Dos 29 anos dedicados à criação de ovinos da raça texel, restaram apenas os troféus e as fotografias do produtor Orlando Martins. Em agosto de 2001, ele teve que sacrificar todo o rebanho de ovelhas e gado de corte depois que o vírus da febre aftosa foi identificado na propriedade.
? A causa mais provável que eu considero era o surto de aftosa que estava no Uruguai, em Artigas, e pipocando nas propriedades uruguaias e chegou a quase dois mil focos. Então como nós estamos a 700 metros da fronteira, eu acho que foi isso a principal causa do surto de aftosa aqui na nossa propriedade ? observa o pecuarista.
Mais de 200 animais foram abatidos e enterrados em valas abertas na própria granja. As marcas dessa história não deixam o criador esquecer o passado.
? Dá um nó na garganta. Eram 29 anos de seleção e eu acompanhava as ovelhas de cima. Eu conhecia praticamente ovelha por ovelha. E lá se foi a genética ? lamenta Martins.
O avanço da aftosa, dessa vez por uma das mais tradicionais regiões de criação de gado europeu, preocupou autoridades e pecuaristas.
? Uma das coisas que eles temiam era o próprio rifle sanitário, porque tinha genética envolvida. Eram 40 anos, 60 anos de seleção genética e isso trouxe um temor muito grande aos produtores ? explica David Martins, ex-presidente do Sindicato Rural de Santana do Livramento (RS).
A decisão de voltar a vacinar o rebanho gaúcho foi tomada durante uma assembléia que contou com centenas de produtores. O descontrole da febre aftosa do lado uruguaio fez com que os pecuaristas pressionassem as autoridades brasileiras pelo retorno da imunização do gado. Eles temiam que a doença chegasse até suas propriedades e eles tivessem que sacrificar seus animais de genética.
? Vacinando acalmou tudo isso e não se perdeu essa genética. Acho que foi a melhor solução ? afirma Martins.
Atualmente, são feitas duas campanhas de vacinação ao longo do ano. A primeira em maio para todo o rebanho e a segunda em novembro para reforço de animais com até 24 meses. Agricultores familiares com até 50 animais, inscritos no Pronaf, recebem a vacina de graça. Em assentamentos da reforma agrária, os fiscais sanitários acompanham as vacinações como forma de assegurar a imunidade do rebanho.
Em maio do ano passado, na estrada do Tigre, em Alegrete, no Rio Grande do Sul, durante uma ronda dos fiscais da inspetoria veterinária do município, foram encontrados jogados na beira da estrada um saco com mais ou menos 50 fracos, o equivalente a 1,2 mil doses de vacinas contra febre aftosa.
Com o sistema de defesa sanitária informatizado, foi possível rastrear e identificar o produtor que havia comprado aquela quantidade e aquele lote de vacinas. O pecuarista respondeu processo administrativo e foi autuado pelos fiscais.
? Ele alegou que estava viajando e tinha deixado os frascos dentro da casa e que faltou luz. Quando voltou da viagem, pediu nova autorização de compra de vacina, mas nós já tínhamos encontrado esses frascos na estrada, casualmente o mesmo número de doses, com a mesma partida autorizada e fomos obrigados a infracioná-lo por não ter vacinado. A multa foi alta, deu em torno de R$ 12 mil ? conta o veterinário Joal Pontes.
Pontes trabalha há 35 anos com defesa sanitária e afirma que casos como esse são poucos. Segundo ele, o produtor está mais consciente e não quer correr risco de ver a aftosa voltar ao Estado. Foi pensando nessa consciência dos produtores e no longo período sem doença no Estado que um movimento em defesa da retirada da vacinação contra a febre aftosa começa a ganhar força e a dividir opiniões.
? Nós já avançamos muito na questão da defesa, tanto na divisa, quanto na nossa fronteira. Eu acho que o Estado está pronto para dar os primeiros passos ? diz o secretário da Agricultura do RS, Gilmar Tietböl.
? É importante que se saiba que, na América do Sul, ainda em alguns países, existe atividade viral. Então, nessas condições, eu acho que fica muito perigoso retirar a vacina ? opina o assessor de pecuária da Federação de Agricultura do Estado (Farsul), Fernando Adauto Loureiro da Silva.
Orlando Martins tem a mesma opinião da Farsul. Agora que começou a recuperar a genética do seu plantel, nem sonha em viver tudo de novo.
? Com tudo que nós passamos, com todos os percalços, eu sou partidário a continuarmos vacinando. Eu prefiro um Rio Grande com vacina e livre da aftosa, do que sem vacina e sujeito a um novo surto. A nossa fronteira é muito grande, e eu tenho medo ? desabafa o pecuarista.