A ONG Amigos da Terra exibiu o vídeo “Radiografia da Carne” com cenas do abate cruel de bovinos e suínos em mais de 200 abatedouros de oito Estados brasileiros. Animais, ainda vivos, são transportados amontoados na carroceria de caminhões; arrastados pelo chão, ainda agonizantes; submetidos a bastão elétrico; e, depois, mortos com golpes de marreta na cabeça.
O diretor da ONG, Roberto Smeraldi, explicou que os maus tratos estão concentrados em abatedouros legalizados, mas submetidos apenas à inspeção estadual ou municipal.
– A gente estima que, aproximadamente, 80% dos produtos que saem dos frigoríficos com suposta inspeção estadual e municipal, na realidade, não são inspecionados. O que significa, no final, que um terço da carne que chega à mesa do brasileiro são abatidos de forma incorreta. A própria infraestrutura [dos abatedouros] não tem condições de higiene mínimas; e, muitas vezes, há falta de equipamento de proteção do trabalhador.
Smeraldi citou dados do IBGE quanto ao abate de 30 milhões de cabeças de gado no Brasil, só em 2012. Segundo ele, o país conta com cerca de 1.500 frigoríficos legalizados, “mas poucos são fiscalizados”.
Abate humanitário
A crueldade com animais é expressamente proibida pela Constituição. A Declaração Universal dos Direitos dos Animais prevê o chamado “abate humanitário”, ou seja, instantâneo, sem dor nem angústia. O Ministério da Agricultura e a ONG WSPA Brasil, mais conhecida como Sociedade Mundial de Proteção Animal, mantêm um convênio, desde 2008, para a capacitação de veterinários e equipes de abate.
A diretora da ONG, Charli Ludtke, criticou a Lei 7.889/89, que trata de inspeção sanitária e industrial dos produtos de origem animal, por ter descentralizado a fiscalização dos abatedouros, dando poderes aos Estados e aos municípios.
– A partir daí, houve uma discrepância entre as fiscalizações federal, estaduais e municipais.
Carne para exportação
Para Charli Ludtke, a fiscalização só é eficaz nos abatedouros que produzem carne para exportação e são submetidos à inspeção federal, por meio do Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Sisbi), que faz parte do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa), e padroniza e harmoniza os procedimentos de inspeção de produtos de origem animal para garantir a inocuidade e segurança alimentar.
Charli defendeu a adesão obrigatória de estados e municípios a este sistema.
– Com a unificação do sistema Sisbi, adotando-se critérios de fiscalização e padrões, automaticamente haverá melhoria de infraestrutura. Mas tem que haver maior adesão dos municípios e, principalmente, dos estados – acrescentou Charli.
Hoje, a adesão ao Sisbi é voluntária e, segundo pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), apenas 20% das prefeituras brasileiras aderiram ao sistema, além disso, 68% dos municípios sequer têm um serviço de inspeção instalado. O consultor da CNM Mário Augusto Ribas do Nascimento ressaltou que a entidade tenta reforçar a adesão dos prefeitos ao Sisbi/Suasa, mas reclama da falta de recursos financeiros para implementar inspeções eficazes.
A médica veterinária e fiscal federal do Ministério da Agricultura Liziê Pereira Buss informou que a proposta de regulamentação técnica do abate humanitário está aberto para consulta pública no site do ministério. O texto eleva o nível de proteção aos animais, reforça a responsabilidade dos abatedouros e define os procedimentos proibidos. Também já existe um grupo de trabalho que elabora propostas para o transporte correto de animais para abate. O texto deve ser apresentado em 2014.
Riscos ao consumidor
A coordenadora de doenças alimentares do Ministério da Saúde, Rejane Alves, admitiu que os riscos para a saúde do consumidor são evidentes. Toxoplasmose e cisticercose, doenças graves que atacam o cérebro e o fígado, estão entre aquelas diretamente associadas ao consumo de carnes abatidas de forma irregular.
Rejane acrescentou que a Vigilância Epidemiológica das Doenças Transmitidas por Alimentos funciona desde 1999, com foco na redução da incidência de doenças por meio de medidas de prevenção, controle e educação continuada. Em 2012, foram registrados 792 surtos e 20 mil doentes, a maior parte no Sudeste.
– São vários tipos de doenças, desde uma simples diarreia a problemas neurológicos, hepáticos e renais. Há necessidade de o consumidor procurar saber a fonte, a procedência desse alimento e, assim, ter a opção de escolha e de compra.
Diante da gravidade do caso, o deputado Ricardo Tripoli (PSDB-SP) anunciou a articulação de uma CPI para investigar esses casos.
– Vou tentar de forma conjunta, Câmara e Senado, uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar tanto a questão da saúde pública quanto o abate humanitário e o respeito aos nossos animais.
O coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Sarney Filho (PV-MA), apoiou à iniciativa de criação da CPI. O deputado Tripoli, autor do pedido de audiência pública, pediu mais rapidez na tramitação de seu projeto de lei (PL 215/07), que institui o Código Federal de Bem-Estar Animal, e tramita na Câmara desde 2007.