Uma tecnologia da Embrapa Informática Agropecuária poderá auxiliar o trabalho dos auditores fiscais agropecuários na identificação de doenças em carcaças de animais. A ideia é utilizar uma espécie de scanner, com uso de visão computacional e inteligência artificial, para detectar as inconformidades que atualmente são analisadas manualmente pelos técnicos.
O objetivo é reduzir custos com pessoal que atuam na linha de inspeção e dar mais agilidade e transparência ao processo. Uma proposta para o desenvolvimento de projeto nessa área foi apresentada ao Ministério da Agricultura no final de outubro e deve ser autorizada pela pasta ainda este ano. Caso seja viabilizada, a novidade pode estar à disposição das indústrias a partir de 2020.
A inovação pode ajudar o Brasil a resolver dois grandes problemas. O primeiro é o déficit atual de quase dois mil auditores fiscais federais agropecuários necessários para atuar, entre outras atividades, na inspeção de frigoríficos. O segundo são as falhas no controle sanitário ocorridas recentemente que geraram fechamento de mercados internacionais e constantes questionamentos de países importadores de carnes.
“Ainda é muito inicial, mas é muito bem vindo. Temos um comitê científico que vai avaliar como podemos validar e realizar um piloto do assunto. É bem inovador. Mas pode sim (dar mais agilidade e transparência ao processo). O mais importante é estarmos seguros que poderá ser sustentado tecnicamente com os mercados compradores. O que uma nova tecnologia agrega é segurança adicional no processo de inspeção. Acabamos de avaliar um novo modelo para suínos. Levamos quase 18 meses e várias tratativas técnicas para chegar a um bom termo, mas queremos ser vanguardistas e sempre inovar”, afirmou o secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Luis Eduardo Rangel.
A proposta da Embrapa é realizar um projeto, com duração de um ano e meio, de um estudo técnico de viabilidade para desenvolver um sistema com uso de visão computacional que possa ser usado para a identificação de carcaças de animais. As pesquisas iniciais seriam feitas em frigoríficos de aves, mas já há indicação de que a tecnologia possa ser aplicada para suínos e bovinos.
O projeto será dividido em quatro partes. A primeira consiste na captura de imagens para alimentar a base de dados que será utilizada no software: fotos das carcaças de aves para classificar o que é próprio e o que não é para consumo; uso de câmeras fotográficas e de vídeo; instalação nas linhas de inspeção e obtenção das imagens. A segunda é a configuração do software que realizará a identificação de inconformidades ou não nos animais: aplicação de algoritmos e treinamento das máquinas para aprenderem a fazer a classificação de forma automatizada; anotação das imagens, sobre qual carcaça é adequada, qual não é; anotação das condições ideais para aprovação das carcaças apropriadas para consumo ou não. A terceira parte é o início dos testes internos, na unidade da Embrapa. E a quarta e última será a realização de teste a campo para validação da tecnologia em frigoríficos.
A chefe-geral da Embrapa Informática Agropecuária, Silvia Massruhá, explicou, com exclusividade ao Canal Rural, que o projeto é desenvolvido pela área de visão computacional da unidade. A tecnologia usa a análise de imagens 3D por algoritmos de forma automatizada pelo computador.
É o chamado deep learning, uma das bases da inteligência artificial, que aprimora a capacidade das máquinas classificarem, reconhecerem, detectarem e descreverem. Ou seja, de compreenderem informações sozinhas, sem interferência humana.
Ela afirmou que a tecnologia pode eliminar alguns trabalhos manuais operados hoje por auditores fiscais, o que toma tempo e gera gastos, podendo realocar esses servidores em outras funções mais estratégicas. “Pode ser uma ferramenta de apoio na tomada de decisão durante todo processo para melhorar a rastreabilidade e a qualidade da produção. Um dos problemas que se tem na inspeção é justamente com a análise de carcaça, que é manual, atividade muito empírica. Muitas vezes, a estimativa da carcaça sai erradamente, não é aquilo que esperavam. Então, precisamos minimizar os erros. Essa técnica poderia, além de ajudar na automação, dar transparência ao processo e otimizar o trabalho dos próprios fiscais e eliminar alguns trabalhos manuais”, observou.
Viabilidade
A proposta depende do aval do Ministério da Agricultura, o que pode ocorrer ainda esse ano. “Podemos começar. Mas tenho certeza que a próxima gestão apoiará esse tipo de iniciativa”, relatou o secretário Luís Eduardo Rangel.
Em outubro, o secretário-executivo do Ministério da Agricultura, Eumar Novacki, e o diretor do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (DIPOA), Alexandre Pontes, visitaram a Embrapa Informática Agropecuária. A avaliação foi positiva e a expectativa é conseguir aplicar o quanto antes a tecnologia. “A inspeção federal tem um sistema robusto, que funciona, mas que precisamos modernizar. Ganharíamos eficiência, velocidade, reduziríamos custo com pessoal. A ideia nos deixou animados. Estamos trabalhando para ver se até o fim do ano deixamos o projeto piloto pronto para começar os testes”, informou Novacki.
Ainda não se sabe o quanto a tecnologia pode reduzir em termos de custos no processo de inspeção.
Silvia Massruhá explica que esse tipo de tecnologia já é utilizada na atividade vinícola. “Utiliza muito para estimar a produtividade de uvas, para a fabricação de vinhos. Consegue reconstruir todo o vinhedo, é usado no reconhecimento de doenças também”, informou.
Caso o projeto seja aprovado pelo ministério e o estudo indique a viabilidade do uso da tecnologia, ela deve estar disponível a partir de 2020. Isso, no entanto, vai depender de parcerias público-privadas com empresas que atuem na área para levar os equipamentos para instalação nos frigoríficos. “A Embrapa atua do ponto de vista de pesquisa. Para ganhar escala, para colocar no mercado essa tecnologia, precisa de parcerias com outras empresas privadas no sentido de auxiliar nesse processo. Aí surgem oportunidades para outras empresas que queiram trabalhar com esse produto. Mas vai atender do pequeno ao grande frigorífico. Isso vai depender de outros parceiros para levar pro mercado”.
Silvia Massruhá também destacou a importância da tecnologia de forma geral para agregação de valor aos produtos brasileiros. “A gente que trabalha com tecnologia, a gente vê o potencial para agregar valor no processo produtivo. Seja produtor, frigorífico, em toda a cadeia produtiva, desde a pré produção até a pós, se em todo o processo introduzimos tecnologia, isso agrega mais valor e garante qualidade nos mercados nacional e internacional”.