A demanda pela tecnologia fundamenta-se nas possibilidades de aplicação do principal produto gerado pelo biodigestor: o biogás, com alto poder energético, que pode suprir necessidades básicas, como aquecimento e iluminação. Espécie de câmara fechada, o biodigestor estimula a decomposição de dejetos da criação animal em condições anaeróbicas (sem a presença de oxigênio). Durante o processo, é liberado o biogás. Os efluentes líquidos resultantes do procedimento, chamados de digestato, também podem ser utilizados como fertilizantes.
De acordo com o pesquisador Airton Kunz, os aparelhos utilizados hoje, no Brasil, são herança da onda da biodigestão da década de 1990. Para o especialista, na época, acreditou-se que a tecnologia viabilizaria o avanço ambiental do país, a partir da redução da emissão de carbono – o que não ocorreu.
– Por limitação do processo, os biodigestores não corresponderam às expectativas de volume de redução do impacto ambiental. A instabilidade do mercado de carbono também contribuiu – explica.
Granjas de médio e grande porte que apostaram no sistema, mesmo depois de passada a onda da década de 1990, aprovam os resultados.
– Uma vez tratado (os efluentes), você pode viabilizar outras atividades dentro da granja – defende o gerente de engenharia da Master Agropecuária, Cleonei Gregolin.
Com 18 anos de atuação no setor, a Master, empresa de Videira (SC), gerencia 11 unidades de produção de suínos, com total de 35,2 mil matrizes e 230 parceiros integrados. Em 2004, com apoio da multinacional Bunge, investiu R$ 3,5 milhões na construção de biodigestores para todas as plantas. A sociedade terminou, mas a Master decidiu investir no projeto.
A maior aposta do grupo catarinense ocorreu no ano passado, quando a Master adquiriu a granja São Roque, também localizada no município de Videira. Além de utilizar a energia gerada a partir do biogás proveniente do processo de biodigestão, a unidade fechou parceria com as Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc) para comercialização de energia elétrica. O excedente energético da granja é inserido diretamente na rede elétrica.
Segundo Cleonei Gregolin, o sistema da São Roque, até o momento, proporciona redução de 20% de redução com os custos de energia. Mas a meta é melhorar o desempenho até 2013, quando o investimento na unidade, de R$ 600 mil, será pago.
– Sustentabilidade é pré-requisito. Estou há 20 anos no mercado e já vi muitas flutuações. Tem de se estar preparado. O ganho contribui para a permanência da atividade – afirma.
Especialistas, no entanto, alertam para a real necessidade de implementação da ferramenta. O pesquisador da Embrapa Aves e Suínos, Airton Kunz, afirma, no entanto, que há certos equívocos ao se avaliar o custo/benefício.
– Sob o ponto de vista do carbono, ele reduz o impacto ambiental. Mas no uso de biofertilizantes, ele não repõe nutrientes importantes como nitrogênio e fósforo – explica.
Histórico
No Brasil, os modelos mais conhecidos de biodigestores são o indiano e o canadense. Enquanto o primeiro foi desenvolvido para suprir a falta de combustíveis fósseis na Índia, o segundo, fabricado com PVC, destaca-se por ser mais moderno e barato. Produtores brasileiros utilizam mais a opção do Canadá, também conhecida como “lagoa coberta”.
Os primeiros aparelhos chegaram ao Brasil na década de 1970, época em que a crise energética forçou , de primeiro e de terceiro mundo, a buscarem alternativas renováveis. No entanto, sem assistência técnica e consultoria ao usuário, a tecnologia caiu em desuso no país até meados da década de 1980.
Com o crescimento do mercado de crédito de carbono nos anos de 1990, o interesse pela biodigestão reacendeu. A agropecuária brasileira tornou-se foco de atenção das empresas de MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), que passaram a buscar produtores parceiros para a instalação de sistemas de biodigestores. A estratégia era financiar biodigestores para reduzir a emissão de gases na atmosfera, gerando saldo ambiental positivo.
De acordo com boletim divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), baseado na produção agropecuária brasileira de 2009, a suinocultura gera, por ano, 20,4 milhões de toneladas de dejetos. O potencial energético, caso todo o montante fosse aproveitado, seria de 122 MW.
>>> Esta é a terceira matéria da série especial Resíduos Agropecuários: Sustentabilidade e Renda, que é publicada todos os sábados no RuralBR até meados de junho. As reportagens mostrarão como o reaproveitamento movimenta a economia brasileira e que iniciativas estão sendo realizadas por agricultores e pecuaristas do país.