O consumidor brasileiro sentiu no prato e no bolso o aumento no preço da carne bovina. De acordo com a Scot Consultoria, os cortes do dianteiro estiveram 54% mais caros em maio deste ano do que no mesmo período do ano passado. No caso dos cortes traseiros, a valorização foi de 42,2% no mesmo período.
Diante disso, é normal que a população esteja se questionando como é que a proteína foi subir tanto. Bom, para entender esse movimento, é necessário olhar para toda a cadeia produtiva, e em um espaço de tempo um pouco maior. Isso é necessário porque, como lembram os três especialistas ouvidos para esta reportagem, a bovinocultura de corte é uma atividade de ciclo longo.
O pecuarista brasileiro amargou um cenário de preços baixos entre 2015 e 2017, segundo o analista Rodrigo Queiroz, da Scot. Nesse período, engordar o boi ficou pouco interessante, e a alternativa lógica era diminuir a produção. Assim, até o primeiro semestre de 2018, houve um movimento de abate de fêmeas bastante forte.
Com as matrizes indo para o gancho, a oferta de bezerro, garrote e boi magro diminuiu gradativamente, dando início ao ciclo de alta dos animais de reposição. Como eles representam cerca de 60% dos custos do pecuarista, a arroba do boi gordo começou a ter os primeiros sinais de alta, acompanhando os gastos, a princípio.
Também em meados de 2018, o mundo assistiu a peste suína africana atingir o leste da Europa e a maior parte da Ásia, dizimando o rebanho de porcos da China. À época, com quase 1,4 bilhão de pessoas para serem alimentadas, a gigante asiática ampliou rapidamente o volume de compra não apenas de carne de suínas, mas também de outras proteínas animais. Assim, além de uma oferta cada vez mais restrita, a demanda internacional começou a se aquecer.
Em 2018, o Brasil havia exportado 1,35 milhão de toneladas de carne bovina. No ano seguinte, os embarques cresceram 14%, para 1,57 milhão de toneladas. Já em 2020, a exportação bateu recorde, com 1,72 milhão de toneladas, acréscimo de 9%.
A favor do mercado externo, o dólar subiu nos últimos anos. A moeda norte-americana saiu de aproximadamente R$ 3,90 no fim de 2018 para quase R$ 5,20 em dezembro do ano passado. Isso tornou a proteína brasileira extremamente barata para quem paga em dólar.
“Qualquer valor de câmbio acima de R$ 5 torna a carne bovina muito competitiva. O Brasil tem a segunda carne bovina mais barata do mundo, atrás apenas da Argentina. O boi gordo brasileiro custa US$ 58, o da Austrália, US$ 90 e o dos Estados Unidos, US$ 67”, afirma o analista Fernando Iglesias, da Safras & Mercado.
Alta do boi e do bezerro
De acordo com a Safras & Mercado, a média da arroba do boi gordo em maio foi de R$ 317,43, em São Paulo. Em relação a maio de 2018, antes do “boom” da peste suína africana na China, a alta é de 120%. À época, a média foi de R$ 143,71.
Mas isso não significa, necessariamente, que o pecuarista que recria e engorda está ganhando mais. Em maio deste ano, o bezerro teve média de R$ 3.120 por cabeça, no Centro-Sul, aponta a consultoria. No mesmo período de 2018, as cotações estavam em R$ 1.253. Ou seja, nesse período, a reposição ficou quase 150% mais cara.
A pecuária vive de ciclos, e com a valorização dos animais de reposição e do boi gordo, os produtores começaram a segurar matrizes. No curto prazo, isso significa menos animais indo para o gancho, o que contribui para sustentação dos preços. Porém, no médio prazo, representa um aumento de oferta.
Aos poucos, o mercado de reposição dá sinais disso. O primeiro deles é que a média do bezerro em maio ficou abaixo do nível de abril, quando estava em R$ 3.180. Claro, ainda está longe de uma queda brusca, e os analistas também não esperam que ela aconteça tão logo. O motivo? Não se pode acelerar o ciclo da vida. Assim como os humanos, a gestação dos bovinos leva cerca de nove meses.
“O plantel está em fase de recomposição, mas vamos ver isso [o aumento de oferta] apenas no ano que vem. Não acontece de maneira imediata. E com a redução dos últimos anos, o ritmo de nascimento não está acompanhando a demanda por reposição”, afirma Iglesias.
