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Produtores relembram volta da aftosa, há dez anos no RS

Falta de transparência nas questões sanitárias entre os países do Mercosul pode ter sido a causa do ingresso do vírus no rebanho do EstadoNo mês de agosto, completa dez anos que a febre aftosa reapareceu no Rio Grande do Sul. Nossa equipe voltou ao município de Joia para relembrar aquele episódio que representou um marco histórico na pecuária brasileira depois que mais de onze mil animais foram sacrificados.

A falta de transparência nas questões sanitárias entre os países do Mercosul pode ter sido a causa do ingresso do vírus no rebanho do Rio Grande do Sul.

? Eu fui convidado por um produtor para atender uns animais que ele notou que não estavam comendo e que estavam salivando bastante. Chegando lá, eu detectei que tinham lesões compatíveis com febre aftosa ? disse o médico veterinário Magno Medeiros Lucena.

O diagnóstico do veterinário Magno Lucena acabou sendo confirmado e deu início a uma das maiores crises já vividas pela pecuária do sul do país.

? Foi no dia primeiro de agosto que eu identifiquei os animais e só  foi anunciado pelo ministro na televisão no dia 23 de agosto. Foi muito tempo? Sim, foi muito tempo ? observa Lucena.

A demora custou para o produtor rural Aquiles Dala Flora o sacrifício de todo o seu rebanho.

? Do lado do chiqueiro, eles fizeram um buraco com uma retro-escavadeira de 2,5 metros de profundidade. Os maior foram abatidos a bala, e os pequenos foram degolados. Eu acho que foi um pouco de excesso demais, porque o gado que a gente via sacrificar era um gado sadio, um gado gordo ? conta o pecuarista.

De Joia, onde o vírus foi identificado pela primeira vez, a febre aftosa se espalhou para outros três municípios vizinhos. No total, foram 22 focos que atingiram 597 pequenas propriedades da região, obrigando os produtores a sacrificarem 11.087 mil animais. O dono de uma propriedade chegou a ser acusado de ser o responsável pelo ingresso da doença, por ter trazido para Joia gado de uma área próxima ao Paraguai. A mesma suspeita também foi levantada em relação aos animais de um assentamento do MST.

É difícil afirma com exatidão como o vírus da febre aftosa chegou à região de Joia. Atualmente, passados dez anos, se trabalha com uma hipótese que está escrita em um documento elaborado pelo veterinário argentino, Alberto Henrique Perker. Ele afirma que, em junho do ano 2000, já havia aftosa na Argentina, inclusive com o sacrifício dos animais. Porém, como o país estava prestes a conquistar, junto a OIE, o status de zona livre de febre aftosa sem vacinação, as autoridades daquele país decidiram ocultar o caso.

? A Argentina omitiu durante todo esse período, por um ano a comunicação. Foi exatamente na progressão disso o que ocorreu. Isso nos traz o aprendizado de dar passo sem conhecer a situação que esta nas vizinhanças ? diz o presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Carlos Sperotto.

O presidente da Farsul sabe bem o preço que os gaúchos pagaram por esse descaso com a política sanitária do Mercosul. O Estado estava a um passo da conquista da certificação como zona livre de febre aftosa sem vacinação. O veterinário Fernando Gröff, que atualmente gerencia o Programa Estadual de Febre aftosa, mas na época do surto ajudou a montar as barreiras sanitárias no norte do Estado. Para ele a ação de controle da doença foi montada em cima de um status que ainda não havia sido reconhecido.

? O Estado recém tinha solicitado o status de zona livre de febre aftosa sem vacinação, ainda não tinha sido submetido à OIE, não tínhamos o reconhecimento internacional então, mas o combate ao foco foi realizado nos moldes recomendados, pensando em uma retirada de vacina, no reconhecimento internacional. Sabendo que depois a gente voltou a vacinar, situação em que a gente está até hoje, livre com vacinação, talvez não se precisasse fazer no formato que foi feito, certamente não se pouparia o sacrifício dos animais, mas solução fosse mais rápida ? defende Gröff.

A estratégia de combate aos focos da doença também gerou uma crise entre Estado e União. O ministro da Agricultura da época, Pratini de Moraes, garante que foi feito o que  recomendava a Organização Mundial de Saúde Animal.

? Se você não abatesse aqueles animais, ela ia se espalhar pelo rebanho inteiro do Rio Grande do Sul, e aí se você vacina não ia resolver. Houve falta de profissionalismo, muita gente falando bobagem, muita gente falando sem fundamentação técnica ? lembra Moraes.

José Hermetto Hoffman, que era secretário de agricultura do Rio Grande Sul na época do surto da aftosa, tinha opinião diferente do Ministério da Agricultura.

? O que eu acho que houve foi um debate emocional e irracional da política do Rio Grande do Sul. Os deputados fizeram uma trincheira política para enfraquecer o governo em cima do tema aftosa, que é um tema técnico. Erro nós não cometemos, tanto que até hoje nós temos o reconhecimento do setor pecuário da forma como tratamos ? conclui Hoffmann.

Foram seis meses até o abate do último animal com suspeita da doença. Um período longo difícil de ser esquecido por aqueles que fizeram parte dessa história e mais ainda para a pecuária brasileira que buscava o reconhecimento internacional.

? Tomar uma atitude mais enérgica em relação a isso, deixar o lado político de lado e ter atuado realmente em cima do problema, identificar com maior brevidade possível isso daí, para tentar resolver e não achar que era um problema político, que o veterinário ia ganhar em cima disso. Eu não sei como se ganha em cima de uma miséria ? analisa Lucena.

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