O peão Salvador Conceição Alves de Arruda segue no passo manso do cavalo companheiro para um dia de aula. Com quase 60 anos de lida, ele já perdeu a conta de quantos amansou.
No Pantanal, a tradição é de amansar cavalo à unha, usando a força para ter o domínio sobre o animal. A tarefa muitas vezes feita apenas por homens. Entretanto, essa história vai ficando para trás. Já é possível ver uma mulher dominando o animal sem usar força nem brutalidade. Com maestria, paciência e carinho, ela vai amansando o bicho. Do lado de fora, os alunos observam tudo em silêncio. Eles parecem não acreditar no que estão vendo.
A atenção retratada nos olhos do pantaneiro revela mais do que um sentimento de surpresa com o jeito diferente de domar o animal. Demonstra uma certa sensação de encanto com a maneira simples de conquistar a confiança do cavalo.
O encanto motivou um jovem casal a fazer parte desta turma de aprendizes. Daniele Marcele Fernandes e Diego Curvo de Moraes são de uma nova geração de pantaneiros, com pressa em aprender a arte da doma racional.
? A gente aprende, nasce vendo o pessoal mexendo na bruta. Neste curso a gente vê que não é medindo força que a gente vai montar no animal. Para nós, se falarem é inacreditável ? diz Moraes.
Se o marido quer mudar o que aprendeu no passado, a esposa quer perder o medo de chegar perto de cavalo “chucro”. Ela descobriu o segredo para conseguir dar esse passo e viu que ter força é o menos importante.
A mensagem chegou fácil aos jovens. Convencer os mais experientes é bem mais difícil. Assim como na doma, também é preciso persistência.
? Eu sempre fui da cidade. Não tinha intimidade com cavalo, mas via como era tratado com maus tratos. Aprendi esta técnica e resolvi passar pra frente ? conta o coordenador de Qualificação Rural da Secretaria de Trabalho e Assistência Social de Mato Grosso, Emílio Martins Alves.
? Há bastante diferença. Justamente por ser mulher, por ser pequena, a primeira impressão quando chego aqui é que eles estão pensando que não vai dar certo. Vou mostrando devagar. No primeiro dia, ficam longe. Depois, vão chegando perto, fazem mais perguntas. O gostoso é que todo mundo quer mexer. Você vê que realmente tem interesse. Todos disputam quem vai entrar primeiro ? afirma a treinadora de cavalos Roberta Alves Buttelli.
? No começo eu mesmo duvidava. Pensava que não teria lógica de uma mulher, uma criança montar em um animal recém domado. Hoje vejo eles montando no animal só no jeito! Tem até alunas mulheres aqui. Vão disputar com os homens a lida ? diz Arruda.
O curso de doma racional é oferecido pelo Programa de Qualificação Rural, da Secretaria de Trabalho e Assistência Social de Mato Grosso. O objetivo é levar novos conhecimentos para o homem do campo e com isso ampliar a oportunidade de emprego e renda para as famílias rurais.