Com a baixa oferta de animais, o mercado da carne bovina vem sendo pressionado para cima. Porém, a diretora da Agrifatto, Lygia Pimentel, afirma que o consumidor precisa entender que a alta do bezerro e do boi gordo não foi transferida diretamente para a gôndola.
“O custo subiu ainda mais do que o boi gordo. A cadeia está toda esticada e há uma dificuldade de repasse. O escoamento está muito ruim”, afirma Lygia. Segundo ela, enquanto os custos de produção da pecuária subiram 70% no último ano, o boi gordo subiu 50%, a carne no atacado avançou 48% e a proteína que chega ao varejo teve alta de 35%.
Nesse custo mencionado pela diretora da Agrifatto, entram também os grãos usados na ração animal. O crescimento do confinamento no Brasil depende de milho, farelo de soja e outros produtos que ofereçam uma boa nutrição aos animais. Além disso, houve também altas nos combustíveis, na energia elétrica e nas embalagens.
Dados do varejo coletados pela Scot Consultoria mostram que, entre as carnes do dianteiro bovino, que costumam ser mais baratas, o peito subiu de R$ 20,50 em maio do ano passado até R$ 32,54 no fechamento do mês passado. A paleta passou de R$ 26,54 para R$ 36,16 no mesmo período. O acém subiu de R$ 23,46 para R$ 33,52 em um ano.
Afinal, a carne bovina vai continuar subindo?
Direta ou indiretamente, a China ficou com 60% da carne bovina exportada pelo Brasil em 2020. O apetite chinês foi tanto que levou o que os analistas chamam de share da carne bovina, a divisão do que fica no país e o que é exportado, para níveis recordes. O enfraquecimento da economia, fragilizada pela pandemia da Covid-19, também aumentou a dependência do mercado externo.
Sim, os produtos subiram também porque a indústria local precisou competir por matéria-prima com a demanda internacional. De novo: pagando em dólar, e por isso tendo no Brasil uma das arrobas mais baratas do mundo.
Dessa forma, é o mercado externo quem deve ditar a tendência do boi gordo e, consequentemente, da carne bovina. Iglesias lembra que o governo da China fala em um verdadeiro milagre na recomposição do plantel de suínos. O nível de matrizes está quase no nível observado antes da peste suína africana.
“Além disso, a produção quase feudal, familiar, passa a ter um controle maior do governo e um grau de excelência maior, incorrendo em menor risco sanitário”, diz o analista da Safras & Mercado. Porém, a produção de suínos só deve se normalizar em 2022. “A China deve continuar comprando muito agressivamente em 2021 e ir reduzindo, sistematicamente, em 2022, até por questão de autossuficiência”.
Se a demanda da principal importadora da carne bovina brasileira diminuir, analistas não acreditam que exista outro mercado capaz de absorver e remunerar tão bem quanto os chineses. Dessa forma, sobraria mais proteína no mercado. A questão é: o consumidor local tem condição de absorver os produtos nos patamares atuais?
Por alguns meses, as parcelas de R$ 600 do auxílio emergencial ajudaram parte da população a conseguir carne bovina. Mas, conforme o valor foi diminuindo (sendo até extinto por um curto período), o poder de compra diminuiu.
Agora, para os especialistas, a retomada econômica é o único caminho possível para melhorar a renda das famílias. “A única maneira de dobrar essa situação é criar empregos e melhorar o poder de compra”, afirma Lygia Pimentel.
Ela e Iglesias destacam o papel fundamental da vacinação contra a Covid-19 para que isso transcorra da melhor forma. “Porque a vacina permitirá a retomada da economia sem risco de colapso no sistema de saúde, impedindo que continuemos neste abre e fecha eternamente”, diz o analista da Safras.
Caso a imunização não consiga avançar e o país seja atingido por uma nova onda, levando a novas medidas de restrição, mais pessoas podem ser empurradas para a linha da pobreza, ficando sem acesso à carne bovina.
No cenário positivo, se a economia conseguir avançar, o mercado interno tende a absorver uma parcela do que a China comprava. Outra alternativa que pode ser adotada para impedir que a arroba do boi gordo despenque é uma redução no rebanho do país.
Para o analista da Scot Consultoria, Rodrigo Queiroz, a tendência para a carne bovina ainda é de alta até meados de 2022. A partir de 2023, deve começar a cair gradualmente.