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Agronegócio

'Eu devo a vida da minha filha à cadeia de leite'

Professora conta drama que viveu ao não poder amamentar e como isso a incentivou a criar um projeto para melhorar a qualidade do leite

A produção de leite sempre esteve presente na vida de Denize da Rosa Fraga, uma médica-veterinária de Alegrete, no Rio Grande do Sul. Criada por pais que se dedicavam à atividade, ela iniciou sua carreira acadêmica como professora e pesquisadora voltada para o setor de leite. Apesar da paixão que sempre manteve pela criação de vacas e pelo melhoramento de manejo na produção leiteira, Denize jamais poderia imaginar como essa cadeia produtiva seria importante não só para a sua vida, mas também para a vida da sua filhinha, que hoje está com oito meses.

Para entender essa história, é preciso voltar ao ano de 2018, quando Denize foi diagnosticada com câncer de mama. “O meu mastologista, na época, me orientou a fazer a retirada das duas mamas e foi o que eu fiz, em julho de 2018. No ano seguinte, tive que fazer outra cirurgia, porque começou a crescer um tecido diferente, e foi então que me foi dito que meu câncer poderia ser estimulado pela questão hormonal. O indicado, nesse caso, seria fazer uma cirurgia para tirar o útero e o único ovário que me restava, já que havia tirado o outro anos antes por causa de outro câncer, na época do nascimento do meu primeiro filho, atualmente com 16 anos”, disse.

Com a possibilidade dessa nova cirurgia, Denize percebeu que tinha uma última chance de engravidar. Em outubro de 2019, descobriu que estava grávida e, nas consultas com a pediatra, foi explicado que não teria chances de amamentar a pequena Emily.

“Eu sei que no campo a gente tem banco de colostro para os bezerros, mas não sabia como funcionava para humanos. Foi então que a minha médica disse que existia banco de leite apenas para bebês que estavam na UTI e que, caso tudo desse certo, não teria esse suporte para a minha filha”, conta, emocionada.

Os filhos de Denize, Gabriel e Emily. Foto: Arquivo pessoal

A solução para Denize e Emily, então, seria recorrer às fórmulas lácteas desenvolvidas com leite de vaca. O alimento seria o diferencial entre a vida e a morte de um recém-nascido. Isso não apenas emocionou como mudou completamente a percepção de uma mulher acostumada a viver o dia a dia da produção leiteira no Rio Grande do Sul.

“Emily nasceu prematura de 8 meses, mas não precisou de UTI.  A primeira gota de alimento que a minha filha colocou na boca foi à base de uma fórmula com leite de vaca, e esse foi o alimento dela por 6 meses. Hoje ela está muito saudável e posso dizer que devo a vida da minha filha à cadeia de leite”, diz Denize.

A família de Denize no final de 2020. Foto: Arquivo pessoal

A partir desse episódio pessoal, Denize passou a pensar nas dificuldades de muitas mães que não poderiam ter acesso a essas fórmulas. A partir daí, passou a elaborar um projeto para melhorar ainda mais a cadeia de leite na própria região. 

“A minha filha só está viva porque há empresas que fabricam [formulações], mas eu tenho consciência de que nem todas as pessoas têm condição financeira de comprar uma lata de R$ 60 toda semana. Então, muitas dessas mães pegam o leite comum para diluir em água para fazer uma fórmula especial orientada por um nutricionista, para ter um custo mais baixo para fornecer leite para essa criança sobreviver. Essa realidade, junto com toda a minha vivência na cadeia de leite, me fez entender a importância do setor para a saúde pública a ponto de salvar vidas de recém-nascidos”, disse.

Foi durante essa reflexão que surgiu a oportunidade para Denize criar um serviço de análise da produção leiteira. O projeto nada mais é do que um equipamento portátil, para medir a qualidade do leite de pequenos produtores, que muitas vezes não têm acesso a esses serviços.

Projeto Suporte D’Leite

Denize se formou como doutora especializada em bovinocultura de leite e hoje dá aula na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí).
Com o conhecimento adquirido ao longo dos anos tanto na produção, como na vida acadêmica ela conseguiu elaborar um projeto que pode ir até fazendas e cidades da região prestar o serviço de análise do leite. Dessa forma, consegue dar respostas importantes aos produtores para ajustar o manejo, diminuir custos e melhorar a qualidade do leite que vai para a indústria.

