalvas quanto à não vacinação do gado contra a febre aftosa. E defende o projeto de lei (PL) 270/2020 que institui uma política de combate ao abigeato e aos crimes rurais no estado.
“Eu tenho muito receio em relação a essa não vacinação, porque justamente em função dessas áreas de fronteira, com contrabando de gado, imagina o ‘tiro no pé’ começar um surto. Claro que a gente ganha bastante em termos de mercado externo, mas se chega a ter um surto, é um problema muito grande. Houve uma votação no dia 5 de maio de um PL muito interessante que vai nos permitir como política de Estado trabalhar algo que vem para ficar, para que isso não se desconstrua e não se perca. Cada governo que chega, até se organizar, são seis meses que se passaram. Difícil”, queixa-se.