Não é apenas a entressafra que explica a inflação dos lácteos no Brasil. Apesar de o litro de leite UHT ter atingido o valor de até R$ 8 em alguns estabelecimentos, por causa da chegada do inverno e da redução das chuvas em boa parte das regiões produtoras, o produto já seguia em elevação nos últimos meses.
Motivos
Segundo Glauco Carvalho, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, a principal causa do aumento é a menor oferta do produto nos laticínios, o que se deve principalmente à elevação dos custos de produção.
A entressafra tem início em abril, mas, segundo o pesquisador, “a oferta de leite já vinha fraca desde de meados de 2021 e acentuou nos primeiros meses de 2022”, afirma Carvalho.
Além disso, a entressafra acentuou a escassez de leite no mercado. Nos últimos anos, houve uma alta de 62% nos custos para o produtor, gerando uma elevação de 43% no preço ao consumidor.
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Segundo Carvalho, o preço, mesmo em alta, não está sendo suficiente para cobrir os custos, o que piorou a rentabilidade nas fazendas e levou o produtor a diminuir a oferta, reduzindo a alimentação das vacas.
Dados
De acordo com a pesquisa referente à compra de leite pelos laticínios no primeiro trimestre do ano, os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelaram uma queda de 10,51% em comparação aos três primeiros meses de 2021 (veja figura 1). Essa foi a quarta queda trimestral consecutiva e a maior em uma avaliação trimestral desde o início da pesquisa, em 1997.
“O volume de leite adquirido no primeiro trimestre deste ano foi o equivalente ao observado em 2017, o que significa que a indústria regrediu cinco anos em termos de captação de leite”, explica.
Em conclusão, a expectativa é que os números do segundo trimestre, que coincide com o início da entressafra, repitam o cenário de escassez do primeiro trimestre. Mas no segundo semestre, a perspectiva é de algum crescimento na oferta, motivada pelo início do período de chuvas e também por uma recuperação nas margens de lucro do produtor.
“Os preços ao produtor estão em alta e isso vai dar um incentivo para melhorar a produção”, acredita Carvalho. No entanto, o pesquisador salienta que muitos produtores saíram da atividade e outros destinaram animais para o abate. “O impacto disso na recuperação da oferta é difícil quantificar”, conclui.
Custos aumentam desde 2021
A escalada dos custos vem ocorrendo desde meados do ano passado, impactando a rentabilidade dos produtores. De janeiro a junho deste ano, o preço médio do leite pago ao produtor, deflacionado pelo custo de produção, recuou cerca de 3,8%. Esse número é comparado ao mesmo período de 2021.
Simultaneamente, do rol dos insumos que mais subiram de preço estão os fertilizantes e os combustíveis, afetados pela guerra Rússia-Ucrânia. Até o frete marítimo internacional, também em alta, entram nessa conta.
Mas o insumo que mais tem pesado no caixa do produtor é o volumoso, que registrou elevação de 51% na comparação de maio deste ano com o mesmo mês de 2021. “Produzir silagem e adubar pastagens está bem mais caro”, constata José Luiz Bellini Leite, analista da Embrapa.
A ureia no mercado brasileiro passou de R$ 2,3 mil por tonelada, no início do ano passado, para cerca de R$ 6,3 mil em março de 2022. O cloreto de potássio foi de R$2 mil/t para R$6 mil/t. Esses insumos tiveram os preços afetados diretamente pelo conflito no leste da Europa, que tem a Rússia como a principal exportadora.
Leite: produto sazonal
Todavia a entressafra, como de costume, também carrega parte da culpa pela alta dos lácteos. O leite no Brasil é um produto sazonal, com períodos claros de safra e entressafra.
Nesse meio tempo, a diminuição da oferta devido à sazonalidade explica o aumento do preço pago pelo consumidor em parte do outono/inverno. No lado contrário, ocorre regressão do preço com o crescimento da oferta no período de primavera/verão. Os dados do IPCA-15/IBGE, de novembro a janeiro do ano passado, mostram que os produtos lácteos ao consumidor tiveram queda natural de preço.
As coisas começam a sair da normalidade com a alta das commodities, revertendo a tendência de preços baixos a partir de fevereiro, em plena safra.
De acordo com Paulo do Carmo Martins, pesquisador da Embrapa, a demanda por lácteos também costuma apresentar oscilações ao longo do ano, o que resulta em um setor com preços tradicionalmente voláteis.
“Em alguns períodos, são os produtores que reclamam dos preços baixos pagos pelos laticínios; em outros, são os consumidores que ficam insatisfeitos com o valor que estão pagando pelos produtos lácteos”, diz. Para Martins, esse fato passa a impressão de que o leite é sempre um problema na cesta de alimentos.
Crise inflacionária aumenta custos
Em conclusão, com a volta da inflação a dois dígitos, as atenções se voltam para os gêneros alimentícios. Estes tem maior impacto nas populações de baixa renda e o leite assume seu protagonismo. Mas, segundo Martins, a alta da inflação tem se mostrado um fenômeno mundial.
“Esse é o reflexo do desarranjo das cadeias produtivas globais, impactadas pela descontinuidade na produção e no transporte durante a pandemia de Covid-19”, conclui.
Portanto, o que confirma essa conclusão é o índice do Global Dairy Trade – GDT (plataforma mundial que realiza leilões de lácteos) recuou um pouco. Ao mesmo tempo, contudo, segue em patamares elevados (US$ 4,6 mil/t) desde que atingiu seu maior valor em fevereiro: US$ 4.630/t. Os índices do GDT mostram que em dois anos, a tonelada do Leite em Pó Integral oscilou de US$1,9 mil a US$ 5,3 mil.
Ao mesmo tempo, para os pesquisadores e analistas do Centro de Inteligência do Leite (Cileite/Embrapa), a crise econômica que reduziu o poder de compra da população está evitando que a crise de oferta torne os preços dos lácteos mais elevados.
Ainda assim, o leite não pode ser visto como “maior vilão” da inflação de alimentos. Segundo dados do IPCA, entre os produtos de proteína animal (carne, frango, ovos e lácteos), leite e derivados são os que apresentaram menor alta nestes dois anos (veja figura 2).
“No rastro desse momento de adversidade, tem ocorrido um processo mais acelerado de consolidação no setor, com modernização tecnológica da produção. Além disso também há exigência de maiores investimentos e pressão por economia de escala”, afirma Bellini Leite.