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Agricultura

Brasil precisa de plano de safra de guerra, diz ex-ministro da Agricultura

Segundo Roberto Rodrigues, o país pode aproveitar o cenário de escassez criado pela guerra para conquistar novos mercados

O Brasil pode aproveitar o cenário de escassez criado pela guerra entre Rússia e Ucrânia para conquistar novos mercados e se posicionar como o grande produtor de alimentos para o mundo.

Para isso, o país precisa fazer um “plano safra de guerra” e atingir, já em 2023, uma produção de 300 milhões de toneladas de grãos – 30 milhões a mais do que este ano.

É o que defende o engenheiro agrônomo e coordenador do Centro de Agronegócios da Fundação Getulio Vargas (FGV-Agro), Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura.

Para ele, o país que mais avançou na agricultura nos últimos 30 anos tem condições de continuar crescendo no agro, para se tornar realmente o celeiro do mundo.

“Em menos de dez anos, estaremos alimentando 1 bilhão de pessoas, um país que vai defender a segurança alimentar e, portanto, a paz”, afirmou ao Estadão. Acompanhe os principais trechos da entrevista.

Roberto Rodrigues, ministro da agricultura, FGV
Foto: Divulgação

Que lições o agro brasileiro pode tirar do cenário atual, de escassez de alimentos, inflação e guerra?

Com a pandemia, muitos países foram ao mercado em 2020 em busca de alimentos. Só que os estoques mundiais estavam abaixo da média e, como a demanda cresceu, os preços dobraram, principalmente de soja e milho. Houve uma inflação global de alimentos que também levou vários países e produtores a aumentar a área plantada para atender a essa demanda. Para isso, precisaram de mais insumos, fertilizantes, defensivos, sementes e máquinas. As cadeias foram rompidas, e os preços dos insumos subiram muito. Como consequência, houve necessidade de mais crédito. No caso brasileiro, os recursos para crédito não estão tão disponíveis e, com a inflação alta, o juro também vai ficar mais elevado. Assim, temos oferta de crédito limitada e uma demanda maior. O Brasil tem um papel a cumprir, que é aumentar a produção para suprir a demanda global, reduzir a inflação do alimento no mundo e também ganhar espaço, mostrando que podemos ser um produtor de alimentos ainda maior. É o caso de o governo e a sociedade brasileira atuarem para que entrem as tradings, os fabricantes e importadores de insumos, os bancos privados, o seguro para que tenhamos um plano de safra excepcional. Precisamos de um plano de safra de guerra.

Com custos mais elevados, falta de fertilizantes e aperto financeiro, qual a saída?

A saída é se unir às tradings, aos bancos privados, às cooperativas, às associações de classe para montar um programa que não seja dependente do governo. Um aumento muito grande de produção não pode representar perda de valor internamente. Não adianta o Brasil ser um grande exportador se os produtores ficarem descapitalizados. Tem de ter um programa articulado, com preço de garantia, com seguro funcionando. Eu acho que é perfeitamente possível produzirmos uma safra de mais de 300 milhões de toneladas de grãos, muito acima do que vamos produzir este ano, de 270 milhões de toneladas.

Depois de seguidos recordes de produção, o agro brasileiro ainda pode continuar crescendo?

Temos investimento em tecnologia para produzir mais sem aumentar a área plantada. Do plano Collor, em 1990, até hoje, a área plantada com grãos cresceu 92% e a produção cresceu 340%. Esse processo continua com novas técnicas: integração agro-pecuária-floresta, uso de fertilizantes orgânicos, agricultura regenerativa. Podemos aumentar muito mais a produção de carnes também. A área de pasto vem diminuindo no Brasil e a produção de carne vem aumentando, porque a carga por hectare também aumenta com sustentabilidade. A agricultura brasileira tem uma tecnologia tropical sustentável que permite saltos ainda importantes. Cultivamos cerca de 72 milhões de hectares com grãos em três safras por ano. Se tivéssemos a mesma produtividade por hectare que tínhamos em 1990, precisaríamos plantar mais 103 milhões de hectares para a safra deste ano.

Desde sua passagem pelo Ministério da Agricultura, de 2003 a 2006, o que mudou no agro brasileiro?

Como ministro, a primeira coisa que fiz, em 2003, foi criar o seguro rural, que é a base de uma política agrícola de renda. Também fizemos a lei da biossegurança, viabilizando o uso de transgênicos, que era proibido no Brasil. Isso deu um salto de produtividade e de competitividade extraordinário. Hoje, mais de 90% da soja, do milho e do algodão no Brasil são transgênicos. Outro tema importante foram os novos títulos do agronegócio, fundamentais para o crédito rural. A criação de adidos agrícolas em várias embaixadas do Brasil permitiu uma abertura muito maior de comunicação sobre o agro brasileiro, gerando novos mercados. Políticas desenvolvidas naquele período permitiram crescimento tecnológico e no financiamento da produção. Em 2000, o agronegócio brasileiro exportou 20 milhões de dólares. Em 2021, exportou 120 milhões de dólares. É uma coisa que nenhum outro país fez. Temos ainda que eliminar desmatamento ilegal, invasão de terras, grilagem, mineração clandestina, incêndios criminosos, acertar a questão fundiária, mas a agricultura brasileira tem uma condição notável de crescer e alimentar o mundo cada vez em mais quantidade. Hoje, segundo a Embrapa, o agro brasileiro já alimenta 800 milhões de pessoas no mundo. Muito facilmente, em menos de dez anos, estaremos alimentando 1 bilhão de pessoas, sendo um país que vai defender a segurança alimentar e, portanto, a paz, porque não haverá paz enquanto houver fome.

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