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Desafios de produtores rurais dez anos depois da febre aftosa

Pecuaristas relembram animais sacrificados no ano 2000Como recomeçar depois de ter perdido tudo? Na região de Joia, no Rio Grande do Sul, foi o desejo de permanecer na atividade que ajudou os produtores a superar o trauma da febre aftosa.

? Eu não fui lá ver matar. Daqui se ouviam os tiros. Ainda lembro. A gente ficou apavorado nos primeiros dias, depois foi se acostumando. Todo mundo sentiu bastante, já que tiraram as vaquinhas que estavam todo o dia da em volta da gente ? lembra a produtora Oracema Menegaci.

? Eu perdi 42 animais de leite. No dia que mataram as vacas eu tinha 18 vacas na ordenha, com 360 litros. As outras eram todas novilhas. Eu perdi tudo. Foi muito difícil. Até hoje ainda a gente não se conformou, principalmente a minha esposa. Ficou só a gente aqui ? lamenta o atual prefeito do município, Jânio Andreatta.

? A gente sentia falta. Levantava de manha cedo e não tinha o que fazer. Aí ficava aquele silêncio, mas a gente foi se adaptando. Alguma coisa tinha que mudar, a esperança era que um dia mudasse ? conta Aquiles Della Flora.

Em Joia e também nos municípios vizinhos de Eugenio de Castro e Augusto Pestana, os 595 produtores que tiveram seus rebanhos contaminados pelo vírus da febre aftosa no ano 2000 contam diferentes histórias sobre o drama vivido por essas famílias ao terem que sacrificar mais de 11 mil animais. São histórias como a do agricultor Jaime Andretta, que perdeu 27 vacas leiteiras e duas cabritas. Para ele, o rebanho tinha um significado especial.

? Aqueles animais eram praticamente uma família, com a qual você convive dia-a-dia ? diz Jaime.

O sacrifício dos animais foi um trauma para os Andreatta. Nos últimos dez anos, a família sofreu e se desmotivou. Ficaram durante um tempo só plantando, mas há cinco anos decidiram retomar a criação de gado leiteiro. Com os R$ 25 mil que ganharam com a indenização do Estado, compraram um novo lote de vacas e terneiros. A dedicação e o cuidado com os animais são o mesmo de antes.

? A produtividade está em torno de 200 a 300 litros, e a tendência é só aumentar. Na época, era de R$ 100 a R$ 120 por dia. Isso é resultado da qualidade e do investimento que a gente fez pensando em continuar na atividade ? avalia.

O leite, que na época da febre aftosa acabou sendo jogado fora pelos produtores, foi o que ajudou a recuperar a economia do município. A produção passou de 36 mil litros por dia na época para 76 mil litros por dia. O atual prefeito, Jânio Andreatta, garante que o município está melhor.

? Hoje o município se encontra bem, com uma grande produção de leite, uma reposição praticamente total dos animais perdidos na época ? diz.

Jânio, que também viveu a experiência de ter animais sacrificados, foi sensível à situação dos produtores e criou programas de ajuda à recuperação das propriedades.

? Nós trabalhamos também com a inseminação, que é uma coisa muito importante para a melhoria do plantel. Temos também incentivado a criação das cooperativas e associações de produtores. Temos comprado máquinas, ensiladeiras e enfardadeiras, tratores, e estamos  passando para cooperativas e associações para fazerem esse serviço e também para alimentação do gado leiteiro que é muito importante ? diz o prefeito.

Em um assentamento da reforma agrária, os animais foram todos sacrificados. Os agricultores assentados tiveram dificuldades para recompor o rebanho.

? Foi muito difícil. Teve um aumento geral dos animais, a origem leiteira, principalmente quando falava que os animais eram adquiridos para vir para Joia. O preço tem elevado mais de 40%, 50%, mesmo indo na mais diferentes regiões desse Estado ? relembra o produtor José Cenci.

O tempo e a ajuda do governo foram fundamentais para as famílias retomarem seus negócios.

? Hoje passados dez anos, eu acredito que se estabilizou a questão emocional das famílias e nós tem recuperado mais de 90 por cento da situação econômica ? analisa Censi.

Foi preciso uma década para que a população de Joia e dos municípios que um dia foram surpreendidos pelo vírus da febre aftosa retomassem suas atividades normais. Tempo necessário para recuperar a economia e esquecer as histórias tristes que marcaram a vida desses agricultores.

? Eu me lembro, eu cheguei numa família lá, a mãe me colocou a criança no colo e me perguntou: ‘O senhor me garante que eu vou ter leite para essa criança se o senhor matar minhas vacas aqui?’ É um troço maluco! ? lembra o ex-secretário da Agricultura, José Hermeto Hoffmann.

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