“Eu penso que esse meu trabalho vai levar um produto melhor para a mamadeira do filho de alguém. Que vai produzir um pão com melhor qualidade, um queijo e outros derivados que às vezes fazem parte da merenda escolar, que é uma alimentação importantíssima e que pode salvar uma criança da desnutrição. Eu devo isso à cadeia do leite: tirar as pessoas da zona de conforto e qualificar cada vez mais, mesmo sabendo que já produzimos um leite de qualidade, mas que dá para melhorar”, disse.

Foto: divulgação

O sonho da pesquisadora é que, um dia, todo leite que chega ao consumidor saia de uma propriedade que faça controle de qualidade vaca por vaca, com ajustes constantes de dieta e redução do uso de antibióticos, com todos os certificados possíveis. “Podemos chegar ao ponto de garantir que o que estamos dando para essas crianças é o melhor leite do mundo. Mas, para chegar nisso, tenho que levar essas tecnologias ao dia a dia do produtor. Essa é a minha missão”, disse.

Com esse objetivo, Denize diz que iniciou 2021 a todo o vapor em busca de parcerias e traçando estratégias para levar o serviço de análise para o maior número de produtores possível.

“O Brasil está carente de suporte. Hoje já temos quase 70 empresas conveniadas do agronegócio, onde eu serei um vínculo entre o serviço, o campo e a empresa. Entre o produtor, o campo e a pesquisa.”

Foto: divulgação

Como funciona?

Ela explica que o laboratório vai receber a análise por tanque ou por vaca. A partir disso, o produtor vai ter em mãos uma análise que vai ajudá-lo a qualificar a nutrição, como gordura, proteína e ureia do leite.

“O produtor vai poder ainda receber análise de células somáticas, dando um panorama sobre sanidade. Fará análise de CBT [contagem bacteriana total], que dará uma ideia de higiene de ordenha, também haverá análise de cultura para intervir nos manejos e reduzir o uso de antibióticos na fazenda. São várias análises com custo baixo que estarão à disposição do produtor para ele melhorar cada vez mais a qualidade do produto que ele fornece”.

Segundo Denize, algumas empresas vão prestar serviços por meio de seus técnicos e veterinários, outras vão auxiliar porque trabalham com venda de ração e de medicamentos. Dessa forma, os parceiros poderão fazer um caompanhamento integrado das propriedades. Outra possibilidade, diz ela, é abrir convênios com municípios, para que o poder público possa investir em seus produtores locais.

Foto: Seagri-DF

“O tema do nosso projeto é ‘Conhecer para Crescer’, pois acreditamos que é preciso de uma ruptura de paradigmas, principalmente entre poder público e produtor, trazendo a extensão rural e por isso é importante o apoio que temos da Emater. Esses extensionistas vão trabalhar na interpretação de dados, no auxílio de manejo e na qualificação de políticas públicas de desenvolvimento”, disse.

Ela lembra que essas análises já ocorrem oficialmente uma vez por mês, mas o passo que o projeto pretende dar é ampliar essa comunicação. “O papel do Suporte D’Leite é fazer essa comunicação de uma forma mais clara entre os elos para que toda a cadeia possa se organizar e produzir cada vez com mais qualidade. Temos muitas propriedades que se enquadram nessas normativas, justamente porque conhecem os seus rebanhos e agem rapidamente. Queremos levar isso para mais pessoas”.

Por acreditar no potencial do projeto, ela diz que a ideia é atender os produtores da região de Ijuí (RS) e, no futuro, exportar o modelo para o resto do estado e outras regiões do país, para que pessoas que pensem da mesma forma possam executar essas ações.

“É um projeto que eu quero que cresça muito e que traga cada vez mais pessoas para dentro dele. Quero, quem sabe, poder treinar equipes do outro lado do país para que esse sistema seja implantado. Nós no Rio Grande do Sul somos um dos estados que mais conhecem a própria qualidade do leite, pois temos laboratórios quatro oficiais, enquanto outros estados não possuem nenhum laboratório e precisam mandar o leite para ser analisado fora do estado”, explica.

Dessa forma, a pesquisadora, professora e amante da pecuária leiteira espera levar adiante o sonho de contribuir para o crescimento e capacitação de todo o setor produtivo do leite. Isso para que, no futuro, mães que também dependam do leite de vaca para salvar a vida de seus filhos possam ter produtos cada vez mais acessíveis e com altíssima qualidade, independentemente do fornecedor.

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