Durante 40 anos, entre as décadas de 50 e 90, com uma economia inflacionária, o próprio governo chamava as associações para negociar preços. Segundo o ex-presidente do Cade, herança que resiste até hoje.
? Muitas vezes o governo induzia o cartel, era o coordenador do cartel, chamava as empresas e falava: só pode reajustar em “tantos por cento” os preços. Isto induzia a conduta oficial uniforme. E esta cultura infelizmente ficou. A economia mudou, é moderna, de mercado. A atitude também tem que mudar ? afirma o ex-presidente do Cade, Gesner Oliveira.
Segundo levantamento da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, mais da metade dos processos relacionados à formação de cartéis no país envolve entidades de classe. Uma delas é a União Brasileira de Avicultura que, em 2008, ainda chamada de Uba, teria sugerido aos associados a redução da produção em 20% para evitar a queda de preços. Após a orientação, o abrigo de aves apresentou uma queda de 12%. Segundo o presidente da Ubabef, não havia cartel e sim uma orientação que protegia os criadores de frango.
? Por exemplo, deu crise, você avisa o produtor: vamos deixar de exportar, a Rússia embargou. Este produto tem que enxugar de uma maneira ou de outra pra você não desperdiçar, não perder, não aviltar preço e matar o produtor. Mas lá pelas tantas houve assim uma intervenção do Cade, coibindo porque imaginou que a gente estava fazendo quem sabe algum processo ilegal, restringindo o acesso às informações para o mercado ? diz o presidente da Ubabef, Francisco Turra.
Segundo o analista de mercado Osler Desouzart a decisão do governo prejudicou a parte mais fraca da cadeia produtiva: os pequenos e médios produtores.
? Na primeira crise de superprodução que nós tivemos, as empresas maiores, com seus estudos econômicos de projeções, mandaram eles tomarem medidas preventivas. Com o nosso produtor rural, o que aconteceu? Este quebrou a cara, trabalhou para criar um lote durante 42 dias e possivelmente não fez um tostão, mal conseguiu pagar o milho, a soja e quase não conseguiu fazer a reposição de plantel ? conta Desouzart.
De acordo com o ex-presidente do Cade, as normas do órgão e a proteção aos associados podem existir desde que não passe por cima da lei.
? A lei é muito clara. Não pode haver indução de conduta comercial uniforme. Isto é, não pode haver combinação de preço, de quantidade, de qualquer tipo de ação que possa influenciar a formação de preços. Os valores devem ser formados pela interação entre a demanda e a oferta de mercado, sem interferência de players que tem influência de mercado. Então é por isto que o Cade toma medidas que proíbem este tipo de ação ? relata o conselheiro do Cade, Gesner Oliveira.